26 de mai. de 2021

26/05/2021

 



Eu me lembro de quando o último amor se despediu Digno, honrado. Era uma manhã de domingo em que se fazia silêncio e calmaria como se faz hoje. 

E por anos tudo o que eu tinha era essa despedida, na verdade, essa ilusão da perda do que nunca se teve.

Então eu procurei perder novas coisas para sofrer por elas, e as perdi, o sofri por elas também,  enquanto eu fingia que era o bastante substituir velhas tristes canções por novas canções ainda mais tristes, velhas orações por novas súplicas, velhas roseiras por novos canteiros que custam a florescer. 

Aos poucos eu fui vendo a vergonha ser substituída por um amigo ainda mais desagradável. O medo bateu ao portão um mês após o último pecado, debochando e abrindo caminho para o que viria no ano seguinte. 

Mas mesmo assim eu fui insistindo e desistindo uma centena de vezes. Sentindo um quase prazer em vagar sozinho depois que as luzes se deitam. 

Meus olhos se acostumaram ao vazio e minhas palavras se conformaram bem com a própria falta de sentido. 

Então eu tento deixar fluir... As palavras, os dias, o peso dos tempos com suas novas cruzes. 

E quando choro, se choro, por todas as máculas e fraquezas, é para adubar o solo do perdão e da esperança. 

Sim, esperança... Esquecida e necessária em anos frágeis. 

Então os anjos me dizem: viveremos para falar desses tempos e ainda me respondem: eu te amo mais!

E respiro em alívio...

A vida é sim forte, e permanece linda.

25 de mai. de 2021

25/05/2021


Por alguns passos pelos caminhos do presente mas mergulhando em outroras, quando o sonho do amor ainda tinha o aroma inofensivo de sonho apenas, quando havia inocência demais para restar algum vão para o medo, quando a escuridão da noite era macia e repleta de um sagrado e raro encanto, ouve-se do sempre aberto coração cantigas doces de paz e redenção. 
E talvez ninguém creria no tanto de luz e calor que repousa abaixo das cinzas das expectativas incineradas, ninguém creria no tanto de vida que adormece feito semente abaixo da pele áspera do solo da lucidez, mas tudo ali ainda está. E pulsa. 
E todos os anjos e fantasmas, e todos os anjos que se tornaram fantasmas, e todos os fantasmas que já não oferecem tanto perigo, tentam ainda me trazer a salvação ou me atar aos dias impuros, enquanto eu só diminuo os passos e observo as estrelas que ainda não adormeceram para sempre. 
Pois insisto na ousadia de sentir o perfume da esperança que desce das árvores frias, imensas, banhadas em claridade e em trevas, como eu. 
E é isso então uma rápida trégua, o banhar-se num pequeno oásis como sempre desprovido de muito sentido, mas que está sempre transbordando significados.

24 de mai. de 2021

25/05/2021

 


Resta uma quase vaga lembrança da poesia que se escondia em imagens sem muito sentido, em palavras sem muito sentido, em amores sem muito sentido, 

Embora nem mesmo quando as ruas são escurecidas pelo vazio e pelo silêncio seja possível fingir olhando rosas comuns pelas calçadas que nestes dias cintila algo dos velhos dias. 

Não há saudade forte o bastante para construir uma ponte, uma via, uma trilha a qualquer lugar onde habitava algo belo e leve, embora tão frágil. 

Todos aqueles momentos em que havia felicidade e as luzes brilhavam tão fortes agora se parecem com teatralidades sem alma que evanescem após o veloz fechar das cortinas... 

E apenas eu ainda cavo a terra estéril de mãos nuas semeando uma primavera que não chega, não chega.

Quem sabe ainda seja muito esse pouco que resta, me diz um coração gentil. Uma insistência sutil, uma tentativa delicada de criar algum encanto com ingredientes escassos e de pouca raridade; gerar ao menos pequenos fragmentos de instante em postura de resistência e beleza, enquanto as cortinas não se fecham para sempre.

19 de mai. de 2021

19/05/2021



 Uma pequena claridade em um horizonte ainda distante, o outono esvaziando as ruas e envolvendo o corpo com sua brisa não tão gélida, a miragem de um sorriso ainda escondido por camadas grossas de realidade e distância... os poucos preciosos corações que ainda se deixam tocar por palavras mal esculpidas, repetidas, gastas; um pouco de beleza escondida por entre escuridões verdadeiras e luzes artificiais, e a canção sobre tolerância, e os pés firmes, e as pernas sóbrias, seguindo o mesmo caminho em círculos, o olhar enriquecido com uma leve lente de poesia. Tudo isso, toda essa forma torta e bonita de ter fé, de ver nas estrelas mais que grandes incandescências, é uma espécie de mergulho em um oceano que não foi contaminado com saudade ou ilusão. E o aroma da noite de alguma forma diz que se aproximam dias em que além de resistir, será possível talvez até sonhar, mesmo sendo difícil antever o milagre enquanto não cessam os desmoronamentos. 

Sim, fantasmas ainda rondam, eu sinto. Mas não preciso que murmurem maliciosamente os meus pecados de novo e de novo. Conheço cada passo em falso, cada mácula, cada heresia... são desses e de outros velhos lamaçais que hoje colho os lírios para adornar o altar da pureza e da esperança. 

17 de mai. de 2021

17/05/2021

 


O cheiro forte do café e o vento que faz dançar as árvores trazem algum encanto daqueles idos dias leves. 

Eu me lembro de quando os galhos retorcidos e floridos do ipê rendiam poemas ao amor distante, enquanto as crianças corriam descontroladas, repletas de vida e felicidade pelo pátio agora vazio e silencioso. 

E realmente não é muito... o perfume, a luz que atravessa as folhas que dançam, o vento, os resquícios de memórias adocicadas e os pequenos lampejos de fé; não é muito para que se alimente a esperança e a faça forte como um dia fora. Mas hoje, diferente do ontem e do ontem a ele, é perceptível que no âmago mais profundo algo de Belo tem sobrevivido, ainda que raramente seja capaz de vir à tona.

Talvez persistir já seja uma vitória diante da fragilidade da vida, diante de todo desamparo. 

Talvez isso seja mais um lamento, uma fuga, ou talvez seja uma oração de sincera gratidão. 

Se dias melhores estão por vir, ninguém sabe, mas hoje há tudo isso que é tão pouco, e ao mesmo tempo é tanto, soprando junto ao vento e secando as lágrimas que não podem ser impedidas de cair. 

7 de mai. de 2021

07/05/2021

 


Na mesma semana em que as luzes começaram a derreter de suas fontes e uma bruma de falsa beleza tenta levar a cor das flores que ainda insistem e brilhar, o sorriso, já há tantos meses oculto, perde mais uma razão de se fazer. 

Mesmo os mais ingênuos poetas continuam tendo receio de falar em esperança... Como culpá-los? 

Talvez até os profetas e os santos tenham perdido a trilha que os levaria para a salvação em algum momento, assustados com o que viram do passado e com o que previram do futuro. 

Mas há sim essa canção dizendo que você vai ficar bem, porque é isso que você faz. Você conserta as coisas quando não consegue impedir que elas se quebrem. 

E tudo bem sobre seu receio ao olhar essa grande nuvem escurecida, tudo bem questionar a firmeza dos pilares que sustentam o universo; mas sem esquecer que o amor nunca deixou de construir um abrigo quando as nuvens se transformam em tempestades, e o abrigo, por mais simples que fosse, nunca ruiu.

1 de mai. de 2021

01/05/2021

 


Não deixa de ser como se toda noite os mesmos cansativos fantasmas trouxessem para debaixo do cobertor meus não tão velhos pecados que ocupam mais espaço do que talvez mereçam ocupar. 

E não há mais a luz de qualquer você escorrendo pelas rachaduras que se abrem nos dias, apenas há uma brisa fria fluindo pelas frestas que já não se fecham mais. 

E não posso culpar mais nenhum adeus, não posso sentir falta dos lugares e sentimentos que não me pertencem mais, ou das falsas promessas que não me serão feitas outra vez. 

Não pude ser algo tão bom quando alguém já pensou que eu poderia ser. Haviam tantos incêndios, tantas mãos, e o medo, o medo que no máximo só fingia às vezes partir. 

Mesmo estando dolorosamente sóbrio, nada está claro... Pode ser que seja mais um lamento, mais um pedido delicado de socorro como sempre inaudível, o lapidar do que sobrou de emoções bem pouco preciosas. 

Em quais tempos falar da esperança senão nos piores? 

E quais versos adocicar para dar algum sabor ao que já perdeu o significado? 

Quais palavras usar para não deixar partir a memória dos meses mornos em que olhávamos o sol dourando o caminho como se ele fosse seguro e infinito?

Não haverá um "mas" desta vez. Ou uma vírgula. Ou um talvez. Ou uma reticências. Ou um sentido. 

É apenas um esforço para que a rendição ao silêncio que se aproxima não aconteça tão cedo. 

Mas talvez, talvez... Consigamos nos perdoar pelos pecados que não soubemos como não cometer. 

Talvez em breve estejamos a salvo e nos banharemos em mais do que restos de claridade.