30 de nov. de 2014

Ser como rosa


Se há beleza, externa.
Dá aos cansados, feridos olhos, um pouco de carinho.
Se há perfume, exala.
Dá à surrada, exausta memória um instante de conforto.
Se há transitoriedade, desfrute.
Dá ao espírito um sorriso leve.

Nada é indestrutível.
A exuberância possível graças a chuva mansa, passará;
Assim como passou o eterno antigo amor,
Assim como passará o futuro eterno amor.
Que sobra?
A renovação.

Renova-te, como a pétala aveludada que ousa nascer entre espinhos.
Renova-te, como a pétala que murcha e morre, e aduba novas pétalas.
Aprende sobre o milagre: suportar a tempestade fria
Permite sorrir ao admirar o arco-íris.
E se nenhum sonho desabrocha, apesar de tanto esmero.
Planta outros, cultiva novas esperanças. Renasce. 


29 de nov. de 2014

Voz profunda


Não traz pavor a memória da pele fria dos demônios,
Ou a secura dos seus gestos e palavras,
Sua ignóbil mesquinhez e indiferença.

Horroriza-me a voz de veludo angelical.
A voz que profetizou mentiras,
Que selou contratos podres.

E dentre os anjos e os demônios
Sou eu a pior criatura,
Condenado a escolher entre dois mundos adoecidos?

Lamento ao serem tatuados em minha pele os pecados.
Contorço-me porque tudo já aceitei com grande facilidade,
Agora grito e gemo, mesmo sem saber se isso me é de direito.

Mas eu ainda ouço essa voz profunda,
Tragada de um âmago ainda puro, intacto.
Ainda sinto a alma tentando escorrer pelos poros.

Suas mentiras não devastaram por completo a claridade.
E ao pisar em suas terras, antes assustadoras, o que avistei foram roseiras.
E eu era vivo, como vivo fui um dia.

Minhas mãos estão feridas, mas por ampliar o jardim
Para onde antes apenas pedras habitavam.
Meu peito está ferido, mas está livre.

E o sangue que ainda escorre sem quem o estanque
Alimenta as raízes, dá cor às pétalas,
É um preço justo pelo perfume exalado nas noites silenciosas. 

Bate de novo




Pode ter sido entregue às trevas o morno coração.
E todas as lágrimas que jorraram provavam 
Que o medo e a dor eram bem reais.

Mas há o desejo oculto e silencioso pela Luz.
Como o morador da praça, olhando com meiguice sua árvore de natal;
enfeites humildes num pinheirinho torto... É necessária a poesia.

Ele olhava aquelas pequenas cores com uma certa esperança,
E eu vi que o que há dentro dele é muito maior e reluzente
Do que a realidade fria que o aprisionava. Seu coração ainda luta.

Agora que minha mesquinhez começa a se despedir
Me desfaço de tantos sonhos vazios, ressequidos.
Recomeço a ser aquecido por uma claridade distante.

Nos assustaria a distância? Pois não devia...
Já há tanto a temer, sangrar, gemer...
Sei que os abraços podem dizimar os quilômetros.

Há em mim este coração cansado e desmemoriado.
Um aroma, uma canção, um sorriso...
E ele se esquece do dia em que morreu.

Bate de novo.

26 de nov. de 2014

Vida após o sonho


Ainda que lágrimas, lentamente, se acumulem nos olhos,
Sorrio enquanto me abraçam dores macias.
Eu mantive minha promessa. 
Eu continuei.

Olho com carinho para minhas pretensões. 
Tantos mal têm a chance de sobreviver... e eu,
Eu queria sonhar, e mais, fazer sonhar,
E mais: fazer da realidade um sonho.

Não restam sonhos...
Ainda que o sol nasça e morra todos os dias;
Ainda que eu nasça e morra todos os dias,
Não resta sonho.

Não há o combustível, o elixir divino
A guiar, saciar e dar possibilidade de desbravar o longo caminho.
Há o passado.
Há o futuro.

O passado imutável, com suas gentis lembranças;
Lembranças grandes, reluzentes demais para alguém tão fraco.
O futuro; apenas uma nuvem negra no horizonte,
Clareada por relâmpagos horripilantes.

Eu deveria ser grato pelas novas dores;
Por sofrer essa dor tão bonita, tão única.
Deus sabe... de alguma forma eu sou.
Um coração que sangra ainda é um coração que bate.

Talvez esta seja a despedida da juventude da alma.
Não há mais tempo para uma velha boa canção,
Ou para colher perfumes na estrada.
Ou há? 

Se até o amor é destrutível,
Não seriam destrutíveis as sombras que nos perseguem?
Não resta nenhum poder mágico, daqueles de menino,
Para iluminar a densa noite escura?

Pois o infinito, aquele infinito que procurei em todos os caminhos
Em todos os olhares, em todos os lugares,
Talvez exista...
Adormecido dentro de mim.

25 de nov. de 2014

Frasco


Por raros momentos essa imensa dor me alegra.
Ao menos uma vez eu fui inteiro.
Ao menos uma vez entreguei todo o pouco que era,
Sem pensar se teria algo de volta, se teria a mim mesmo de volta.

Não tive. O fim, como todo fim, foi devastador e inexplicável.
Também foi doce, apesar da amargura das incontáveis lágrimas.
Você partiu, e não só.
Levou consigo as claridades, os aromas, as canções, as estrelas.

E aquele que eu não queria mais ver,
Aquele ser pequeno, abandonado, ignorado, desconectado da realidade,
Bateu imediatamente na porta que você fechou.
Abri e me recebi. Às vezes ele parte de mim, mas sempre volta.

A dama me diz numa manhã insossa: "Não permita partir sua essência.
Não deixe a tampa meio aberta. Não se perca aos poucos."
Qual seria essa essência? O que de bom ainda se acumula?
Então entendo: não sou essência. Sou frasco.

Não sou o perfume raro, ou comum.
Sou o recipiente que guarda e distribui.
Por isso doeu tanto: não foi a mim que perdi, 
mas o elixir divino que abriguei por instantes.

Abrigos não são prisões.
Abrigos são ninhos, cresce-se neles e deles se voa um dia.
Pois o mundo é vasto, como vasta é a alma.
Volto a ser ninho, volto a ser frasco. Ainda que vazio.

22 de nov. de 2014

Assombrado


Todas aquelas memórias,
Imensas, ínfimas.
Toda aquela voracidade e delicadeza,
Toda aquela perfeição...

Anjos malignos a me assombrar.

Que mais querem de mim?
Já não devoraram minhas parcas relíquias?
Todas canções, todos sorrisos, todos bons sentimentos...
Se foram.

Mas sinto o vento frio e silencioso dessas asas.

Ainda me espreitam, como ladrões noturnos.
Tento correr, mas as pernas pesam, o coração pesa.
Beijo novamente o concreto sujo do chão,
Tudo o que sobrou das nuvens de outrora.

Nada. Não querem nada.

E é isso o que de fato me assombra:
A quietude, o fim, a morte da luz;
Da luz que não será novamente acesa,
Que não me guiará... Jamais.






15 de nov. de 2014

Pelas lágrimas


Pergunta-me displicente a razão:
"Por que as flores?
Por que estes dedos sujos e feridos de cavar a terra seca e desnutrida?
Qual serventia tem esta beleza para ninguém?"

'Para as borboletas' - Digo.
'Quem sabe, beija-flores'.
Gargalha espalhafatosa a razão.
"Só por isso?!" - Desdenha.

"Eu vi quando os olhos que mais amou ignoraram sua primeira rosa.
Eu vi quando a estiagem veio, e você gemia e soluçava sob o sol.
Eu vi quando sua fé partiu, frágil como as roxas flores despedaçadas.
Eu vi. Apenas eu vi." - Diz, fria.

Mas eu digo:
'Então viu pouco, cara senhora.
Não viu o ipê amarelo ganhar altura e força.
Não viu que a roseira ignorada novas flores desabrochou.

Não viu, amarga senhora, 
as folhas esverdearem novamente após a dura seca.
E não sabe, mas quando borboletas, mesmo as de simples beleza,
roubam uma gotícula de néctar das jovens flores, lágrimas me jorram.

Lágrimas tão leves, insignificantes, doces...
Lágrimas já tão raras, agora que o coração começa a endurecer.
Lágrimas tão minhas, que não podem ser usurpadas.
O Jardim é por elas. É por essas lágrimas.'

14 de nov. de 2014

Ao enxergar o infinito


Talvez quando meus pés nus pisarem em areias brancas
e minha mente se alinhar com o mar sem fim, eu não tema.
Quem sabe, todos os dias findados, todas as histórias, todas as memórias,
não estejam de mãos dadas ao meu lado;
Como crianças deslumbradas com o primeiro contato com a imensidão.

Hoje me fere o corpo que me enjaula.
Fere porque sinto a dimensão das asas amarradas.
E quem amei talvez nunca tenha entendido porque chorei ao ver estrelas,
era meu infinito que eu via.
Era eu, pequeno, livre e reluzente, tão distante lá em cima.

Mas naquele momento havia outro corpo a equilibrar o meu,
o meu com a alma rodopiando em devaneios. 
Já não há. Talvez não haja mais. Talvez nunca tenha havido.
E apenas, como quando criança, eu pense por algum momento
que são reais minhas magias imaginárias.

Somente nos sonhos minhas mãos ainda são mágicas,
como naquela infância perdida em outrora.
No mundo real, no mundo que nos aprisiona,
apenas vagas palavras fluem dos dedos,
tão fracas, tão esquecíveis.

Entretanto, há o sonho.
Mesmo que cravado como uma pedra preciosa em rocha profunda;
ainda respira o sonho.
E é ele o infinito em que repousa meu olhar por instantes,
como se o mundo ao redor não estive em chamas.

12 de nov. de 2014

Peito


Há um grito infindo escorrendo através do meu silêncio.
Pode não haver força no braço, na voz, no punho,
mas há no peito. Há o peito.
E o peito resiste, ainda que morra, ainda que esmagado,
ainda que negado.
Resiste, o peito.
Resiste, insiste e busca,
Não mais saber quem o outro é ou foi,
Mas quem eu sou.
Que busca além de amar o outro,
amar a si mesmo.

E por ter sido me dado o direito ao grito, também gritei.
Ainda que meu grito se voltasse contra mim, gritei.
E por ter me sido dado o direito ao amor, amei.
Ainda que o amor me consumisse, como a chama devora a palha.
E pelos direitos me dados, e principalmente, pelos direitos me negados,
Grito novamente, amo novamente!
Ainda que mudo, ainda que sem o amor!
Rosno de volta para a vida que ameaça me tirar pedaços!
Minha alma não será novamente levada, 
não sem minha permissão!

Fica na minha palavra invisível minha eternidade.
Pode ser pouco e simples demais esse meu destino,
mas o adornarei com flores, acenderei para ele árvores de natal.
Porque o peito morto ressuscita enfim, frágil e carente,
mas Belo. 
Belo novamente, sem as manchas da mágoa, do medo.
E embora jamais venham a me enxergar como eu gostaria, 
admiro com respeito os belos olhos verdes da Esperança.
Pedi para que ela partisse,
Rogo para que ela regresse.

Purgatório


Neste caminho infestado de anjos e demônios
rogo por uma face, como a minha, apenas humana.
Alguns acreditam que se tornarão alimento para vermes
outros, que somos poeira de estrelas.
Todos tão certos.
Todos tão errados.
Todos instantes infinitos.

Como uma deusa louca e gentil
a arte me abraça,
beija-me, acaricia-me. Ao menos ela...
Vê em mim o vazio repleto de quimeras que também vejo nela.
Ambos sabemos como perfura a alma a fome pelo Belo.
E como sempre, nos fundimos, confundindo a luz falsa dos holofotes
com a verdade enegrecida. 
A fórmula da dor.

Mas este magnífico e horrendo estado indefinido é uma espécie de lar.
Aqui não visto fantasias angelicais ou demoníacas,
não me faço Homem, ou bicho.
Mas uma faísca brilhante que nasce e morre, nasce e morre,
como um céu estrelado adornado de poucas nuvens viajantes.

Dissolve-se pouco a pouco na memória o que deveria ser eterno.
Mistura-se o pó das velhas memórias ao das novas memórias;
Como cinzas de novos e velhos cadáveres.
Enfim, apenas eu me acompanho.
Como foi no princípio,
como será no fim.

10 de nov. de 2014

Faça uma reverência


Apenas descobri ainda jovem o que sabem em segredo os velhos:
A vida é tola.
O sangue e lágrima que derramamos, de que servem?
E o amor, o puríssimo diamante azul, lapidado com tanto esmero;
Que é senão uma pedra morta e fria quando não vestido?
Do que nos protege?

A saudade vem das ilusões,
Da meiguice ingênua das rosas ao desabrochar.
Das lágrimas que partiram, secaram, não purificam mais.
Das emoções que não jorram,
Dos abraços que não aquecem,
De algo sagrado para sempre perdido.

Não crescemos;
Não aprendemos a lutar por sonhos e devaneios;
Não aprendemos a diferenciar utopias de realidades:
Apenas nos concretamos.
Distantes ou presentes,
Somos blocos de pedra, culpados pela própria dureza.

Mas tentamos...
Visitamos os jardins pelas tardes e manhãs.
Sorrimos às flores em agradecimento por tamanha frágil beleza.
Persistimos. 
Alimentamos a esperança que nos alimenta com mentiras bonitas.
Chamamos esse teatro de vida.

E quando cerram as cortinas, sentados em nosso deteriorado camarim,
Borramos a face ao tentar limpar a maquiagem que nos fazia outros.
Os murmúrios diminuem, a platéia se esvai; 
Penetra o silêncio.
Um companheiro que não é amigo nem inimigo: 
Apenas é presente.

Nas ruas ninguém é visto por ninguém.
Todos tão bons atores, tocando suas tragédias e comédias.
Mentirosos, frágeis, carentes, ambiciosos, deuses, monstros.
Rastejando adiante com uma sina de sentido desconhecido.
Perdidos, não no vasto mundo selvagem, mas dentro de si.
Um espetáculo morto e sem fim.


7 de nov. de 2014

Livro colorido, livro dolorido


Se perdoei os demônios que se aproximaram,
Como não perdoaria os anjos que partiram?

As páginas viram, amarelam, envelhecem,
são chicoteadas pelos ventos, dão lar a memórias e flores secas.

Registro minhas cores e dores.
Há sangue, há suor, há água límpida, há luz de manhã.

Certos dias vejo o infinito futuro temeroso; 
que será de nós, meu Deus?

Certos dias eu sou o próprio infinito,
E os olhos marejam... Deus dança comigo.

E ao soprar os ventos secos da realidade,
Corro a pedir misericórdia à minha esperança de menino.

Mais um página termina; sentirei saudade...
Mais uma página se inicia; preparo as tintas. 
A vida reinicia.

6 de nov. de 2014

Sobreviventes


Eu posso sentir o perfume da dor dos salgueiros
golpeados na tarde chuvosa de primavera.
E embora ainda não aceite, eu compreendo as razões para o adeus.

Já na manhã, uma luz macia deita sobre a terra ainda úmida.
As flores vão tomando de volta a vitalidade que a estiagem levou.
O coração ainda tem seus cortes profundos, mas bate novamente.

Certo dia amanheceu com a chegada do Senhor dos Sentimentos.
E não muito tempo depois, outro dia amanheceu com a despedida.
Não sei se foi suicídio ou assassinato, mas morri naquele último dia.

A beleza indescritível dos dias traz mórbida paz.
Não ouço os gritos, os gemidos,
Mas eles me tocam, me lambem.

E eu ignoro o sonho devastado, a fragilidade da minha carne;
Eu ignoro o que um dia foi meu oxigênio;
Ignoro minha falta de ar.

Há dor maior mais adiante, então me acalmo por momento,
E assim como as flores, faço amor com o sol.
A vida que ressuscita não é a mesma, mas é vida.

Agora que sou o algoz que já me foram,
Degusto minha perplexidade em calmaria.
Ainda não colocarei um ponto final nesta linha


2 de nov. de 2014

Fim da noite


Ninguém mais ouvirá a melodia das flores enquanto desabrocham
Ou sentirá o sabor dos ventos da madrugada fresca.
Ninguém mais trará asas e raízes
Ou encantos e realidades. São os reflexos do fim.

São as últimas horas do velório da Esperança.
Já deslizaram todas as lágrimas. Já derreteram todas as velas.
Calam-se os gritos ressentidos, sobram gemidos ignorados.
Não se ouve mais nenhuma oração.

Todos partem quando chega a chuva, mas eu continuo imóvel.
Gentilmente o Tempo me chama lá de fora:
"Venha, é cedo, há vida!"
Eu sorrio e aceno. Mas não me levanto.

Eis que vejo a Esperança sentada ao meu lado.
Tenso e confuso arrisco diálogo e reaproximação.
Mas ao tentar tocá-la me vejo novamente distante...
Estou deitado entre as flores. 

A Esperança é que chora por mim nos últimos instantes.
Nosso amor sempre foi o mais belo dentre todos.
Observo sua dor e desespero ao acompanhar meu sepultamento.
É o fim da noite estrelada, dos sonhos meninos, da força indescritível.

Repouso na terra, uma Mãe macia.
A Esperança assiste resignada minha decomposição.
Apenas o Coração não se dissolve no chão escuro.
A Esperança o colhe com doçura, e vai para onde exista outra manhã.