28 de fev. de 2021

29/02/2021

 

Quando a chuva silencia todas as ruas e faz o tempo adormecer exausto da própria crueldade, a memória vaga por florestas umedecidas de saudade até chegar aos velhos dias onde não havia medo o bastante para sufocar o florescer de jovens ilusões. 

Eu tinha 17 e uma infinidade de erros a serem cometidos pela frente... E tudo era perdoável porque éramos jovens e tolos o bastante para não pensar ainda em consequências. 

Sei que nada nunca foi tão reluzente quanto a nostalgia pinta, mas eu ainda me lembro dos tempos antes das constantes ameaças de fim dos tempos, e era possível procurar pelos olhares algum brilho e paixão. 

Nem tudo precisava doer tanto e o tempo todo, nem tudo precisava ser uma espécie de ameaça ininterrupta.

Então os anos voaram e eu caminhava sozinho através da tempestade. Eu tinha o olhar fixo no horizonte onde podia ver um fio azul de esperança, mesmo que nada lá houvesse de fato. Até que você me ofereceu abrigo. Calçou meus pés, cobriu meus ombros. E eu via a tempestade caindo diante dos meus olhos sem me molhar, sem ter frio, porque sentia outros dedos entre os meus dedos. 

Mas eu via as rachaduras pelas paredes; eu sempre vejo; eu ouvia o vento levando os telhados céu afora e pedi que as portas se abrissem antes de tudo desabar. 

Então eu saí.

Então eu desabei.

E todas as flores que plantei depois de todas as despedidas não resistiram bem, logo se despediram também.

E todos os pedidos de socorro não foram atendidos por serem apenas sussurros perdidos no imenso barulho mais angustiante das horas.

E eu retrocedi...

Apenas ouço gotejar insistente lá fora que soa como um lamento;

Por dentro, as canções, os poemas, os pequenos inúmeros ferimentos me lembram que eu retrocedi...

Talvez seja isso crescer.

25 de fev. de 2021

25/02/2021

 



Esse tempo que passa agora de uma forma tão estranha não se faz mais necessário para tornar algo sagrado.

Sim, as coisas sempre precisaram se perder em um passado remoto para que seu brilho fosse mais raro e valioso, mas agora as velhas regras parecem não mais valer.
Isso é bom porque os instantes banais e solitários ganharam algum adorno de emoção.
Isso é ruim porque as mãos já estão feridas de garimpar dias brutos e repletos de distância em busca de algum sentimento mais nobre.
Mas eu quase me esqueço da auto condenação enquanto imagino que a leveza dos momentos idos pode em breve retornar...
A chuva que cai mansa sobre os telhados dos santos e dos profanos me faz sonhar com o caminhar pelas ruas sem medo; talvez mãos dadas, talvez um Lar.
São tempos em que até o mais ingênuo dos poetas teria receio em falar sobre a esperança, eu repito... E tanto já foi dito e sentido para preencher de alguma vida as horas que se arrastam sem encanto; mas eu ainda vejo no fundo de alguns olhos faíscas de uma vida tão pura e tão bela.
Estamos resistindo, cansados ou feridos, nos alimentado de migalhas de poesia e afeto; amando ou esperando, entorpecidos ou despertos.
Estamos resistindo, superando pecados e absolvições, o amor e a indiferença.
Estamos resistindo, porque estes são os tempos sagrados. Não os que se foram ou os que virão. Mas estes, onde, só neles, podemos ousar sonhar de novo.

23 de fev. de 2021

20/02/2021

 


Resta um ruído de esperança vindo das estrelas ecoando pelo caminho onde a escuridão impera.

E já há algum tempo não é mais possível ver onde se pisa, não é possível saber se o solo é firme e seguro o bastante.

Mas o fio dourado que o crepúsculo esquece sobre o horizonte me faz querer seguir adiante aquecido por alguma fé ainda mais uma vez.
Sei que não há muita beleza fluindo pelos dias que se seguem, e embora tudo pareça normal pelos templos e bares, para os demagogos e para os ébrios, esse lapidar incessante dos dias em busca de alguma faceta que brilhe um pouco mais parece uma luta inglória para fugir do medo, feito a antiga e tola espera pelas 3 palavras mágicas.
Mas resta um ruído de esperança vindo das estrelas logo acima... restam os passos firmes pelo caminho sombrio em direção à claridade que ainda persiste.
E eu não disse, no entanto, em meio ao caos e às quedas, eu me esqueci de todos os sorrisos que se apagaram, enquanto quase consegui deixar de ter vergonha da simplicidade do meu.

16 de fev. de 2021

14/02/21

 



O incomum vento frio num domingo de carnaval com avenidas vazias parece trazer do passado recente o perfume contido de poesias que não puderam florescer dada a aridez da realidade. 

E enquanto eu mais uma vez vago por caminhos em que tanto já deixei meus sorrisos e minha lágrimas, eu penso na possibilidade de não pedir mais para vencer qualquer sentimento que queira se apossar do meu coração. 

Porque este mesmo coração que traz à tona sentimentos que não têm mais raízes, tornando-o ridículo a qualquer olhar mais lúcido, é o que me faz levantar a cabeça para o céu onde o sol começa a dourar as nuvens, precedendo a promessa de uma noite menos escura que as anteriores até aqui. 

E aqui, sobre uma velha ponte observando os carros que passam apressados, eu me lembro de quando pedi que fossem levados de mim o medo e a vergonha, mas talvez sem todas as minhas partes eu não entenderia e sentiria tão puramente as canções que falam sobre o exílio e sobre a cura. 

É possivel que você doa de alguma forma para sempre, junto de todas as outras coisas que também foram perdidas ou libertadas e também doerão para sempre, mas volto a dizer que pelo menos por agora é uma dor que tem quase alguma beleza...

Já deita a noite à frente dos meus passos e as luzes da cidade parecem chamar delicadamente por meu nome, e eu nunca deixo de responder,

Embora às vezes eu não saiba quais últimas palavras dizer,

Embora, definitivamente, eu nunca saiba quais últimas palavras dizer.

13/02/21

 

E eu precisava dizer, pôr à tona. 

Ainda que ninguém ouvisse, ainda que ninguém houvesse, ainda que a ninguém fizesse sentido.

Porque a noite com seus aromas estranhos e relâmpagos no horizonte distante penetra pelos poros, por todos eles, e eu a absorvo como uma memória de eras ancestrais enquanto vago pelas mesmas ruas que me parecem tão outras agora que banhadas em tanta escuridão. 

E logo sinto ser eu a figura fantasmagórica que se esgueira pelas calçadas e trilhas, silencioso e esguio, sem ser notado, como em um sonho onde estou no tempo errado, mas ao contrário da realidade, de alguma forma, não estou profundamente sozinho. 

E essa sinestesia entorpece, mas não fere.  Por um instante nem mesmo a saudade e o sonho que me arranham a pele e me transpassam a carne todos os santos e profanos dias têm tanto poder. 

Em alguns anos os arrependimentos serão o tempero das lembranças e esses tempos loucos talvez façam falta... talvez.

Porque ainda há tanta beleza oculta lá fora;

Porque ainda há tanta vida guardada aqui dentro.

8 de fev. de 2021

08/02/21

 


Embora tudo, não deixou de haver nas manhãs de fevereiro um azul pacífico no céu.

Talvez não faça muito sentido, mas o sol incidindo e fazendo brilhar as folhas das palmeiras que dançam no vento me faz pensar em um recomeço. 

Não que se anunciem dias mais brandos; os rostos cobertos, os gestos temerosos, as distâncias, não nos permitem esquecer por mais do que instantes da aspereza e da fragilidade da vida. E a mente ainda se parece com uma sala empoeirada, abarrotada de móveis velhos e desalinhados... e dói, e cansa, e dá medo o peso dos dias.

Mas se achegam palavras doces de uma alma gentil, algo como um agradecimento pelo que fui capaz de sentir, de dizer, de florir. E com isso os olhos merejam por um segundo; os olhos se tornam as janelas da sala escura e sombria, e se abrem para a luz suave do dia. 

O peito se aquece. 

Em minhas mãos são entregues papéis coloridos, cheios de sonhos rabiscados, cheios de sentimentos coloridos, cheios de vida e juventude, e eu descubro que recomeços podem ser singelos, delicados, silenciosos. 

E abro ainda mais os olhos, as janelas, e deixo a claridade acolher os cantos da suja sala escura. Observo suas relíquias, seus cacos, os tantos objetos espalhados pelo amor, pelo descaso, e amo profundamente tudo o que essa luz do  entardecer toca. 

E ali, quase esquecida em um canto, meio oculta por um tanto considerável de sonhos partidos, reluz um pequeno punhado de esperança, um tanto tímido demais para abrandar todo o desamparo dos dias, mas um tanto suficiente para me fazer receber a jovem noite com um sorriso no rosto.

7 de fev. de 2021

04/02/21


 O olhar que se perde no horizonte na verdade é a janela para o espírito que garimpa e lapida sentimentos passados e remotos, na vã tentativa de lhes dar algum brilho e propósito.

Há algo de saudade nisso, mas quando em completa solidão a memória se arrisca a andar por ruas distantes demais, tudo está envolvido em uma penumbra acinzentada e sem vida.
As portas estão abertas e uma presença forte persiste em todos os cômodos da frágil fortaleza onde repousei por breve trégua. Porém, o que impera pelos cantos é apenas o vazio.
Não há calor, não há luz.
Mas de todo aquele ano o que ainda tira um quase sorriso foi o abraço roubado, os pés centímetros acima do chão, o perfume. Um instante efêmero, mas que tinha a maciez do que poderia ter sido o amor.
Tudo tão real e sólido antes do vento insípido da noite tudo dissolver e carregar.
E já entardece... e não há tanta beleza no céu. Daqui vejo as torres e os prédios banhados em uma claridade melancólica e cansada, e imagino todas as pessoas e seus universos particulares, também lutando para entender e dar algum sentido e beleza aos dias que passam cada vez mais estranhos.
E não há muito a ser dito...
Mesmo que em mim também nada seja completamente extinto ou esquecido, é preciso aprender a dizer adeus.

01/02/21




Não há mais juventude suficiente para que as palavras sejam um socorro. 

Todos os velhos cadernos preenchidos com letras tortas de paixão e sonho repousam no fundo do armário em um silêncio perpétuo; orações nunca ouvidas, esquecidas em um altar abandonado.

Mas quando o medo não é grande o suficiente para as mãos esconderem a face em um ato de delicado desespero, algumas linhas brotam sem pretensão por entre as últimas horas mágicas do dia, e por um momento eu não preciso me culpar por não saber mais pelo que lutar.

E essas palavras são como pequenos pássaros de canto bonito que sobrevoam um pouco do mundo ao redor e me contam das belezas do céu. Assim, o peito se envolve de uma luz humilde e quase morna feito um lar... fragmentos de liberdade penetram no espírito.

Sei que já é outro fevereiro e tudo está ainda mais tremendamente esquisito do que antes, como diria a poetisa.
Sei que não haverá um galho partido no ipê a florir, os salgueiros não dançarão ao vento das tempestades sem seus galhos chorosos, uma estranha saudade insistirá por alguns longos instantes em mandar lembranças e todos parecerão estar muito distantes de mim, cruzando alguma linha de chegada enquanto eu ainda não consegui calçar os sapatos, como sempre. Ainda assim... uma canção bonita insiste em tocar ao fundo, sem cessar, pedindo que eu sorria novamente, quase como quando havia esperança.

30/01/21

 



A noite tem um resquício do perfume do suor de sonhos ancestrais; das horas rápidas, dos corpos quentes.
E fragmentos desses velhos tempos mergulham céu abaixo como suave garoa... memórias que chovem mansamente.
Aqui todas as coisas se encontram fora dos lugares que deveriam estar, e precisamos fingir que está tudo bem, enquanto quase nada está.
Antigos e novos fantasmas disputam a carne da delicada paz que resiste defendendo um coração ainda mais frágil;
Mas eu caminho em direção às pequenas luzes artificiais de cabeça erguida, ainda completamente preenchido de vida, acreditando por um instante que algo do menino de 17 sobrevive abaixo dos escombros de tantos dias cinzentos, cantando e dançando uma canção boba de amor.
E eu me peço perdão novamente e me perdoo novamente, porque é preciso acreditar que virão dias de cantar e dançar novamente mesmo que há muito tenha se passado os 17 e sua esperança.
São tempos estranhos em que até os ditos consoladores trazem uma mensagem de resignação adornada de desespero. Suas vozes me confundem e se perdem pelo vento que uiva por entre as árvores.
E eu não sei mais quem diz a verdade.
E eu não sei mais pelo que espero.
Então fecho os olhos e caminho sem ver a direção... mas continuo a caminhar, incessantemente, enquanto a canção me pede para cessar o pranto.

18/01/21

 



No último ou penúltimo amor foi preciso tirar a voz das palavras,
Pois que o vento já estava de ombros cansados de carregá-las para a distante e opaca atmosfera onde repousavam até evanescerem por completo.
No último ou no penúltimo ano houve mais medo que esperança, mais despedidas que encontros, tudo abrindo no peito uma ferida difícil de esconder.
Mas sempre há um mas...
E uma canção suave leva flores até os cabelos de uma lembrança que não sabe sorrir, mas que também já não faz tantas ameaças;
E meus pés quase flutuam por uma estrada que, mesmo sendo tão solitária, sempre me leva para casa;
E eu guardo as lágrimas para as orações, para os poentes, para as rosas deixadas na areia antes do mar as carregarem para o infinito azul.
Talvez isso que se mostra como poesia seja apenas a seiva da vida... Porque eu ainda me lembro do abraço forte em meio às árvores centenárias, e toda a força e toda a segurança, com o mundo apenas girando sem doer. 
E eu procuro o caminho ao velho sagrado jardim para mais vez curar com flores e frutos o espírito empobrecido de sonhos para assim deixá-lo reluzir, quem sabe, ainda mais uma vez. 


11/01/21

 



Pelas ruas tudo parece permanecer no mesmo lugar, no lugar certo, de alguma forma.
As pessoas parecem determinadas, firmes, com algum objetivo a alcançar na linha do horizonte.
E eu passo lentamente, com olhos turistas, pensando que a vida pode ser por um instante leve como a alma das crianças que brincam despreocupadas nos pequenos morros de terra na beira do pequeno bosque.
E também por um instante, tão breve, eu vejo o meu reflexo livre da dor que parece sempre residir nas rachaduras que vão se abrindo nas muralhas da fé, um pouco a cada dia, cada vez mais.
Ao menos não há pelo que esperar, nenhuma decepção nova e reluzente para aquecer o coração desta vez; ao menos, não há saudade.
Mas, de alguma forma, ainda há uma tentativa de perseguir a luz do sol por entre as sombras dos tempos...
E pelas frestas abertas no espírito pelo medo e pela dor, é por onde essa luz entra. 

30/12/20



A vida é esse paradoxo dançando livre pelo salão dos dias que passam como que indiferentes.
Em uma face, a beleza luminosa da força e da fé, em outra, a sombra tristonha da fragilidade.
E hoje descendo as ruas por entre as árvores e o sol que se punha ao lado da tempestade, eu pensava em mais uma vida que se foi... e trazia do fundo da minha memória o som daquela voz, a imagem daquele sorriso. E as últimas luzes solares douraram uma sutil e sincera lágrima. Uma lágrima que era também pelos outros quase 200 mil olhares que não verão hoje este poente, talvez...
São tempos em que até o mais ingênuo dos poetas teria receio em falar da esperança. Mas que falemos, que roguemos...
Que as palavras encontrem o caminho para se tornarem uma oração, e que o coração se sinta acariciado por um instante, certo de que, de alguma forma, mãos divinas não o deixarão novamente se partir.