29 de nov. de 2014

Voz profunda


Não traz pavor a memória da pele fria dos demônios,
Ou a secura dos seus gestos e palavras,
Sua ignóbil mesquinhez e indiferença.

Horroriza-me a voz de veludo angelical.
A voz que profetizou mentiras,
Que selou contratos podres.

E dentre os anjos e os demônios
Sou eu a pior criatura,
Condenado a escolher entre dois mundos adoecidos?

Lamento ao serem tatuados em minha pele os pecados.
Contorço-me porque tudo já aceitei com grande facilidade,
Agora grito e gemo, mesmo sem saber se isso me é de direito.

Mas eu ainda ouço essa voz profunda,
Tragada de um âmago ainda puro, intacto.
Ainda sinto a alma tentando escorrer pelos poros.

Suas mentiras não devastaram por completo a claridade.
E ao pisar em suas terras, antes assustadoras, o que avistei foram roseiras.
E eu era vivo, como vivo fui um dia.

Minhas mãos estão feridas, mas por ampliar o jardim
Para onde antes apenas pedras habitavam.
Meu peito está ferido, mas está livre.

E o sangue que ainda escorre sem quem o estanque
Alimenta as raízes, dá cor às pétalas,
É um preço justo pelo perfume exalado nas noites silenciosas.