18 de dez. de 2015

Não, nunca mais


Abandonaram-me os fantasmas que justificariam os fracassos.
Pálidos como a desesperança e silenciosos como lágrimas nunca vistas,
Despedem-se.

Nem a luz, nem a sombra ambicionam esta alma
Cujo sabor foi consumido a última gota.
Uma casca estéril que o vento leva para não longe.

Memórias permanecem, mas não por vontade.
Como tantas outras coisas, aqui residem por falta de opção.
O que resta dos suculentos sonhos de outrora é a realidade insípida.

As demais vidas seguem em busca de fulgores e futilidades.
E eu estou parado na chuva, de olhos fechados, coração ferido;
Com os pés enraizando numa terra lúgubre que não amo.

Sinto saudade da ânsia por desatinos,
Saudade da estrada quase infinita,
Que tinha ao fim algo incrivelmente precioso.

E lembro daquele céu azul que encobriu inocentes ilusões...
Apenas tua alegria tirava do meu olhar o foco no desalento,
Banhando-o numa luz suave de expectativas jamais verdadeiras.

Não, nunca mais a velha claridade.
Nunca mais o espírito numa valsa meiga com a felicidade.
Apenas um coração que pulsa, pulsa, pulsa e nada sente.

16 de dez. de 2015

Belo cárcere


Há essa algema ancestral,
Talvez criada junto da alma,
Ainda no útero de Deus,
Prendendo eternamente a disforme criatura,
Ao que de Belo seus olhos acalentam.

E toda perturbação da Beleza,
É um florete adentrando lentamente o âmago,
Constantemente, delicadamente, sem misericórdia.
Uma imensa agulha perfurando o coração apodrecido,
Preenchendo-o de uma vida já desconhecida.

Era por isso o escorrer das duas lágrimas pesadas,
Ao observar pequenas estrelas embaçadas
Num céu de negrume profundo.
Até o amor morre, maior ou menor, cedo ou tarde,
Mas a dor causada pela sua tão singular beleza ainda reluz, insistente.

A nada iludem ou servem palavras.
São pedidos de socorro em mar aberto,
São louvações a ouvidos surdos.
Mas elas insistem em jorrar, como uma fonte no deserto,
Sem quem jamais alguém prove do sabor real das suas águas.

9 de dez. de 2015

Discreta loucura


Seria o ponto mais absoluto da insanidade
Esta aparente calmaria instalada em meus olhos,
Nervos e dedos,
Ou, depois do peito dizimado,
Queimado à ferro em vermelho vivo,
E resfriado por um sangue quase morto de tão gélido,
O que resta é uma discreta e inofensiva loucura,
Frouxa e fraca,
De características tão semelhantes
Com a patética e insípida vida já bem conhecida?

O que nasceu com o fim?

Há um pântano escuro sempre tão revisitado.
Talvez algo ainda floresça em tão inóspito lugar.
Eu sei que é estúpido... Mas nem toda fé está morta.
Há um velho e grande campo dourado,
Uma oficina mágica de sonhos irrealizáveis.
E banhado da luz âmbar do poente,
Entre gentis ilusões quase inofensivas,
Eu danço com o que resta de imaculado:
Eu danço com minha loucura; distantes de todo olhar.
Continuamos a nos amar com um amor que jamais diz adeus.






6 de dez. de 2015

Não mais



Estariam certos os cientistas ou os magos?
Saberiam da verdade os poetas ou os lúcidos?
Sem entender, todos os dias olhei para o mesmo céu,
Esperando a repetição do milagre, da ilusão.

Minha alma se alimentou do amor nunca antes conhecido.
Uma luz inigualável, magnânima.
Minha alma serviu de alimento para uma indiferença voraz.
Uma escuridão plena, silenciosa.

Mas é finda a majestosa obsessão.
A esperança voou pela mesma janela
Por onde um dia adentrou.
Parte, enfim, o que foi chamado de amor.

Só olho mais uma vez na velha direção
Para dizer ao eco surdo da noite
Que cumpri minha promessa.
Ainda estou vivo.

Só olho mais uma vez na velha direção,
Enquanto danço sozinho,
Para dizer, por minha vez, à minha paixão pela dor:
‘Eu não posso mais!’

26 de nov. de 2015

Discreta Loucura


Às vezes penso que a poesia é um arbusto florido em meio a uma guerra incessante.
Existem tantas coisas mais urgentes a serem vistas e pensadas em momentos de desespero do que uma pequena e frágil beleza.
Mas talvez, em meio ao caos e à destruição, aquele pequeno arbusto florido possa dar àquele que o vê a lembrança dos tempos de paz, possa acariciar seu coração com um sopro de esperança.
Sendo assim, quem sabe não seja necessário insistir nos versos?
Insistir na busca das belezas miúdas que se escondem em olhares, dias chuvosos, sorrisos sinceros...
E certamente, a mesma frágil e quase sempre despercebida poesia, é combativa, é salvadora. Por isso é necessário manter o coração aberto, seja às tempestades ou às bonanças.
"Discreta Loucura" é meu oitavo trabalho, e mesmo sabendo (e talvez justamente por saber) como o mundo gira freneticamente em torno de coisas opostas ao ato de poetizar, eu continuo.
Continuo não por vaidade, e nem mesmo por aqueles (a quem agradeço imensamente) que cruzaram com o meu trabalho e alguma emoção extraem dele; continuo porque me recuso a aceitar que a vida é apenas um mar de concreto infindável e sem vida.
Espero poder até o fim dos meus dias, ver na vida, seja ela bela ou dolorida, algo que alimente a minha alma.
Quem sabe, algumas mais.
Em 2016, "Discreta Loucura."

23 de nov. de 2015

Habeas corpus


Terrorismo silencioso, venenoso, maligno.
Terrorismo sem culpados, sem nomes, sem rostos nos jornais.
Terrorismo chamado de catástrofe, acidente, tragédia e o caralho!

Vidas concretadas, sepultadas, ignoradas.
Lágrimas não ouvidas, não compreendidas, desimportantes.
Dores nunca sentidas.

Parabéns, ganância!
Teu vômito a poluir nossos mares, rios e lares
É a prova da tua vitória!

Está destituída a necessidade do homem de ser humano.
É um monstro faminto, ignóbil, fedido,

E livre: hoje saiu teu habeas corpus.


*imagem da internet

19 de nov. de 2015

Migalhas


Quem imagina o escorrer de lágrimas sulfúricas,
Quando a noite é de puro silêncio e parca luminosidade,
E o coração se agarra em memórias
Que lentamente vão se diluindo junto das esperanças?

Restam mínimas faíscas do antigo brilho nos olhos...
Os olhos nunca mais vistos de perto.
Restam migalhas de sentimentos; momentos;
E eu ainda reluto com a rasura absurda da vida antes profunda.

Chegará o dia do fim da saudade.
O dia em que a indiferença imposta assassinará sem piedade
A memória guardiã dos milagres um dia provados.
Talvez seja o instante do fim, ou do início.

É o tempo da superficialidade, do líquido, transitório;
Ocupar temporariamente o lugar de algo melhor que ainda virá.
Em resposta à alma oferecida plena, em baquete,
Se terá restos, minutos irrisórios, migalhas insípidas.



15 de nov. de 2015

Talvez, meu Deus


Talvez, meus Deus,
As orações de um homem de pouca fé valham.
Valham até mais que a do homem de muita fé.
Pois as palavras saem encharcadas num pranto de desesperança;
Um apelo desesperado para ouvidos
Que sempre parecem distantes demais.

Talvez, meu Deus,
O amor que resta num homem que desistiu do amor
Seja mais puro e brilhante, como um diamante bem lapidado,
Que o amor daquele que nunca bebeu goles fartos
De adeus e indiferença,
Após um sonho morrer agonizando nas mãos.

Talvez, meu Deus,
A engrenagem da vida não tenha sido destruída.
E por estes caminhos tortos,
Chegaremos ao lugar correto,
Onde nos aguarda uma resposta concreta,
Para tanta dúvida maligna.

Talvez, meu Deus,
Os bons homens, de espírito já velho e cansado,
Ainda existam espalhados em meio aos mares de lama e sangue,
Salvando vidas quase perdidas, histórias quase sepultadas.
Talvez, meu Deus,
O senhor nos ouça, e nos perdoe pelo que somos.

12 de nov. de 2015

Acabou o amor


"É a lama, é a lama!"
Envenenando os corpos das nossas crianças,
As lavouras que nos sustentam,
O verde oliva da nossa esperança.
É a lama negra e torpe da ganância infindável,
Varrendo os sonhos para sempre,
Concretando os indefesos,
Concretando as lágrimas que já custam a cair!

São as portas abertas dos presídios nojentos,
Sem resquícios de humanidade,
Em que minha pobre lógica não erra em afirmar:
'Ali, só ladrão de galinha deve entrar!'
Porque mais monstruosos têm sido os que seguram canetas,
Engravatados e protegidos de toda justiça,
Do que o moleque bandido que impunha uma arma.

São os cadeados nos portões da escola,
Nossos gritos sufocados, nossas súplicas desdenhadas.
Acabou o amor, e isso aqui é o inferno!
Maculam nossa dignidade sem pudor ou misericórdia,
Como se não houvesse alma incrustada nessa carne minguada.
Acabou o amor, mas não a vida;
Não importa quão fortes sejam os desgraçados acima de nós!

5 de nov. de 2015

Ainda, o pássaro azul


Ainda cai a chuva, como nos tempos de outrora.
Desmorona o céu em seu pranto poético.
As árvores bailam belas ao sabor do vento fresco e vivo.
O medo e a esperança adormecem juntos,
E eu já não sou o mesmo...

Mas passada a chuva, volta o escuro soberano da noite.
Noite morna, tão muda, em que apenas meus olhos cantam.
Cantam baixo às velhas estrelas que um dia vi - vimos -
Imersos em um abraço sagrado, irrepetível.
Um abraço mais seguro que um verdadeiro lar.

Naquele momento havia um pássaro azul em meu peito.
Brilhante, jovem, vivo.
E eu chorei e chorei em louvores e agradecimentos,
Por tão graciosa criatura que passou a habitar
Meu fraco coração.

E hoje não quero me lembrar do dia em que descobri
Que todo pássaro só sabe amar a liberdade do ar;
O dia em que o pássaro azul deixou meu peito,
E retornou ao sonho distante em que antes habitou.
Quero me lembrar da estrelas, da noite, do azul...

Pássaro azul


O brilho dos olhos do pequeno pássaro azul
Ainda cintila em minha mente.
Por um instante, quando suas asas ainda não o sustentavam,
O tive em minhas mãos.
Tão belo, tão frágil...

Mas quão rápido ele perceberia que pertence ao ar,
Não às minhas mãos, por mais carinhosas que fossem.
E voou, ainda que temeroso e oscilante,
Para longe do meu olhar e do meu amor.
Como toda força da natureza, só existe pleno, se livre.

E se hoje choro sua ausência, sua distância,
Um dia entenderei que tantos outros olhos
Ainda encantará...
Com seu canto, cor, pureza.
Existência.

Quem sabe nesse dia meus olhos sequem,
E o coração adquira asas firmes para também poder ser livre?
Talvez eu já tenha sido um pequeno pássaro azul,
Perdido e faminto do sabor do ar,
Me desvencilhando das mãos que me acariciavam.

3 de nov. de 2015

O poeta não é um fingidor


O poeta não é um fingidor.
Quem tem olhos de ver sabe
Que em cada palavra,
Cada verso,
Há um rio de sangue quente e vivo,
Carregado de sentimentos, memórias, belezas, tristezas.

É um nostálgico,
Sempre levando flores aos túmulos
Onde repousam frias suas esperanças.
Haveria vida para elas após a morte,
Em outro lugar,
Em outro tempo?

O poeta não é um fingidor.
Quando os olhos transbordam,
Perante a perfeição ou a crueldade do mundo
Para com seus sonhos infantis;
São do espírito que as lágrimas vêm,
Daquele âmago, onde só os dedos do amor puderam tocar.

É um desesperado,
Sofrendo por luzes mortas
Que nunca ressuscitarão.
Ainda lembrando das asas que um dia teve,
Mas consciente de que jamais sentirá outra vez
O sabor do ar.

2 de nov. de 2015

Assimetria


Seja mais uma vez a besta inócua
A carregar sentimentos imensos,
Mortos, dilacerados; coração.

Contemple imóvel e silencioso
As maravilhas terríveis do teu reflexo.
Cabe em ti todo o inferno e todo o paraíso.

Não está para anjo ou demônio,
Mas para o limiar suave que separa
O amor do horror.

Deslumbra-te com teu gozo e teu tormento.
Entrega-te às forças assimétricas da natureza,
Ainda que teu amor seja uma pérola perfeita.

26 de out. de 2015

Por um momento


Fui adiante para descobrir
Que persistia um caminho
Além daquele em que o amor um dia luziu.

Até da última gota de dor fiz poesia...
Nada resta. É findo. Sepultado. Seco. Estéril.
Uma brancura sem fim de um céu jamais revisto.

Beba do teu doce adeus, beba do vento livre,
Que novas misérias esperam a alma viajante,
Novas cruzes; não mais as velhas e ensanguentadas.

Mas, ah, se alguém nos visse ali ontem;
Eu e minha paz, deitados ao lado da chuva,
Das pequenas luzes e suaves canções.

Esse alguém se esqueceria dos meus versos amargos,
E se banharia na claridade abundante
Que jorrava dos meus, por um momento, olhos pacíficos.


24 de out. de 2015

Vendaval


Nossas flores não nos salvarão da fome das feras.
Elas se esgueiram pelas sombras,
Sentindo o cheiro doce dos sonhos que ainda nos restam.
E em um instante, nossa carne pode estar presa em seus dentes.

Já estão tão fracas na memória as velhas orações de infância.
Já não resta círculo mágico para nos proteger dos invasores.
O coração é terra devastada,
A alma é uma cidade fantasma.

Estilhaçadas esperanças repousam empoeiradas.
Deitadas pelo solo, como anjos caídos de tão alto.
O Amor, aquela chuva sagrada que devolveria a vida,
Voltara a ser uma lenda contada por caravanas de sentimentos mortos.

Mas para todos os olhos, são apenas mais palavras.
Mágoas reminiscentes de uma paixão forte e passageira,
Um vendaval já por todos esquecido, por todos vencido.
Não por mim...


23 de out. de 2015

Profecia


Deita, esperança,
Além do sonho e do pecado.
Repousa tua inútil existência
Nos braços da tarde plúmbea.

Para sempre, nunca mais os velhos dias.
Quanto menos doem,
Quanto mais lágrimas e sorrisos trazem,
Melhor se confirma a profecia.

É passado o tempo sagrado...
Mas saboreie o café forte à luz da lua.
A boa presença que lhe emudece.
O sol não renascerá jamais.

Soltara da mão da fé, a perdera pelo caminho.
Agora segue só, nem mesmo a tristeza faz companhia.
Mas eu a perdoo, ainda a colho em meus braços.
E a amo, mesmo que o tempo do amor tenha acabado.

21 de out. de 2015

Houve o amor


Veleja por este corpo um sangue envenenado pela indiferença.
Sim, houve o amor...
Um dia a alva estrela ascendeu no céu de uma magnífica noite,
e era um tempo de pura perfeição.
Não havia no ar respirado outro elemento além da felicidade;
Felicidade diluída em partículas,
Adentrando o organismo cansado e estéril,
Dando a vida só antes sentida quando menino,
E como menino, possuidor do poder de voar,
Por campos amarelos e prados verdes, tão vivo, tão livre.

Agora que tua voz meiga e aconchegante para sempre silencia,
Agora que teu adeus inexplicável é uma úlcera incurável
no âmago da alma;
Não há dor nos dias, na vida, no peito,
Pois já não resta vida.
Foi a vida junto de ti pelas estradas que nunca mais pisou.
Foi a vida sepultada junto aos sonhos putrefatos.

Mas quão terríveis são os anjos!
Por que deixas-me a memória, se tudo já me tirastes?
Deixas em minha mente a brandura da tua voz,
A maciez de veludo da sua pele,
A brancura do seu sorriso,
O azul celestial dos teus olhos.
E ainda que eu amaldiçoe o dia daquele milagre,
Ainda que eu odeie o amor que ainda insiste em queimar,
Como um vulcão de lava borbulhante,
Nem mesmo a morte levaria tua presença de mim.

16 de out. de 2015

Irene e Rosálio


Era um amor assim: impossível de ser.
Como todo bom amor que se prese.
Irene, mulher frágil, doente,
Esmurrada sempre pela vida
E pelos homens a quem alugava o corpo.
Rosálio, homem forte, doce como uma criança,
Viajador, cheio de histórias na boca.
Analfabeto, carente de saber.

Irene era a mãe, a mulher amada, a professora
Que Rosálio; até então um Nem-Ninguém;
Encontrou ao vagar para fora da construção cinza,
Mais uma da imensa cidade desconhecida,
De cores desmaiadas, quase mortas.

Rosálio era também Romualdo, para Irene.
Aquele amor que um dia atravessou seu peito feito espada afiada.
"Vem" ouve Rosálio de Irene.
"Preciso de dinheiro..." Pensa.
Há o filho e a velha para alimentar.

Mas Romualdo, Rosálio, digo, não tem dinheiro,
E não tem fome do corpo de Irene,
Ele tem sede de palavras, letras, saber,
E Irene oferece.
Ele encontra cores e aconchego naquele ser sofrido.

Irene não repousa mais nos braços de Rosálio,
Apenas na alma agora,
Nas histórias, nos caminhos que volta a percorrer,
Agora que só.
Virou contador, de coisa vivida e coisa inventada...
"Era uma vez, senhoras e senhores..."
Um amor que nunca existiu,
Por isso nunca se findou.


(Poema inspirado no livro "O voo da guará vermelha" de Maria Valéria Rezende)

12 de out. de 2015

Reencontro, despedida


Pelo gosto sei: é lágrima de saudade.
Saudade da poeira da velha estrada,
Do sorriso perdido para sempre, sempre, sempre...
Mas que apenas para mim foi.

Saudade do que também fez sorrir.
O cheiro do mato após a chuva,
A caixa aveludada com dois anéis de prata.
Essas tréguas tão boas, que quase esquecemos da guerra da vida.

É de gratidão também...
Não há esperança no horizonte,
Mas há o brilho eterno das estrelas antigas,
Mortas.

Há a lembrança que força nenhuma corrompe.
A lembrança do que um dia foi visto além da carne,
Além do medo, da vergonha, da dor.
Um dia foi visto algo celestial, dentro e ao redor de mim.

A água que escorre dos olhos é leve,
Como leve escorre o canto dos passarinhos para dentro da mente.
Todo dia é uma despedida triste ao que se ama...
Todo dia é um reencontro feliz com a luz que ainda resiste acesa.

O barqueiro


Não está tão distante a tarde em que se sonhava.
Lágrimas desciam... e não eram amargas ou contaminadas
Pelo veneno mortal da indiferença.
Havia um horizonte claro em que o olhar podia se perder.
E nem mesmo o todo poderoso Medo podia arrancar do peito
A Luz Sagrada que ali queimava
E iluminada todos os cantos de todos os labirintos.

Mas quem diria que eu velejava em barco tão frágil?
Quem me aconselhou a não levar comigo
Todos os mais valiosos tesouros da alma?
A paz, a fé, a esperança, o Amor.
Soltos sobre tábuas finas...
E eu me esqueci que não existe mar sem tempestade,
Pois mesmo em lugar nenhum, eu estava em um lar.

E ao soprar do primeiro vento, ao cair das primeiras gotas,
Treme e range o pequeno e amado barco...
Minha relíquias são lançadas ao mar negro, uma a uma.
Tudo o que eu vejo simplesmente não faz sentido!
As rotas estavam traçadas, eram seguras.
O destino era certo!
Há pouco havia calmaria e azul no céu...

Mergulho na escuridão salgada, por fim.
E dentre tantos demônios submarinos
Mal posso lutar ao ser roubada de mim a última preciosidade.
Mais valiosa que o oxigênio que me faltava,
Mais vital que o lar, que na verdade nunca foi seguro.
Vejo se distanciando o lume fraco do meu Coração.
Levado por mãos agora estranhas e frias e mortas...


11 de out. de 2015

Sobre poetizar...

"Somente através da arte nós conseguimos sair de nós mesmos e conhecer a visão do outro sobre o universo."
Proust

http://www.ricardofaria.com.br/2015/10/escritorespenapolenses.html?spref=fb


"Já para o poeta Marcos Serafim, a literatura entrou na sua vida aos onze anos, quando ganhou um  caderno de anotações da sua irmã.  "Foi ali que comecei a escrever o que pensava e o que sentia. Eu fui escrevendo um caderno após outro, ainda os tenho guardados. São escritos com coisas minhas e adaptações de coisas que me tocavam, principalmente a música. E em certo ponto percebi que estava escrevendo prosas poéticas". 

Marcos possui sete livros publicados, mas lembra com carinho do primeiro "Em meu Jardim Secreto...", lançado em 2010 na biblioteca municipal. "Reuni nele alguns textos escritos, escrevi novos. Já os livros seguintes seriam poemas, não mais prosas poéticas". 
Para ele escrever independente com que estiver a mão quando a inspiração vem. Segundo ele não é uma escolha escrever, sendo que, qualquer coisa pode desencadear essa vontade.

"Eu materializo algo que não cabe mais na alma, ou no campo nos sentimentos, e precisa ser materializado, posto para fora. É a forma que tenho de expressar mais intimamente, mesmo que metaforicamente, algo que está dentro de mim, e sente a necessidade de não estar mais. Não escrevi por escrever. Tudo o que fiz veio de algo real, algum acontecimento ou sensação vivido. Quando alguma experiência toca a alma, eu coloco isso no papel, ou na tela [do computador]". 

Marcos Serafim escreveu também "Alma à tona" de 2012, "Mais de mil palavras - a poesia da imagem" de 2012, "Nuvens de Janeiro" de 2013 "Chiaroscuro" de 2014, "Ex-voto" de 2014, "Tempos Inversos" de 2015." 

Reportagem de Ricardo faria.


10 de out. de 2015

Manifesto contra toda a dor


Haverá canções de amor nos dias de se guardar luto
E esperanças nas tardes em que o silêncio for maior que tudo.
Se encontrarão poemas em folhas rasgadas sobre os móveis;
Poemas tristes, poemas felizes, poemas de amor.
Haverá amor.
Ainda e quando ele não exista.
Haverá amor!
Porque todo medo é antinatural,
Toda dor é uma violação da alma,
Toda saudade, toda vontade; brisas intangíveis.

E meus olhos arderão até que olhos já não existam.
Minha fé queimará sem seu combustível, sem seu oxigênio.
E meu peito será vivo e pulsante,
Mesmo quando ninguém sobre ele pousar a cabeça,
Mesmo quando for apenas pó.

Estão depostos todos os tiranos,
Estão a um fio do fim.
Se aproxima o dia...
As nuvens voltam a banhar o jardim ressequido
E o sol inunda tudo de claridade após o dilúvio.
Agora sei que milagres não acontecem,
Já que tudo é um milagre.
E eu não aceito as migalhas atiradas ao chão!
Sento-me à mesa
E farto-me da vida que me é de direito.

5 de out. de 2015

Poucas cinzas

Que era a luminosidade daquela estrela peculiar,
Ascendo pelo firmamento negro,
Se comparada à claridade que tua alma emanava?

Alvíssima alma! Imaculada, preciosa...
Cujo brilho queimou meus olhos tolos,
Meus olhos que a nada mais pertenciam.

Pois a toquei, e tudo fez-se primavera.
Meus pântanos cobriram-se de lírios,
Meus escombros, novas fortalezas se tornaram.

Mas chegou a manhã ignóbil,
Vestida da realidade em carne crua, sangrenta.
Como o cetim atirado às chamas, decompõe-se o sonho primordial.

Restam em minhas mãos frias apenas poucas cinzas.
Cinzas de memórias sem vida,
Memórias imóveis.

Enfim o Silêncio tira a espada fincada em meu peito.
Jaz no solo a última gota de esperança,
E eu estou cansado.

Adeus, amada dor minha;
Por quatrocentos dias minhas lágrimas te regaram.
Nesta alma já não há solo para tuas raízes...

4 de out. de 2015

Sobre as partes que faltam


Semeio palavras regadas por sentimentos nobres,
Mas o solo é árido, esquecido e sem vida.
Mas de mim, onde tudo é tão maculado e impuro,
Ainda é emanada a parca luz sagrada do velho sonho primordial.

Os anjos não passam ao meu lado... 
Eu entendo... Tantas almas puras a abençoar.
Mas alguém um dia disse que os sãos não precisam de cura,
E minhas lágrimas ficaram contidas porque já escorreram o bastante.

Correndo naquela rodovia vazia, 
Sentia outra guerra sendo perdida dentro do peito.
Embora nenhum sangue mais fosse derramado.
Agora é o silêncio que perfura até a morte, não a espada.

Eu pensava levar uma última chave
Para abrir uma última porta.
Mas não havia porta...
Havia apenas, outra vez, o momento.

O momento, pequeno e sem poder,
Logo suprimido, esquecido, prensado entre as horas idênticas.
Momentos que nunca serão as partes que faltam.
Que nunca completarão as asas que um dia foram completas.

26 de set. de 2015

Não há silêncio no coração


Não, a culpa não é sua.
Também não seria minha,
Seria?

O que saciará o peito que urra de fome?
O coração que canta noite e dia
Melodias por ninguém ouvidas?

O único instante de silêncio
É o instante das lágrimas...
É o espírito transbordando,

Livrando por um segundo
O velho e esquecido peito
Da constante pressão.

Mas o que é este peito além de um navio naufragado?
Cujas almas perdidas relembram passados tempos de glória?
Pensam aqui haver silêncio, mas ouço o gemido das águas...

Um canto triste, como o canto do cansado músculo vermelho;
Também este repousado onde ninguém se atreve procurar.
Não há silêncio no coração,

Ainda que os lábios sorriam e cantem,
Ainda que a poesia esteja a caminhar ao lado...
O peito não adormece.

23 de set. de 2015

Ao nobre


Recolha a imensidade do teu brilho se um dia se aproximar.
Vê estes olhos chamuscados?
Olhos pálidos, olhos lassos?
Estes foram os fãs fiéis de uma luz transitória;
Um cometa que subiu o céu, o único.
Sim, aquela estrela ascendente.

Que seja dócil tua luminosidade,
Meu caro nobre sentimento,
Pois encontrará um peito aberto sem piedade,
Exposto a sóis e chuvas; cansado,
Mas ainda tão vermelho, tão vivo.

Vê a primavera?
Fiel em sua sina de ser bela?
Mesmo contra a indiferença e a aridez do tempo,
Das pessoas...
Sê como ela, gentil, sem saltos e sustos,
Apenas cores meigas numa estrada cansada de tanto passado.

22 de set. de 2015

Face



Quero de volta as cartas em letra de mão,
A memória tangível,
Indolor e cheia de carinho.

Faces vêm e vão...
Em vão...
Sem tocar, sem ficar.

Tantos rostos frios,
Transitórios como a felicidade,
Tantos adeuses não ditos.

Não ditos, malditos,
Porque não há do que despedir:
Nada existe, nada existiu.

Apenas movimentos mecânicos e silenciosos,
Como um desabrochar, um nascer de sol,
Uma chuva de verão.

Quero de volta os apertos de mão,
Os sorriso nos olhos,
O coração à disposição.

19 de set. de 2015

Luz sem brilho


Lentamente o sol surgirá por trás da nuvem negra que encobre o que já foi um sonho.
Você permanece lá, em algum lugar, como se fosse real;
Como um milagre presenciado apenas uma vez.

Desperta agora junto da velha claridade de brilho opaco,
Luta pelo que todos os demais também lutam.
Logo você, o único.

 Acaricio a pequena dor que ainda resta,
O que de maior havia o silencio já matou.
O que de sagrado havia o vento já levou.

E eu finjo não notar o sutil sopro de esperanças suaves.
Como o sol que continua a nascer, belo ou frio,
Há vida que se aproxima, mas não espero por ela.

As palavras escoam agora, sem grande vazão.
A vida plena cede lugar a uma paz pálida.
Enfim, se aproxima o fim.

E é calmo, brando, meigo,
Como já fora certo inicio.
O fim se aproxima, pois o coração volta a apenas pulsar.

Arte


A arte vem desses corações feridos, felizes, decompostos recompostos.
A arte é um pedido de socorro, mas uma mão estendida à ajuda.
A arte é essa lágrima silenciosa que cai sem que nem os anjos vejam; uma dor refinada, intraduzível.
A arte é uma alegria que não cabe no peito, e atravessa tempos, ares e cores e se mistura a outros tempos e ares e cores.
A arte é uma oração emitida pelo coração para alcançar outros corações.
A arte segura os fantasmas para que não partam e a arte exorciza demônios.
A arte é como o amor, que dói mais que tudo, mas que não se pode viver sem.
E se tantas vezes é ingrata, é porque é feita de puro amor, e o amor não espera recompensa.
A arte é algo que nunca será explicado.

15 de set. de 2015

Eu lembro


Ainda...
Como as reminiscências de sonhos
Logo após o despertar.
Aquela nebulosidade mental
De quem de uma vida salta para outra brutalmente.

É fria a manhã
E há esta ausência permanente,
Como um membro decepado,
Mas que ainda se sente doer.

Bem fez você em esquecer.
A vida precisa seguir sem fantasmas,
Famintos e ignóbeis, presos aos calcanhares.
Mas eu lembro.

Eu lembro com a alma,
Não com a memória.
No espírito ficou um aroma de sonho,
Um perfume suave e único, nunca mais sentido.

Como o da rua repleta de jasmins,
Onde todos passavam apressados,
E eu flutuava,
Numa tarde quente e amarela de inverno.

Eu lembro ainda hoje,
- Graças, oh meu Deus -
Sem aquela dor que abria meu peito à machadadas.
Se faz uma dor mais dócil,
Como ver um jardim sucumbir sem seu jardineiro.

Um jardim entregue às pragas
Ao sol inclemente que o mata.
Eu lembro...
E sorrio tristemente.


13 de set. de 2015

Redenção


Ele não temia o inferno,
Mas temia Deus.
Ao inferno nada devia,
Mas Deus, olhando-o com olhar de decepção,
Seria dor demais.

O Coração, bravo e tolo, o defendia:
"Fui eu, fui eu! A mim que ele seguiu,
Mesmo sem saber o que fazia,
Se acertava ou errava!
Perdoe-o, fui eu!"

Mas Deus apenas sorri dessas ironias todas...
Sabendo-nos crianças perdidas numa terra de labirintos,
É clemente às nossas falhas tantas.
Também... O que fazer com esse bando de perdidos,
Além de ter misericórdia?

10 de set. de 2015

Entrecorpos


Partículas venenosas de memória
Ainda infectam as células saudáveis
Do espírito empobrecido.

Não teria sido fatal seu caridoso tiro de misericórdia?
Ainda resta sonho e vida, bradando e rangendo,
No subsolo da alma?

Eu perdoo sua agora morta paixão,
Mas meu corpo, não.
Ele acreditou ser amado.

Ele ainda geme, ainda treme,
Perpetuando a sensação de um inverno inclemente,
Enquanto se faz cego às reais luminosidades.

Este corpo ainda verte lágrimas ácidas
Perante aquelas estrelas imóveis.
Quase tão imóveis quanto teu coração...

Teu coração...
Cuja música nunca mais será ouvida.
O coração onde nunca habitei.

2 de set. de 2015

Pequenos meninos


Adormeçam agora, meus pequenos meninos feridos.
Adormeçam nos braços do futuro incerto.
Tão bravos todos vocês, lutando contra monstros imaginários,
Por anjos indiferentes.

Adormeçam agora, pequenos sonhos desperdiçados.
É setembro, as orquídeas se abrem em silêncio,
A primavera se aproxima.
E eu perdoo todas suas tolices.

Adormeçam... e já não chorem assim,
Como se suas mãozinhas tivessem sido torturadas.
Limpem os olhos, acendam a pequena árvore de luzes coloridas.
A madrugada ainda é tão escura e mágica.

Descansem, meus pequenos meninos corajosos.
Ainda há tanto mundo adiante, tanto mundo...
E eu não posso mais ir sozinho, tão sozinho.
Depois despertem, sonhos pequeninos, e sorriam novamente para mim.

1 de set. de 2015

Não


Não depois de você. Não depois de tanto. Não depois de tudo...
Foi muito...
Em tão poucos dias.
Um lago, um par de alianças de prata, um olhar tão verdadeiro
Quanto passageiro.
Não.

Sem mais teorias magníficas.
Sem mais a súplica por uma palavra que jamais chega;
Palavras distantes, tão gentis quanto falsas.
Não foi só outro coração esmigalhado,
Outra esperança deixara ao sol de agosto
Para que morresse lenta e dolorosamente.

Foi o amor, entende?
O amor em cada célula do sangue;
Um vírus incurável, imperceptível,
Viajando por todo pensamento e sonho,
Aniquilando todo brilho, toda vida.
Foi o amor, entende? Não.

Não entende...
Agradeça aos céus por não entender, por nada sentir.
No seu peito apenas residiu paixão.
Intensa, fugaz, transitória,
Facilmente substituível.
Aqueles quinhentos quilômetros são nada,
Comparados à indiferença infinita.

"Tempos Inversos" em promoção!

Até 07/09, 25% de desconto no Clube de Autores.

https://www.clubedeautores.com.br/book/192025--Tempos_Inversos#.VeYgviVViko





"Tempos Inversos" é meu sétimo livro de poemas; resultado de um ano de escrita, aprimoramento e vivência das mais diversas sensações. O sucessor de "Ex-voto" traz ainda certo convívio com o cenário árido encontrado após o término de um grande sonho. Mas o que os poemas do livro tentam transmitir não é a dor de uma perda ou o brilho esfuziante de novas paixões, mas a claridade sutil que a esperança emana através de todas as coisas. Em uma alegoria, pode-se ver o eu-lírico destas páginas como um viajante que antes repousava em verdes prados, e hoje procura por relíquias em terra desertificada. O tempo já não carece de fazer sentido. Ele não segue a ordem lógica de correr para frente, deixando o passado para trás... O tempo são as areias abaixo dos pés, por onde o viajor caminha, muitas vezes, sem rumo. Ele não é amigo nem inimigo, apenas uma companhia que não segue ritmo coerente, como os próprios passos cansados sobre a terra inexplorada.

30 de ago. de 2015

Nada foi dito sobre o amor


Reside na calmaria, o santo sentimento,
Ou sopra junto aos temporais?
É o abraço que protege,
Ou a brasa que tortura a alma?

Nada foi dito sobre o amor.
Nada sabemos sobre que é o amor.
A santíssima doença que por sorte
Pode nos enfermar o espírito.

Sabemos dos sintomas:
O universo que nos é oferecido por mãos afáveis.
O buraco negro, inexplicável,
Que tudo consome, exceto memórias.

Nada foi dito sobre o amor.
Conhecemos suas consequências.
Tantos poetas estúpidos e canções estúpidas...
Tentando conter nas mãos o que nunca será tocado.

15 de ago. de 2015

Inteiro


Houve aquele dia, aquela estrada e uma canção.
Tudo no seu lugar por um instante.
A água pura correndo,
O amor florescendo...
E tudo emanava uma vida reluzente.

Talvez fosse agosto também,
Mas havia um ar mais leve e doce que este;
Mas havia um sorriso mais leve e doce que este.
Houve aquele dia...
Eu ainda me lembro da sensação do coração inteiro dentro do peito.

14 de ago. de 2015

Há temporal


Onde repousam as pequenas epifanias,
Cultivadas com tanto esmero
Naquele velho jardim, já adoecido pelo inverno,
Arrancadas pelos temporais?

Há um paraíso atemporal para as ilusões partidas,
Onde nada se esquece, nada falece?
Um lugar-qualquer, onde a realidade
Não sopra, não ruge, não deságua inclemente do céu?

Aqui ainda chove...
Água salgada, água fria e ácida,
Que escorre pelos velhos escombros
E rouba o verde das árvores, o azul do céu.

Ainda chove...
Mas não o bastante.
Ainda há vida, memória, sonho.
Ainda há o que não mais existe.

TEMPOS INVERSOS


"Tempos Inversos" é meu sétimo livro de poemas; resultado de um ano de escrita, aprimoramento e vivência das mais diversas sensações. O sucessor de "Ex-voto" traz ainda certo convívio com o cenário árido encontrado após o término de um grande sonho. Mas o que os poemas do livro tentam transmitir não é a dor de uma perda ou o brilho esfuziante de novas paixões, mas a claridade sutil que a esperança emana através de todas as coisas. Em uma alegoria, pode-se ver o eu-lírico destas páginas como um viajante que antes repousava em verdes prados, e hoje procura por relíquias em terra desertificada. O tempo já não carece de fazer sentido. Ele não segue a ordem lógica de correr para frente, deixando o passado para trás... O tempo são as areias abaixo dos pés, por onde o viajor caminha, muitas vezes, sem rumo. Ele não é amigo nem inimigo, apenas uma companhia que não segue ritmo coerente, como os próprios passos cansados sobre a terra inexplorada.

Disponível em: http://migre.me/rashy

12 de ago. de 2015

Aos poucos, é o adeus.


Colho o que resta, dia após dia,
O que resta dos tempos áureos.
Há um pequeno resto deles na luz do sol poente,
Brilhando a poeira de agosto nos telhados velhos.

Deixe...
Deixe que a voz, o sussurro, a paixão da moça cansada
Preencha o coração de deliciosa dor.
É simples: é uma tristeza bela.
Até isso... A tristeza que ficou é bela;
Como um sopro frio no rosto
Quando saímos à rua pela manhã.
Um resto de noite ainda pairando
Onde não mais pode existir.

Já é dia, os sonhos adormecem...
De algumas cicatrizes cuidamos com mais carinho.
Carinho semelhante ao do olhar
Vendo as folhas vermelhas como sangue das árvores caindo...
Dando espaço para novas folhas verdes como esperança

Veja bem: é aos poucos, o adeus.
E até os mais amigos chamam de imbecis minhas lágrimas,
Mas eu sei que elas não são.
Aos poucos, é o adeus.

As preciosidades vão sendo roubadas do peito,
Pouco a pouco, uma a uma,
Enquanto eu finjo não perceber
Que é meu próprio coração sendo levado aos pedaços.

7 de ago. de 2015

Expandindo-se


Talvez por um pequeno momento,
Um resto de segundo,
Uma fração de tempo,
O Amor que eu tanto queria tirar do peito,
Estender,
Oferecer;
Esteja brotado só,
Como as roseiras brotam,
Ao imaginar a primavera ainda por chegar.

E ele cresce e não parte,
Ninguém o toma nos braços,
Reclama sua posse,
Sorve suas dores e cores.
Ele se alastra ao redor de si mesmo,
Envolve o espírito que o gera,
E como um farol em noite tempestuosa,
Sente-se pleno ao afastar os barcos desesperados
Dos perigos das rochas.

Acaricio suas pétalas com minhas mãos ainda macias.
Minhas mãos quentes que tanto já percorreram...
Talvez mais que meus pés.
Mãos de pouca força, mas firmes,
Lapidadoras de sonhos nunca colhidos.
Acaricio seus galhos que crescem
Expandindo-se,
Expandindo-se...
Enquanto a primeira brisa de liberdade faz marejar os olhos.

2 de ago. de 2015

Ao gosto


O vento pesado e sem vida de agosto já sopra.
A estiagem. O adeus. A indiferença;
Coisas que chovem num dia de sol displicente,
Num dia de amor indiferente.

Ao gosto das brisas, das horas, dos sentimentos
Velejo sem avistar porto;
Já percebendo que não há porto, nem mar,
Mas apenas solo abaixo de mim.

E eu observo o azul infinito que nunca tocarei,
Nunca mais.
O azul distante, silencioso, frio...
Não sei o porquê da insistência deste olhar.

As mãos são frias, a luz é artificial, os lábios são secos
E as palavras faltam;
Ou sobram.
Faltam para descrever o que ninguém entenderia,
Sobram na tentativa de auto-salvação.

31 de jul. de 2015

Glacial



Ainda amava.
Deus!
Nada mais que um único ano se completa,
Rápido e insolente,
Mas para o espírito esquecido,
Fora o início de uma longa era glacial,
Que o vem tornando mais frio e rígido
Que o próprio corpo que o abriga.

Ainda amava,
Ainda assim.
Como se fosse possível
Um amor tão belo resistir
Em um mundo agonizante;
De escassa poesia,
De dores medievais,
De distâncias agora intransponíveis.

Ainda amava,
Embora nevasse...
Nevassem dias insólitos,
Na realidade, idênticos;
Nevassem silêncios,
Numa existência que já fora canção;
Nevassem adeuses
Sobre o ancestral jardim de sonhos.

29 de jul. de 2015

Cidade dos Anjos


Nenhum dia deixou de existir após o fim do mundo.
Do mundo que era morno, e pulsava como um coração jovem;
Destemido, selvagem, louco.

Nenhum dia realmente existiu após o fim do mundo.
Como um fantasma enclausurado, permaneci.
Janelas e portas bem fechadas.

As estrelas não mais ascenderiam o céu.
A canção não seria mais ouvida.
A cidade perdera seus Anjos.

Há esta força impenetrável e misteriosa,
Como diamantes adormecidos,
Jamais descobertos, jamais despertos.

O destino. A pena. A escolha.
Foi vivido o que era de se viver, nada mais.
Então os Anjos não mais se uniram.

E a cidade agora chora todas as noites,
Carente da claridade outrora tão vasta, abundante.
Um pequena cidade ainda ingrata...

Uma pequena cidade de coração em carne viva...
Viva!
Que ao menos hoje, chora mais leve.

Brasas


As memórias permanecem ao alcance das mãos como brasas.
Incapazes de iluminar,
Mas propensas a ferir.
E da mesma forma que a Terra cumpriu sua sina,
Também girei por 365 dias ao redor de algo maior, distante, intocável.
''É inútil!''
Bradam, com razão.
''Não se pode ganhar um jogo perdido...
Não se pode reconstruir um sonho partido!''.

Aprendemos a construir bombas e selvas de pedra;
Aprendemos a decifrar códigos perdidos na imensidão da vida e olhamos curiosos para os cantos sem luz do espaço;
Mas não aprendemos a amar.
Não aprendemos a lidar com a passagem das horas, com as consequências.

Somos crianças... tão jovens.
Carentes de misericórdia e amparo.
Mal compreendemos o que está sobre a nossa pele, que se dirá dos recôncavos da alma!
Somos inocentes.
Inocentes do nosso amor e do nosso ódio.
Inocentes e tolos...
Pois dominaremos as estrelas
antes de aprendermos a dominar nossos corações.

21 de jul. de 2015

Sirenes e sinos


Da torre do santuário próximo, sinos badalam pela manhã.
"É vida que nasce?" Pergunto às meninas.
"Não." Dizem. "Vida é coisa passada.".
Mas ninguém sabia ao certo...
E eu penso que toda vida merece mesmo ser recebida com o badalar de sinos.

Mas pela tarde,
Sirenes cortaram o silêncio frio das ruas pacatas.
"Não é morte!" Pensei. "É resgate!".
No dia em que a esperança faz morada na alma,
Tudo se volta à melhor hipótese.

E meus olhos, ninguém os vê;
Mas enfim voltam a marejar a cada beleza,
Como pelas avenidas, rosadas de tantos ipês agora floridos.
O coração, por um instante, é trégua.
Sem granadas explodindo numa zona de interminável guerra.
Hoje, ele parece este céu: ainda que nublado, emite dócil claridade.

18 de jul. de 2015

O rei foi deposto


Seus fantasmas rastejam por minhas entranhas
Como vermes vorazes.
Soldados famintos, servos de um rei de caos.

Eles me devoram, deixam um rastro de vazio;
Que se junta a outros tantos vazios,
Deixados por tantos outros reis indiferentes.

Mas eles consomem minha alma apodrecida,
A parte maculada e nunca mais bendita.
Pois suas mãos tocaram, suas mãos violentaram.

E eu me tornei um faminto de Luz,
De uma Luz que nunca existiu,
Que não tinha obrigação de existir.

Mas eu a perseguia, a perseguia...
E até a vi, pairando tão doce e distante.
E eu até olhei os campos floridos que margeiam o paraíso.

Olhei nos olhos de anjos e demônios.
E me tornei anjo e me tornei demônio.
Mas livre! Você já não tem poder...

Você foi deposto, você nunca reinará novamente.
Minha vitória, minha derrota, minha luz, minha escuridão
Nada mais devem a você.

Enfim uma natureza livre, errante;
Não mais envergonhada, mas selvagem,
Felina faminta na selva solitária.

O mau rei foi deposto.
Santo ou profano, apenas meu é meu espírito.
Seus vermes não têm mais do que se alimentarem.

Andamento



Alguém está tentando nos consumir outra vez.
Silenciar a voz dos nossos salvadores.
São tão fortes assim,
Seriam eles tão fortes assim?

Capazes de consumir as migalhas da nossa esperança,
Como pássaros famintos e indiferentes e enlouquecidos.
É humana minha carne,
É humano meu espírito...

...que santidade esperaram de nós?
Que santidade esperamos deles?
Todos crianças, nós;
Desabrigadas, desesperadas por um lar.

Mas tantas, tantas portas trancadas.
Minhas batidas nas madeiras frias já são leves.
Sei que inaudíveis, sei que ignoradas.
E eu volto, volto ao velho e silencioso Jardim.

O Jardim que cresce sem a necessidade de milagres.
O Jardim onde nem o Amor nem os Pesadelos residem.
Apenas um pedaço de Terra onde descanso minhas mãos,
Apenas uma trégua ao coração fatigado.