26 de fev. de 2014

Limpo



O que penso do passar dos dias, do passar das horas, é que me lavo, me liberto, me desfaço.

O sol, quando nasce, lentamente aos meus olhos, mas velozmente na verdade,
é um banho.
A luz que queima minha pele tão pouco sagrada, queima também o que passou.
Queima os sentimentos velhos e retorcidos, como arbustos esquecidos no meio do agreste.
Aquilo tudo vai diminuindo, se transformando, virando adubo.
É isso, passado não passa de adubo.

A chuva então, nem se fala.
A chuva é a água santa que cai naquele sábado de calor infernal.
Há até quem ore pela vinda dela! Acho isso bonito...
A chuva não apenas lava a alma, ela hidrata a alma, faz germinar coisas da alma.
Vai arrastando para os bueiros da existência aquilo que o sol não queima por completo.

As flores, borboletas e bosques são sementes, acredite.
Quando passo pelas ruas bem lisas, com as mãos acariciando o peito,
Na verdade estou plantando o que meus olhos colhem.
Quem sabe não brota?
Quem sabe não dá bom fruto?

E isso tudo porque você chegou, não cansarei de dizer.
Você chegou e me despiu da armadura que estava encravada na minha carne.
Armadura inútil, como toda armadura.
Você chegou e limpou meu espírito com belezas e esperanças.

O que dói, deixo que doa.
O que envergonha, deixo que envergonhe.
O que dizem, deixo que falem.
Pois o que amo... ah, o que amo!
Não haverá quem impeça!

25 de fev. de 2014

Há em meu peito



Há em meu peito esta rocha que esquenta e esquenta
ao ponto de escorrer pelos poros, não suor,
mas líquido em chamas, lágrimas vulcânicas.

Há em meu peito esta flor delicada,
que desabrocha em noites de atmosfera limpa,
e é sensível ao sol e à chuva.

Há em meu peito a terra boa onde foram enterrados meus avós,
e por isso há o sagrado nele.
Um relicário de honras e memórias.

Há em meu peito um baú de dores aberto
e um baú de felicidades bem trancado.
As dores deixo que apodreçam ao vento, as felicidades deixo preservadas.

Há em meu peito um rugido insano,
um incômodo som de trovão.
É teu nome que chamo.

Há em meu peito canção doce e delicada,
é para embalar teu sono de anjo...
Quero ajudar teus sonhos a velejarem calmos.

Há em meu peito um coração forte,
embora este já não seja meu.
Pois é um coração quase belo, e tudo de belo é seu.

22 de fev. de 2014

O bastante (?)


Tenho tão pouco,
Meu jardim tem quase sempre o perfume das mesmas flores,
E no meu reino tudo é tão simples...
Sou um reles plebeu, apaixonado por alguém da alta realeza. 

Mas não existe outro nesse mundo que desejaria mais do que eu
segurar sua mão agora.

Aqui a chuva cai mansa e as noites são longas como devem ser.
Há muitas estrelas no céu,
E o luar permite caminhar sem outras luzes.
Apenas os detalhes são sagrados e admiráveis...

Mas não existe lugar nesse mundo em que você seria mais amado.

Meu coração é humilde.
A força e beleza dele estão tão abaixo da força e beleza do seu.
Ainda trago medos, receios, e sonhos tão pequenos.
Meu coração é quente, tudo sente e é seu.

E não há outro que bata mais forte e com mais certeza que este meu,
por você.

Não há perfeição aqui.
Não há perfeição em mim.
Mas há o sol, e o nascer e pôr dele.
Há flores brotando das calçadas...
É pouco, tão pouco, eu sei, eu sei.
Mas há também meu abraço,
Há também minha alma, 
Há também meu amor.

21 de fev. de 2014

Há um galho florido no ipê


Hoje eu vi a esperança, anjo meu.
Ela estava no galho florido do ipê.

É fevereiro, nenhum outro ipê está florindo...
Eles apenas florescem em meados de julho e agosto,
quando o inverno é presente e eles temem a morte.

É uma árvore poética.
Diante da ameaça imposta pelo frio, pelo vento, pela aridez,
os ipês dão o que poderia ser uma última explosão de vida,
escrevem um epitáfio com flores de cores intensas,
lançam suas sementes aos ventos numa tentativa de perpetuação.

Mas eles não morrem...

Os ventos frios, inclementes e secos, partem.
A morna primavera chega e os abraça como mãe carinhosa.
Eles ressurgem.
O verde volta aos galhos enegrecidos.
Volta a sombra onde brincam as crianças.

Como disse, é fevereiro, meu anjo.
Mas há um galho florido no ipê.
Um galho amarelo de flor.
É como uma esperança amadurecendo.

É uma resposta à última grande tempestade, eu sei.
A última tempestade que castigou o velho ipê.
Tirou suas folhas, derrubou tantos de seus galhos.
Sei que temeu a morte naqueles instantes, o ipê.

A vida tem dessas...
Ela nos ataca sem chance de defesa, tantas vezes.
Que fez o ipê para que a tempestade o ferisse?
Que fizemos nós para que fôssemos feridos?

Não sei, anjo meu.
Mas sei que nossa resposta, assim como a do ipê, será florescer.
Os galhos tirados pela tempestade, 
as lágrimas que nos forem tiradas por outrem,
tudo isso será o prelúdio de frutos e sementes.

É entristecedor que antes da flor, antes do amor, 
conheçamos o sofrer.
Dói profundamente, como profundamente estão as raízes do ipê,
sequer imaginar que alguém lhe cause dor.
Mas hoje eu vi a esperança, meu amor...
E meus olhos quase não contiveram o rio abençoado de emoções que se formou.

Eu olhava as meninas, tão alheias às diferenças, sentadas à sombra.
Eu sentia o olhar carinhoso de alguém que nos ama, 
mesmo sem nos compreender.
Eu lembrava da profusão magnífica do azul e verde dos seus olhos,
E de você chegando de braços lindamente abertos até mim...
Meu coração, então, mergulhava em límpida felicidade.

Eu vi a esperança, meu doce sonho,
e ela era amarela, era bela, como as flores do ipê.



18 de fev. de 2014

Como os flamboyants...


É uma pena que os anos passem e nos tornemos consequentes.
É uma pena temermos deixar coisas para trás...
Que doce seria ter a liberdade plena!
Que doce seria não ser apedrejado por meus sonhos tão simples.

A Esperança repousa tão delicada sob a terra do Jardim.
Há chuva, há sombra, há sol, há vento...
Haverá futuro à Esperança?
Dará frutos a esperança?

É uma Esperança tão jovem e cheia de beleza!
Se bem cuidada tão frondosa será, eu posso sentir!
Alta, forte, adornada de cores e chamas!
Como os flamboyants... como os flamboyants.

Nós conhecemos todos os sentimentos.
O Jardim é vasto, como vasta é a alma, como vasto é o céu.
Aqui tudo nasceu, tudo cresceu, tudo morreu e voltou a nascer.
Mas dentre minha flores o medo persiste; erva asquerosa!

Mas o medo não se alastrará por completo.
O medo não conhece o calor do coração dos Jardineiros.
Eu machucarei meus dedos na terra seca, pedregosa.
Porém, as sementes serão plantadas, todas elas, amorosamente.

Eu não subestimo o sol e a chuva,
Eu sei que ambos dão e tiram a vida.
Mas não será subestimado meu Amor às Flores!
Não será subestimado o poder que ele tem de ajudar a germinar a vida.

17 de fev. de 2014

Anatomia sentimental


Lembro das tuas palavras, 
Não apenas do que elas diziam,
Mas como escorriam dos seus lábios,
Como eram despejadas no ar,
Como a chuva mansa após longa estiagem,
gentilmente...

Lembro do teu sorriso,
Sutil e tímido,
Como toda perfeição.
Ele projeta uma luz adiante, 
como um farol.
E eu, eu sou o barqueiro perdido em noite tempestuosa,
vislumbrando distante e vital claridade.

Lembro dos teus lábios,
Uma delicada escultura angelical.
Cada traço tão bem delineado,
Como um diamante esculpido
pelas mãos Divinas.

Lembro do teu peito,
Do som único do teu coração,
Que eu distinguiria de mil outros.
E das tuas mãos, firmes, alvas, acolhedoras.
E de tudo, intensamente,
como se ao alcance das mãos estivesse.

E acima de tudo,
Lembro da anatomia da tua alma.
Nobre, reluzente, como o sol que se esgueirava por entre nuvens.
E olho para minhas mãos; tão simples e ásperas mãos,
Questionando se há nelas dignidade suficiente para acariciar-lhe a pele de veludo...
A pele que me cobriu e aconchegou como um cobertor no árido inverno.
Mas olho minhas mãos e sinto que há nelas também calor e vida.
E com estas mãos, simplórias e fracas mãos, ouso aquecer os pontos frios do teu espírito.


16 de fev. de 2014

Quero ser


Quero te por sob meus braços.
Eu, sempre viajante de mares tempestuosos, sempre à procura de abrigo,
Quero, enfim, ser porto.

Caminhou até agora sozinho por entre tempestades,
Imagino tuas lágrimas, imagino teu cansaço, imagino tua dor.
Quero ser a casinha humilde da colina, quero ser alimento, quero ser repouso...

Os dias passam, as feras rugem, mais e mais.
O sol maltrata a delicadeza das flores.
Quero ser o jardineiro de teu jardim, por perfumes à tua janela.

Há nestes olhos, belos como a profusão de céu e mar,
Um rio de tristezas.
Eu observo, tentando retirar, gota a gota, cada resquício de fel.

Em meio às batalhas, plantaremos jasmins e orquídeas.
Em meio aos amargores alheiros, saborearemos doces frutos.
Em meio à condenação pelos falsos santos, amaremos.

Minha mão não se estenderia se não fosse de toda vontade.
Meu coração não se abriria, se não fosse totalmente.
Minha alma não amaria, se não fosse completa e plenamente.

10 de fev. de 2014

Foi ontem a primavera


Foi ontem que o sol nasceu dócil, adornado por nuvens cintilantes.
A claridade deitou sobre a cidade adormecida, lentamente.
Os fantasmas recolheram-se aos seus escombros,
As feridas pararam de latejar,
O passado repousou, inerte, sobre as relvas orvalhadas.
Decretei que fosse impedida a presença que qualquer medo, qualquer vergonha.
Era minha Primavera que desembarcara no meu peito, em pleno verão árido.
Minha sagrada Primavera, que tornou as ruas macias como algodão e perfumadas como os bosques após as tempestades.

Foi ontem a Primavera...
Mas já tanta saudade sinto da Flor Perfeita.
Pétalas aveludadas, perfume suave, beleza magnânima... 
Foi ontem minha amada Primavera,
E eu, tão humilde jardineiro, ando pelos canteiros da memória resgatando cada instante.
Foi ontem minha sempre esperada Primavera,
E hoje o que há nas avenidas é o sabor amargo do verão e da ausência.
Mas foi ontem... minha primavera.
E dentro do meu peito repousa a mais sagrada das sementes, 
O filho soberano, fruto da nossa tão veloz quanto intensa união.
Dentro do meu peito repousa o Amor. 

9 de fev. de 2014

Tão próximo


Faço traços no ar como que desenhando as linhas do seu rosto.
As linhas de um relicário sagrado pelo qual meus dedos deslizaram... 
Eu tento reconstruir com mãos e memórias o fragmento da perfeição divina que esteve diante do meu toque.
Mentalizo seus lábios, o contorno perfeito deles e a forma tão bela que eles tomam quando sorri, como uma escultara muito trabalhada.
E entre todas as palavras, tantas palavras, nenhuma seria digna de qualificar a beleza dos seus olhos...
Com isso, minha mente perpetua sua expressão indescritivelmente perfeita.

Eu tento reconstruir você, agora que está tão distante novamente.
Eu deixei em meu coração, impresso como uma tatuagem, sua poesia ao partir:
"Agora que minhas mãos tocaram você;
Agora que meus olhos olharam os seus;
Agora que meus lábios beijaram os seus,
Como suportarei a distância?"

O caminho é longo, meu raro e único anjo.
Longo como é a vida...
Mas lentamente a vida vai passando, e o caminho que nos distancia também.
Se não ousarmos ser quem nós somos, o caminho não será trilhado, mas a vida passará sem misericórdia.

Mas não se importe com minhas palavras, não tanto.
Importe-se com a forma com que meus olhos rendem-se ao seu esplendor.
Meus olhos, calmos e silenciosos, que buscam você em todas as coisas,
São como as nuvens pacíficas que lavaram os ares e as estradas antes da sua chegada.
Mesmo distante, meu olhar estará perto, 
Admirando e guardando o novo e imenso sentimento a que demos vida.


7 de fev. de 2014

Você se aproxima


Você se aproxima,
E os medos vão voltando para dentro do guarda-roupas.
Você se aproxima,
Como o sol ressuscitando das montanhas no horizonte.
Você se aproxima,
Como a noite que deita seu véu negro na cidade silenciosa.

Você ilumina,
Como o belo e delicado luar.
Você brilha,
Como as estrelas que povoam o céu quando a escuridão é mais intensa.
Você dá cor à esperança,
Como as nuvens solitárias que prometem à terra um banho reconfortante.
Você dá vida aos meus olhos,
Eles enxergam uma nova vida nascendo hoje.



3 de fev. de 2014

Você não sentiu tudo


Eu já senti tudo; já senti as lágrimas e os sorrisos de árvores e crianças, e já dancei com elas nas brisas primaveris.
E senti uma fração do ódio dos Homens que crucificaram sua mais doce
salvação, e uma faísca do Amor daqueles que tentam iluminar o mundo.
Eu senti parte das dores de muitas vidas que terminaram antes do final, e
estive lá para ver o dia em que a esperança ressuscitou.
E já senti o toque dos anjos e o gosto dos demônios; não sei o que mais eu careceria sentir...
(Você já sentiu a maresia ou as ondas quebrando nas suas pernas?)
Eu fico satisfeito em dizer que já senti muitos banhos de chuva...
(Já sentiu o abraço da pessoa com a qual irá passar o resto dos seus dias? O cheiro do lar onde você terá sua felicidade?)
A simples existência dos sonhos também alimenta a alma do Homem.
(E o amor? Você já sentiu o Grande Sentimento?)
Todo sentimento é grande se o coração não for mesquinho...
(Eu sei que você nunca sentiu que havia chegado onde queria...)
Sim, eu senti! Apenas precisei voltar ao começo novamente.
(O reconhecimento? Um minuto que fosse de glória?)
Isso, com toda certeza, não faz de ninguém alguém melhor.

Eu sorvi as luzes da cidade e degustei a escuridão dos Homens.
Eu senti a doçura da paz e a obscenidade da guerra.
Eu senti o forte e o frágil.
Eu senti o que desejei e o que precisei sentir.
E se isso não for o suficiente; eu continuo sentindo tudo que fui e já sinto tudo o que serei; não existe mais nada que eu ainda precise sentir.

(Você pensa ter sentido tudo, mas sei que ainda lhe dói o vazio; você é como o oceano que suporta qualquer coisa sem variar seu volume. 
Sei que você sentiu o que desejava e até o que não era capaz de suportar. Sentiu amor pelo claro e pelo escuro, pelo ínfimo e pelo imenso. Mas eu digo: sei de tantas coisas que você não ainda pôde sentir. Agora mesmo começa florescer outra bela primavera em seu Jardim... 
Você ainda não sentiu nada.)


De "Em meu Jardim Secreto..."

1 de fev. de 2014

Estrela Ascendente


Alta madrugada, vestida de um silêncio profundo.
Aconchego-me na escuridão, em seu colo macio, em seu perfume suave.
Mas Morfeu não me toma em seus braços delicados,
Os olhos não cerram, ao contrário:
De ambos escorre líquido divino, uma materialização da gratidão.

Entrego-me a imaginar o primeiro toque em sua pele...
A velocidade da sua respiração e do pulsar do seu coração.
Seriam minhas mãos macias o bastante para acariciar a tão nobre textura que reveste seu corpo?
Seu corpo... um relicário.
A fortaleza que guarda inestimável tesouro: seus sentimentos, sua alma.

Fui então ter com as estrelas.
Daqui, tantas, tão pequeninas e belas.
Foi quando pela primeira vez nesta vida vi uma estrela ascendente. 
Ela não caia como as demais, mas subia, do horizonte rumo ao firmamento.
Um sorriso jorrou em minha face trazendo à minha boca o sabor da esperança.

Você repousa agora, quase tão distante quanto as estrelas.
Talvez esteja segurando minha mão em algum sonho leve...
Não serei tolo de achar que posso segurar a beleza e a felicidade para que nunca partam.
As borboletas só pousam em nossos dedos se formos muito gentis com elas, e mesmo assim, sei que elas pertencem aos ares.
As estrelas, cadentes ou ascendentes, só são vistas na escuridão absoluta... e por tão veloz momento.

Contudo, ainda assim, é completamente válida a paciência gasta com as borboletas.
É completamente válida a espera pela madrugada plena, onde as estrelas florescem com toda intensidade.
É válido ressuscitar a fé adormecida, fazer germinar a semente que repousa esquecida no solo úmido.
É válido esperar com o coração sorrindo sua chegada, mesmo consciente da partida.
É válido permitir a entrada do amor... 
Que ao contrário das borboletas e estrelas, 
certamente não irá embora em um instante.