31 de mar. de 2015

Uma alma


Não está tão fundo o que pode ser bom,
mas minhas mãos já são doentes,
Elas não podem mais cavar o solo duro.

Não estão tão escondidos os tesouros,
mas meus olhos já estão cansados,
Eles não podem mais ver o que reluz.

Não falta muito para o amanhecer,
mas a alma ainda treme de frio e medo,
Ela não pode esperar outra noite em silêncio.

Mas eu ainda me lembro daquela sensação
De haver outras mãos, outros olhos, outra alma.
Eu me bastava quando eu não era tudo.

Ainda lembro daquela oração, daquela imagem
Que clareava qualquer pesadelo;
Que afastava de mim o que não quero ser.

É necessário insistir nos últimos versos,
Pois a realidade se aproxima veloz...
Será preciso um dia se provar que já houve vida.

Sumidouro


Bastaria a delicadeza do brilho da primeira estrela da noite,
Ou o perfume da atmosfera limpa após a tempestade
Para fazer parar de girar este punhal dentro de mim?

Nenhum torpor, nenhuma reluzente e veloz ilusão;
Como estrelas ascendentes que nunca mais serão vistas;
Irão devolver o solo onde antes sonhos saltitavam.

E não ofereço rosas que crescem no velho jardim da alma,
O que quer que tenha levado todas as claridades,
Levou também todas as flores.

Toda Beleza é um lamento; todo lamento, um cansaço.
E tudo é tragado pela feia ferida do espírito,
Faminta ferida.

Quem dera devorasse memórias e desejos também.
Quem dera não tivesse existido o dia em que pisei no paraíso.
Quem dera algo verdadeiro sobrevivesse ao sumidouro dos dias.

21 de mar. de 2015

Claridade


Os olhos ainda nublam ao lembrar da claridade.
Aquela claridade que um dia pude emanar,
Que um dia pude enxergar,
Que um dia existiu. 

Sei que este coração não nasceu para a paz,
Mas para sentir o sabor do próprio sangue
Ao cultivar rosas ignoradas.
Rosas que dele nascem e nele morrem.

As luzes não se apagaram.
A claridade ainda viaja universo adentro,
Como o epitáfio de uma estrela morta;
Apenas não será outra vez vista.

Mas ainda há algo além da frágil carne.
O Amor devorou todos os sonhos,
Até mesmo a paixão.
Mas a esperança, pequena e insípida, passou despercebida.

O espírito ainda veleja por seus mares de infância.
Não faz mal lembrar dos dias em que o sol sorria.
Continuo lua mansa, sem luz própria;
Girando ao redor do que nunca tocarei. 


20 de mar. de 2015

Cidade fantasma


Não quero que evanesçam as memórias
Daquele passeio num vale de estrelas;
Da minha alma entorpecida de utopias,
E meu coração frágil como pétalas.

O que foi conquistado e o que foi perdido para sempre?

Ainda sonho com luzes de natal, iguais daqueles que me comoviam.
Ainda percorro as ruas sujas de uma cidade marrom e vazia.
Onde antes residiam sonhos, hoje restam escombros.
Por vezes, é o espírito, tal cidade.

A inocência e a paixão intoxicam meu sangue...

É o fim de mais um verão; as chuvas de outono devolvem o verde.
Quando os olhos fecham e a mente rompe seus grilhões,
Santos pecados escorrem do céu,
Como lágrimas puras de anjos sempre distantes.

Meus olhos acariciam a verdade ou um espetáculo?

Se pudesse, calaria todo e qualquer som.
Bastaria tocar seus cabelos, macios como música,
Bastaria o ruído afável do seu sorriso,
Para, quem sabe, acreditar outra vez em tudo o que não existe.

12 de mar. de 2015

Irmãos


Em uma coisa somos todos irmãos: na dor.
A miséria que afronta o gênio, sugando-lhe o tutano da vida, 
É a mesma que suga o meu.
Somos iguais no vazio que fica.

Em uma coisa somos todos irmãos: na utopia.
O combustível que move a máquina da alma dos santos
É o mesmo que move a minha.
Somos iguais na necessidade do Amor.

Em uma coisa somos todos irmãos: no cárcere.
A carne que enclausura meu espírito pobre
É a mesma que já enclausurou aqueles que hoje são anjos.
Somos iguais na sede pela Liberdade. 

Em uma coisa não somos todos irmãos: no sentir.
Aquilo que meu coração abraça, talvez nenhum outro abrace.
Nunca parece ser o mesmo o brilho nos olhos.
Somos tão desiguais nos sentimentos.

11 de mar. de 2015

A cor dos olhos


Finalmente não assusta meu amor pelo mar.
Toda aquela vastidão azul... tanta violenta vida.
Já não há mar, mas uma infinita cratera silenciosa.
Para sempre silenciosa.

Sei que ao secar, o mar também levou muito de mim.
Meu reflexo que agora vejo nas areias quentes não me agrada.
Em nada mais lembro aquele viajor guiado por estrelas ascendentes.
Também se foram as estrelas.

Não me dá esperança meu recente amor pela terra.
A maciez castanha e morna em que pousou meu olhar,
Não mais será sentida. 
Sem as paixões que me guiam, volto a ser um estranho.

Um estranho de passos hesitantes,
Perambulando por um caminho que sabidamente não é o meu;
Mendigando ínfimos milagres para saciar uma fome de fé cruel.
Uma súplica inútil, todos os milagres adormeceram.

Eu sinto a lenta dor de perder o pouco que ainda resta.
Mas quando a escuridão for plena, meus olhos verão no escuro.
Lembrando da tarde em que, lavadas pela tempestade,
Todas as coisas refletiam fabulosamente toda claridade do sol.

9 de mar. de 2015

Noite clara


Todas as estrelas se foram.
No céu plúmbeo posso ver as pesadas nuvens 
Formando paredões displicentes.

Todas as estrelas se foram.
Se foram do céu para dentro de mim,
Partículas de luz perdidas em imensas escuridões.

Aqui dentro ninguém as contempla.
Meus olhos opacos não denunciam seu brilho,
E aquilo para que vivo já não existe.

As vozes dos heróis continuam a sustentar,
Como profundas raízes.
Porém ainda temo a força das tempestades.

Não há o que me fará deixar de ser noite,
Nem a bondade dos anjos, nem o resquício de fé no amor.
Em minhas veias as trevas fluem.

Mas se de mim jamais será emitida uma luz do dia,
Emanarei as sutis poesias que nascem ao luar.
Talvez a noite seja eterna, que então seja clara. 



8 de mar. de 2015

Peito frio


Serão necessárias muitas das minhas lágrimas de pouco valor
Para pagar o preço de cada uma das minhas crenças.
Crenças em belíssimas e inexistentes coisas.
Crenças caras demais.

A única coisa real é a distância.
A única coisa tangível é o silêncio.
As maldições não serão quebradas com a chama de meia vela,
Não serão quebradas com os pés nus dançando na terra úmida.

E amanhã não serei eu aquele que sorrirá,
Não serei eu aquele que fará orações insinceras.
Eu estarei em algum lugar acima da razão,
Deslumbrado com a luz de um sol que nunca deveria ter tocado.

E eu rogo a misericórdia dos anjos,
Suplico que busquem e tragam de volta o coração.
Mas a forma como treme meu peito frio, meu peito vazio,
Explica porque ele prefere o calor daquele lindo inferno.


Queria de ti o que queria das rosas


Sei amar as rosas sem incomodá-las,
Sei que saberia acariciar seu coração 
Sem a necessidade de segurá-lo em minhas mãos.

Minha insanidade sabe até onde pode chegar.
Eu não almejaria possuir uma força da natureza;
Sua beleza está em sua liberdade e fúria. 

Queria de ti o que queria das rosas...
A inebriação do perfume, 
O toque no veludo das pétalas, da pele.

Há em teus olhos a cor da terra fértil,
E deles brotam belezas como da terra brota a vida.
Que quero eu da terra além de apenas louvar seus milagres?

Como uma criança deslumbrada admiro a tempestade distante.
Admiro a água sagrada que tão longe jorra do céu
A água da qual jamais sentirei outra vez o sabor.





6 de mar. de 2015

Descomunhão



Foram ditas em bom som as verdades inaudíveis.
Inaudíveis porque o espírito, entorpecido pelo cântico das ânsias, 
Prefere banhar-se em chamas falsas. 
Chamas que queimam sem aquecer. 

Mas após as erupções há certa calmaria.
Embora a brisa ainda traga delicadamente canções distantes,
Já não sorrio.
O espírito demorará a ser desperto, mas seu sono é leve, enfim. 

Não só a boa audição se fazia comprometida,
Mas todos os sentidos.
Olhos famintos, mãos ávidas, boca ansiosa...
Coração crente.

Há erro na carne que se mostra?
Há impureza na excitação dos músculos?
No arrepio, na lágrima?
Não há... Nada há.

É o que dói: a descomunhão.
A falta do sagrado mesmo no ardor das tentações.
Almas desconectadas, mesmo que os corpos se façam colados.
É o que dói: a efemeridade. 




5 de mar. de 2015

Perfumes e feras


Paz é a luz da lua sobre a pele nua
E a roseira tão carregada de gordas rosas brancas e vermelhas;
Também as nuvens que bailam em silêncio
Num céu anil pontilhado de estrelas.

Paz é a maciez da terra castanha, acolhedora como abraço de mãe;
Mãe que de fato é.
Também a canção, que com gentileza decifra a alma,
Pinta seus sonhos.

Mas o sentimento, uma forte fera indomável, quando desperta, é voraz.
Ele corta o peito, mas não tira a vida.
Como um bisturi elétrico, cicatriza ao mesmo tempo que talha a carne. 
Eu sinto suas garras penetrando fundo, tão fundo. 

Por vezes mascara-se de perfume de alecrim,
Gentil e doce.
Com grande afabilidade envolve o coração ressequido, 
O banha em esperanças desconhecidas. 

Eu aceito. 
O espírito é campo vasto, repleto desses perfumes e feras.
Aceito me desfazer diante de tamanha força, tamanha beleza.
Suporto meu inegável desejo, a fúria da ânsia libidinosa.




4 de mar. de 2015

Bons tempos



Todas essas folhas ao vento, ainda em branco;
E os dias sem qualquer promessa: também vazios;
Também as memórias, já pálidas, fracas... inservíveis;
Todas as eternidades tão efêmeras, superficiais, rasas...
Eis o que me assombra, o que me caça.

De que vale ordenar versos e louvores à maciez
tão meiga daqueles cabelos negros encaracolados?
De que vale a exuberância generosa da roseira,
cujo vermelho vivo lembra a beleza do olhar que não mais será visto?
Parece pesado demais este fardo de tanto sentir...

Mas estes são os bons tempos.
Tempos em que a voz forte ainda ecoa pelos labirintos abandonados da alma, 
arrancando-lhe ecos e suspiros;
Tempos em que o luar reluz como um convite para mergulhar de braços dados na docilidade estrelada da noite.

Estes são os bons tempos.
Em que o pulsar do músculo mestre ainda pode ser descompassado por um sorriso;
Em que a sensibilidade ainda é aguçada, como um faminto felino selvagem.
Em que os olhos ainda brilham, ora de paixão, ora de dor.

Bons tempos, em que os ossos ainda fortes, suportam as pancadas,
E após se partirem, recuperam a firmeza, a força. 
Em que o espírito ainda voa nos ombros de quimeras aladas, tão corajoso,
Ignorando que por elas pode e certamente será devorado. 
Tempos... em que ainda resta insanidade suficiente para crer no amor.

2 de mar. de 2015

Basta-te


De que serve a beleza da rosa mais perfeita,
Se apenas o sol inclemente observa suas cores?
De que serve o coração já lapidado, exausto de golpes,
Agora mais forte e reluzente, se repousa no fundo do mar?

Derrama teus sonhos e tua fé aos pés da flor frágil.
Livra-te deles, livra os outros deles.
Segue leve, porque a montanha iluminada não existe,
Como não existe nenhum culpado além do visto no reflexo.

Que te falta para ser fera?
Para saciar tua fome e sede do sangue das esperanças?
Pobre criatura em jaula de luz!
Jaulas são sempre jaulas.

Em silencio busca o perfume e o brilho dos olhos vermelhos,
Já delegando a eles o motivo do teu sorriso...
Se assim é, já aguarde o pranto, o batimento lento do coração.
Basta-te, porque lá fora não haverá nada teu.