29 de nov. de 2012

Madrugada de lágrimas doces


Ainda me lembro dos meus últimos sonhos.
Ainda me lembro que um dia sonhei em tocar as estrelas, e além disso, ainda me lembro que um dia sonhei em tocar pessoas.
Eu tento trazer de dentro para fora o poder que ainda resta.
Eu tento resgatar aquela fé e aquele orgulho.
Eu, que tanto vejo o mundo, tento nesta noite, ver a mim.

Como eu queria poder ouvir a voz dos anjos para saber o que eles veem de lá de cima.
As canções, sempre elas, perfuram como anzol em minha alma.
Vão trazendo para fora lágrimas e mais lágrimas,
que escorrem pelo rosto com a barba recém feita;
os poros ardem e eu já espero o gosto salgado se aproximando dos meus lábios.

Mas não.
Mesmo sem a voz dos anjos;
Mesmo que o dia desperte tão igual amanhã;
Mesmo que eu sinta que tudo o que sinto não é grande o bastante;
Minhas lágrimas, minhas lágrimas nessa madrugada de chuva rápida, são doces.
Doces como se fossem meus sonhos diluídos, reciclados, voltando para dentro de mim.

26 de nov. de 2012

Ao vento


As palavras; tão leves as minhas palavras; foram todas varridas pelo vento.
E embora ontem eu tenha visto Deus nas nuvens e hoje eu o tenha visto no luar e nas estrelas,
E embora eu tenha chorado diante da certeza de estar sendo ouvido,
Meu coração insiste em não saber quem é.

Eu amo mesmo esse lugar, essas coisas, essas sensações, essas pessoas?
Ou apenas sou covarde demais para descosturar as asas que sei ter atadas às costas?
Talvez eu queira ser um ajudante na salvação do mundo,
Talvez eu só queira que o café esteja na mesa amanhã de manhã.

Serei sempre esse ensaio?
O egoísta que só não fere por saber que ferir é o que mais lhe dói?
O medroso que só não muda por preferir os medos conhecidos?

Às vezes me sinto tão grande que dói me carregar.
Às vezes me sinto tão ínfimo que um sopro torna-me farelos.

10 de nov. de 2012

O Deus interior


Quando se faz necessário o voo, não há tempestade amedrontadora o bastante.
Foi assim, em mais um sonho confuso, em mais uma noite de sons estranhos sobre minha cabeça.
Como disse certa vez meu amor: ‘tudo que está ao redor você absorve para si.’

Sim, chovia; ainda chove. Por isso o céu tão negro em meus sonhos.
Chove, e como sempre, ao notar a água caindo dócil, ao sentir minhas meias molhadas dentro do sapato igualmente molhado, ao sentir o perfume das flores amarelas que brotam em longos cachos naquela rua antiga, também molhada, eu sinto o coração em chamas. 

Eu sinto um chamado vindo não sei de que parte, não sei de quem.

Sim, se eu olho ao redor não faltam sinais. 
Há a luz do sol que deixa as folhas das árvores verde-esmeralda, os pássaros em sua rotina de liberdade, as pequenas borboletas embelezando os ares.
Se eu olho ao redor, eu vejo as crianças correndo e rindo despreocupadas, o que me faz recordar a minha criança que persiste viva, também correndo e rindo despreocupada.
Porém, desta vez, não é externo, é de dentro que essa voz vem. Eu sei.
São de dentro para fora que vêm brotando esses milagres.
E embora eu há muito tenha desistido de dar qualquer definição a Deus, eu sei que é uma parde dele aqui dentro.
É minha ligação sutil e vital com ele que me conecta às coisas que ele criou.

Nesses momentos meus olhos mergulham em minha alma que escorre.
Eu me esqueço do que é mesquinho, egoísta, pequeno, em mim e no mundo ao redor; eu olho por cima, eu subo às alturas, como que convidado pelos anjos, e por um ínfimo e magnífico instante vislumbro o semblante do Divino Mestre.
E ele me sorri.

6 de nov. de 2012

Poesia



A poesia é espasmo,
A poesia é o que não cabe mais dentro,
É a lágrima,
É o vômito,
É o sorriso,
É a voz,
É o desassossego,
É o excesso.

São as faíscas das nuvens que trombam,
É uma tempestade incandescente,
A saudade da dor,
A solidão imutável dentro do sonho perfeito.

A poesia é a criação da criatura,
A pérola no lamaceiro,
O perfume dos lírios do pântano,
O sangue, seiva da vida.

A poesia é o campo de batalha,
É a ferida mal cuidada,
É o rebelde sem causa,
É o surpreendimento diante ao óbvio,
É o abraço,
É o asco,
É a chave,
E o cadeado.
É verdade!
É mentira...

A poesia é leve, como as águas oceânicas,
A poesia é frágil, como o diamante adormecido na rocha,
A poesia é necessária, tanto quanto o ar nos pulmões;
Tanto quanto a luz de uma vela ao sol do meio-dia.

A poesia é a maldita e amada filha eterna,
A poesia sobrevirá a tudo,
Será a língua, o dinheiro, a fome, a sede e o gozo de todas as nações.

A poesia seria a única salvação,
Se não fosse já morta, inútil.