31 de mar. de 2023

Pontas dos dedos

 


Talvez algo de sagrado ainda resida 

Nas pontas desses dedos cansados 

Embora já não os veja tocando o vento 

Desenhando poemas bobos de felicidade 

Acariciando qualquer face


Eles ainda dançam é verdade 

Rendidos a algumas canções 

Que o tempo não teve força de contaminar 

E eles ainda secam

Uma ou outra lágrima de alívio 

Ou de espera

Muita espera


E tudo isso que passa sem cessar 

Ferindo a pele e penetrando ao âmago

Purifica o que não se perde 

Mais palavras virão então 

Sobre coisas que não podem ser ditas.

27 de mar. de 2023

 São ainda tempos estranhos

Chega a ferir a profundida do azul desse céu de outono

No entanto, é um incômodo santificado 

Pois abaixo dele

A florista dava conselhos sobre a vida e o amor 

Ao homem de espírito alquebrado 

Que buscava orquídeas para sua amada que partiu

E quando o azul se fez breu

A sobriedade propôs sutil trégua 

Os suaves passos de dança 

Os abraços amistosos 

O passar suave das horas 

A boa música sobre pequenas e grande vitórias 

Tudo dizendo que talvez a vida não fosse assim tão terrível 

Como sempre, nos sonhos, a fuga

Mas nessa vez eu consegui escapar 

Do mundo que sucumbia a forças exóticas

E havia uma alvorada 

Uma rua iluminada pelas últimas luzes artificiais da noite 

Uma palavra

Uma proposta 

Um sorriso não visto

Alguém disposto a não desistir 

Uma chance 

Um talvez

Quem sabe?

De nascer de novo. 

14 de mar. de 2023

Lar

 Nos sonhos, sempre 

A busca, a luta, a súplica 

Pelo porto, pelo lar.

Os braços como paredes,

Envolvendo, abrigando.

As janelas como olhares,

Iluminando.

As portas como sorrisos abertos,

Sinceros.

A alma florida, feito jardim.

A fé, então,

Pequena, mirrada, preciosa.

Os joelhos ao solo,

Implorando, implorando,

Misericórdia, Pai!

Minha voz te alcança?

O fim do temporal,

O canto dos pássaros,

O desabrochar completo.

Porém, não ainda,

Não ainda.

O céu envolto em pesadas nuvens,

Um aguaceiro sem fim.

Alvoradas estranhas, com luzes cansadas.

O peito vulnerável, fechando, 

Emudecendo.

 Por um instante já não dói, porque posso sonhar.

Ressoam os acordes pelo fim da manhã de luz extrema 

Há uma voz, os cabelos ao vento

E a trilha sonora 

Para que dancemos nas nossas turbulências 

Rosas são entregues, abraços são dados 

Sorrisos são lançados 

E as nuvens que se movem sem pressa 

Parecem cantar sobre a ausência de finais felizes ou trágicos

Mas apenas sobre a vida sendo aos poucos reescrita, 

Renascida.

 Estenderia os dedos e alcançaria 

Se quisesse

Se pudesse 

E veria então nos olhos brilhantes o reflexo de mil estrelas 

E entre elas 

Uma maior

Após os hinos, canções, chuvas e trovões

O devaneio 

E se os tempos voltassem a não passar?

E se as noites voltassem a ser simples?

E se

Antes da realidade me colocar diante de espelhos que refletem completos opostos

Ousar-se um breve sonhar?

Apenas 

Apenas isso 

Até o dia em que o peito volte a ser o lar daquilo 

Que foi construído para abrigar.

10 de mar. de 2023

Superfície

 



Falará ainda sobre intensas alvoradas 

Lembrando talvez com leve sorriso das manhãs de ainda céu fechado 

De canções ruins tocando não muito longe 

E das tantas mesmas vozes

Mesmas faces 

Mesmos caminhos 

Mas já será outro, 

ainda que sendo o mesmo 

E já estará longe, 

ainda que no mesmo lugar.

Sei que já sente como velhos 

Esses seus novos belos sonhos 

Pois que quanto tempo mais a água tão acima dos olhos? 

Mas não tarda novo fôlego,

Suspira algum anjo

Não tarda a superfície.

4 de mar. de 2023

Alvorada

 


Sei que algum anjo ainda me olha com ternura, mesmo eu não soltando de suas asas antes da promessa de levar meus sonhos aos céus.

Não deixaram de ser tempos estranhos, mas olhando para trás eu vejo milhares de flores cultivadas pelos caminhos, centenas de páginas com poemas singelos levados pelo vento, flutuando na atmosfera, alcançando outros corações igualmente simplórios.

E eu me lembro de estar no mesmo lugar e de receber o mesmo abraço sincero quando a fala foi embargada pelo medo, e tempos depois, pela gratidão. 

Vejo então ao longe os primeiros pilares cintilantes se erguem lentamente, delicadamente, sem alarde, mas cortando a escuridão de uma longa noite sem estrelas. 

É possível que tenha chegado o momento de colher as luzes da Alvorada, de semear novas páginas, de reescrever jardins. 

E talvez, talvez junto às luzes você se aproxime também, e exista na sua face um sorriso de calmaria, e em seus olhos, finalmente, o brilho de um novo dia.