30 de ago. de 2011

Apenas seu


Traço essas linhas entre lágrimas.
Aquelas, límpidas, mornas, puras, que sua onipresença faz jorrar.
As lágrimas que você permitiu choverem sobre você.
As lágrimas que germinaram a vida latente em mim.

Preciso que saiba que ao ver os ipês brancos e amarelos, o alvorecer e o anoitecer, os céus de cobalto ameaçando chuva regeneradora, as crianças brincando de bola no asfalto; eu vejo sua face, seu olhar delicado, seu sorriso dócil e humilde. Eu vejo uma outra face de Deus, a mais bela que conheço Dele.
Preciso que saiba também: suave como as brisas das madrugadas, como o azul pálido do céu desse inverno seco, como o caminhar cansado ao entardecer, eu recebi a notícia, provinda talvez dos anjos que guardam meus sonhos mais puros, que meu espírito estava completamente aberto, aberto e pronto para ser vivo contigo, intensa e profundamente. Estava pronto para receber esse milagre, de olhos, braços e alma escancarados, em toda sua plenitude.

Perdoa a necessidade que sinto em fazer-te meu ar, meu pão e minha água.
Perdoa a necessidade tamanha que tenho da sua pele, do seu gosto, do seu sentimento.
É que tudo em mim já não é mais completamente eu, tudo em mim fundiu-se em um ‘nós’, único, exato.
Sua distância é distância de mim mesmo.
Sua felicidade é felicidade para mim mesmo.
Sua paz é a minha paz.

Não sou muito, anjo amado. E repito que o pouco que sou ainda precisa muito ser melhorado.
Mas o que possuo, aquilo que foi cultivado e protegido por anos a fio, é sublime e imenso, verdadeiro e intenso. É, razão dos meus dias, aquilo que qualquer ser mais deseja, mais busca, às vezes mais teme, e com certeza o que mais precisa: é o amor.
E este é seu. Apenas seu.

24 de ago. de 2011

Paradoxo*


O Amor é mesmo um fogo que arde sem se ver; uma sarça ardendo sem se consumir. A voz de mil anjos aos ouvidos, queimando-lhe os tímpanos, transformando cada pensamento enraizado em pluma leve, e cada pluma leve em fortaleza firme. E a pele, a pele macia e suave, exala labaredas.
O Amor é mesmo uma ferida que dói e não se sente; esse peito aberto por onde entram brisas e temporais, esperanças dantescas e medos mesquinhos. Um alívio grande em ser cortado pela saudade desumana. Percorrer em segundos aquele caminho infinito.
O Amor é mesmo um contentamento descontente; um tráfego por paraísos que inibem e assustam de tão belos. Paraísos que metem medo de tão intensos e completos.
O Amor é mesmo dor que desatina sem doer; é receber dentro de um coração pequeno um milagre imenso, ver suas paredes esticando, rasgando, rompendo-se... enquanto dos olhos jorram lágrimas de mais pura felicidade.

O Amor é mesmo um não querer mais que bem querer; essa vontade de correr para bem longe, se for para poder vê-lo se aproximando mais e mais... com o sol dourando-lhe os cabelos, o sorriso reluzindo no rosto.
O Amor é mesmo um caminhar solitário por entre a gente; pois que tudo e qualquer coisa além dele próprio é pouco ou nada. Nenhum olhar, nenhuma voz, nenhum perfume, nenhum caminhar... nada se compara ao seu olhar, à sua voz, ao seu perfume, ao seu caminhar. Tudo além de ti é apenas ausência.
O Amor é mesmo nunca contentar-se de contente; a divina ambição insaciável. É nada, nunca, ser grande o suficiente se posto ao lado da sua presença. É alcançar o limite de uma alegria ilimitada.
O Amor é mesmo cuidar que se ganha em se perder; oferecer tudo o que as mãos e o espírito alcançam. É deixar partir tudo o que se sentiu, ficar vazio, mas ser preenchido pelo universo, ao mesmo tempo.

O Amor é mesmo querer estar preso por vontade; em braços, pernas e vontades. Um desejo de escravidão, mas que faz alcançar com as pontas dos dedos as chuvas das montanhas, os oceanos esverdeados, os céus azuis; todas aquelas bonitas faces de Deus.
O Amor é  mesmo servir a quem vence, o vencedor; o prazer em abdicar-se, de reconhecer-se ínfimo diante do milagre, é aceitar-se pequeno fazendo o máximo. É reconhecer-se servo com honra, pois serve-se a quem venceu-lhe as sombras, os medos, as dúvidas.
O Amor é mesmo ter com quem nos mata, lealdade;
pois é simples, morre-se desse Amor, e ainda assim, continua-se a viver dele.


*Construído sobre o soneto de Luíz Vas de Camões.

18 de ago. de 2011

Formosa Rosa do Deserto



Eles acompanham meus traços magros com olhares felinos, como se sentissem fome dos meus sonhos.
Meu coração se acua, se limita, e deixa transparecer alguns espinhos;
ele que prefere bem mais ser apenas florido.
Falta tanto para o fim do inverno, para o fim da semana, para o fim do dia...
Mas eu tento alcançar o que há muito além dessas frias faces feias.

Tento soprar para dentro do peito aqueles momentos em que nos amamos por entre as canções, luares, estrelas...
Aqueles momentos em que nos amamos com nossos corpos, e ainda mais com nossas almas; em silêncios, em gestos, em palavras sussurradas, em sorrisos sinceros.

Sentimos sim falta das chuvas, da terra castanha e molhada, dos nossos espíritos desempoeirados; mas digo-lhe: como lá fora cantam belas as azaleias!

Veja estas flores!

Apenas elas dentre toda criação conservam para sempre alma de criança;
Sempre ressurgem inocentes,
Reluzentes,
Intensas,
Indiferentes às estações que as cercam.
Apenas as flores são completamente puras.
Doam-se por completo, sem exigir nada em troca.

Assim sinto você, 
como aquela Formosa Rosa do Deserto, pela qual me apaixonei à primeira vista.
Isso te lembra algo?
Essa divina flor tem a coragem de desabrochar onde tudo lhe faltaria... até quem a admirasse.
Mas ela aprendeu a guardar dentro de si as poucas lágrimas que Deus derrama no deserto, e vivem desse milagre, e espalham esse milagre.
Assim o fazemos, meu amor. Nos alimentamos da luz que mantemos dentro desse relicário em nosso peito, e ela nos guia, dia e noite, um ao outro.
Juntos podemos florescer essa benção, multiplicá-la pelo mundo, 
com os outros peregrinos de deserto.

O que mais quero que saiba é que não há mais eu e meu amor por você.
Há uma fusão, intitulável e maravilhosa, que me faz enxergar pores-do-sol púrpuras e doze sóis nascendo pela manhã...
Pois meu anjo, você é a prova da existência do paraíso; 
bem aquele que mais desejei: o simples, calmo e belo paraíso.

Você...

Você que disse: “Abra sua porta para mim.”
Antes mesmo de eu terminar minha corriqueira prece implorante por sua presença.
Você que disse: “Abra sua porta para mim.”
Já estava à minha frente, vindo de tão longe, em carne, osso e claridade.
E eu digo a você: Não há porta para abrir.
O solo em que está, é solo de Jardim, e Jardim sou eu.

Você está completamente dentro de mim.

13 de ago. de 2011

Minha divindade



Há aqueles dias em que Deus encontra-se tão bem camuflado
que não o distingo da paisagem amarela desse inverno.
Colho uma flor e não sinto Seu cheiro nela.
Vejo o sol nascendo e não sinto o calor dele vindo misturado à luz.
Encontro uma criança sorrindo e quase não acredito que todos os sorrisos dela são os sorrisos Dele.

Mas até que enfim compreendo que fui eu,
em todos aqueles dias insossos,
naqueles instantes frios e secos, que me escondi de Deus.
Fui eu em que tantos momentos submergi na minha autopiedade.
Fui eu quem girei em vórtices de desejos e temores absurdos.
Eu que me esqueci: onde Deus também habita é dentro de mim.
Onde eu mais O sentirei é dentro de mim.

Pois você se aproximou, meu Amor.
Você se aproximou com seus passos silenciosos, com seu sorriso levemente desabrochado,
com esses seus olhos faiscantes,
com alma e corpo perfumados.
(Eu alcanço seus lábios, ansioso e voraz como uma criança que tenta apanhar seu mais valioso brinquedo no alto da prateleira. E você me recebe, me eleva até onde toco com minhas mãozinhas o milagre mais sutil, mais puro, mais inocente que qualquer um poderia conceber.)

Você me relembra, trás à tona, a minha própria divindade.

Você esteve, todo esse tempo, em busca da minha paz, sem saber...
Sem saber que sua existência já regia a minha, mesmo que ambos estivéssemos deslocados, em nossos mundos distantes.

Por tua graça eu encontrei minha absolvição,
minha primeira e mais bela chance,
minha fé,
minha verdadeira vida. 


Anjo que abraça minha alma*




Ao horizonte de nuvens escuras a luz sucumbe.
Crianças desenham sóis, heróis e paraísos nos muros com seus gizes de cera.
A noite chega tão bela, mas tão solitária.
A canção com seus acordes de violinos penetra em meu espírito derramando
perfume sobre minhas feridas mais secretas.
Algo voa em direção ao meu peito; faço uma oração por tudo o que ainda
acredito.
Ouso um passo além...
Tudo vai e volta para mim.
Enfim sinto paz, como se um anjo estivesse abraçando minha alma.
Pequenos sonhos e sutis esperanças por enquanto são suficientes para dar
razão à vida.
Então me perdoo por tudo o que fui e sou.
Agora e depois preciso continuar, ter algo em que depositar minha fé.
Por mais que além deste Jardim tudo pareça frio e cruel, eu sei que o amor
realmente nunca diria adeus.
E nesta noite eu apenas gostaria de ter asas... para voar atrás desse anjo que
abraçou minha alma.


* "Em meu Jardim Secreto..." pag. 106

9 de ago. de 2011

É o meu?



Chovem cinzas suaves do céu de cobalto,
Em algum lugar corações consomem-se em chamas.

É o meu?
É o meu que se desprendeu do peito de vez e alçou voo por essa madrugada que acaricia seus amantes?
É o meu que, envolto em suas labaredas divinas, flutua insano sobre a cidade; sujando suas ruas, quintais e jardins com os medos que vêm sendo incinerados?

Pois deve ser... danado que só,
bem que ele deve ter ido ao encontro de sua razão de pulsar.
Deixo, ligo não. Tem que ir mesmo.
E nem é tão longe, não é mesmo?