31 de dez. de 2014

Translação


Talvez fosse um dia especial,
Numa tarde especial,
Iluminada por um sol especial.
Mas eu apenas vago sem firmar os pensamentos.

Todos repescando esperanças, sonhos, desejos.
E eu ando na mesma pedregosa e poeirenta estrada
Onde pequenas memórias ainda sobrevivem imersas em doces aromas.
Não foi pouco sobreviver a esta volta completa do mundo...

No último sonho da última noite, estava ali:
O sonho maior. O único sonho ainda conhecido.
Impossível, irrealizável, 
Puro demais para alguém tão primitivo.

Mas o coração insiste em fazer ouvida sua voz.
Canta, chora, clama, se rebela.
E eu vou sucumbindo aos seus devaneios,
Como sempre foi e sempre será.

Que parta junto da luz do dia as expectativas quanto ao amanhã.
Naqueles dias em que não existia futuro nem passado,
Eu velejava... Uma criança mágica.
Mas partiu a infância, o tempo já ruge. Implacável. 

30 de dez. de 2014

Oculto


O que sobra
Quando todas as luzes partem
É o que sou?

O que existe
Quando a esperança se instala
É o que sou?

O que luta
Quando as sombras passadas ressurgem
É o que sou?

O que queima
Quando o coração volta a pulsar
É o que sou?

Talvez um reles fruto das circunstâncias.
Uma reação. 
O congelamento da espinha após o susto...

Talvez uma mera consequência.
Mas é pouco.
O que de fato existe é grande, imenso para caber nos olhos.

29 de dez. de 2014

Quimérico


Todas as respostas flutuam na atmosfera ao redor.
Uma atmosfera morta, fria, escura,
Repleta de ânsias, desejos, sonhos em pequenos pedaços afiados.

Anjos e demônios correm por perto, livres.
Construindo e destruindo, amando e desprezando. 
Às vezes são tão parecidos...

De alguns dos cortes nasceram flores,
Das flores nasceram pequenos frutos;
Talvez doces, mas que não são eu.

Eu sou a criatura quimérica de raízes profundas,
De asas imensas, de natureza pacífica e coração revolto.
Cravado no chão, dançando ao vento.

E na sombra que projetam minhas utopias, alguns descansam.
Mas quando é noite, quando a luz falta e nenhuma flor é vista,
Todo e qualquer vivente parte, e sou só com a terra e com o céu.

Mas em silêncio, enquanto até a vida adormece docemente,
Preparo com esmero minhas pequenas sementes.
Sementes aladas, quase tão leves quanto o ar.

Pela manhã, ao soprar da primeira brisa, lanço-me em fragmentos...
Alguns pousam em espinheiros, outros em terra morta,
Mas alguns, raros alguns, pousam em corações não muito distantes.

Então o velho eu seca, esfarela, despede-se.
Pequenas raízes e frágeis asas mais uma vez desenvolvem-se...
Renasço, junto das velhas companheiras: angústia e esperança.

23 de dez. de 2014

Meu Sentir diz


Como eu diria que são válidas minhas cicatrizes?
Se nem sei onde estão, que cor elas têm, quão profundas são...
Como eu prometeria o paraíso?
Se da angelitude nada conheço, nada possuo...
Como eu ofereceria a força?
Se sou composto de flores tão humildes...

Mas se estou aqui, se os olhos ainda marejam diante do Belo;
Deve haver algo mais.
Além da noite escura, do corpo frágil, do espírito partido,
Há algo.
Meu Sentir, a parte mais pura e confusa, 
Diz.

Já não me assombra a proximidade dos demônios
Nos longos pesadelos da madrugada.
Já não me apavora a escuridão, nem me ilude a claridade.
E ainda que aquele sorriso nunca reflita em meus olhos,
Agora sei que a esperança sempre será meu solo,
Meu cobertor.

Já levaram tanto...
Um relicário destrancado, vendo tesouros se perderem.
Quem sabe enfim seja hora de enxergar que podem levar luzes e sonhos,
Mas não podem levar o que emite a luz, o que fabrica os sonhos.
E ainda que sejam luzes ínfimas, sonhos mínimos, 
É de mim que partem.

21 de dez. de 2014

Recém-nascido outra vez


O coração não há muito sepultado
Reivindica novamente a vida que lhe pertence.
E ainda que com mãos impuras, ásperas, 
O recolho carinhosamente de sua sepultura fria.

Ainda que a luz do dia ameace estar tão distante,

Ainda que mesmo sem a chuva os raios continuem despencando;
Eu o lavo com lágrimas de alívio, eu peço que volte a pulsar,
Devolvo-o ao meu peito fraco, mas ainda quente.

Nenhuma promessa floresce no jardim silencioso,
Mas as rosas continuam a perfumar a noite solitária.
Se eu fechar os olhos quase posso sentir a esperança me acariciar,
Posso sentir meu bom e velho sangue correr e bailar pelo corpo.

Talvez eu apenas esteja vivo 
Porque acredite que a manhã logo vem;
Porque acredite que de longe, talvez das franjas do mar,
Algum Sonho pensa no meu nome.

Mas estou vivo.
Estamos vivos.
Outa vez.
Eu e o velho bobo coração.

17 de dez. de 2014

Rei Vermelho


Bendito sal que escorre dos olhos e
Fertiliza a terra das roseiras.

Benditas todas minhas mortes.
Em sua maioria, pelas causas verdadeiras, puras.

E não serão os sorrisos ou os urros que levarão o vermelho das rosas,
Ou o vermelho deste sangue ordinário,
Ou o vermelho das pequenas flores que morrem tão jovens.
O Rei Vermelho ainda pulsa, e não dá sinais de abdicação.

Danço junto ao meu desiquilíbrio,
Danço junto à canção que não deve ser ouvida.
Se me vê como covarde, saiba que amei.
Tal coragem nem eu sabia que tinha.

Cada lança cravada na alma faz de mim criança em desamparo,
Mas ao sair, ao partir, leva uma casca grossa, armadura inútil.
Cada dor que me tira a esperança me deixa mais humano.
E depois que a mágoa cessar sei que serei todo gratidão.

14 de dez. de 2014

Oásis


Pra onde vai, Esperança?
Quem nesta terra de sertão te chama pelo nome?
Apenas diga, depois vá...
Voe, como criança pura e pássaro inocente.
Você é meu melhor, e meu melhor não me pertence.

Eu sei que nunca morreu,
Pois o Amor que te alimenta vem de fonte inesgotável.
Pode ser envenenada por mão mentirosa, 
Mas a água cristalina rebrota, rebrota e jorra límpida de novo.
É como canção infinita: pode desritmar, mas não termina é nunca!

Vem noite, vem dia, vem calmaria, tempestade de verão...
Mas a morte não toma meu peito, não.
Bebo do cálice até a última gota,
Pois a última gota é doce e cura o amargor e o veneno
Das tantas gotas que a precederam. 

Vai esperança, faz ninho, faz morada,
Depois manda notícia.
Teu silêncio é que me apavora,
Teu riso e teu choro,
Não.


13 de dez. de 2014

Precipitação


Quase não recordo daqueles velhos dias,
Havia a água que caía e toda aquela calmaria.
As batalhas sessavam, o sangue era lavando,
Deixando os campos verdes novamente.

Mas tudo volta para o lugar errado,
Como um labirinto, que nas noites de pesadelo
Se move, se modifica, cria novas armadilhas.
E não, não restam culpados.

Como desejar que ame algo
Que nem eu sou capaz de amar?
Como pedir que esteja aqui
Quando nem eu quero estar?

Vai, mergulha no vento e na tempestade.
Gargalhe de medo e loucura. Erre.
Pois alguns erros são mais puros e abençoados
Que alguns acertos.

Talvez, quando todas as ilusões passarem,
O que restar seja realmente eu.
E talvez eu goste do pouco que sobrar,
Como uma mínima pedra preciosa, livre do cascalho.

Apenas perdoe minhas precipitações.
Como a chuva, minhas alegrias e tristezas
Também desaguam.
Choram ao sonhar com o sol.

Apenas perdoe minhas precipitações.
Como a chuva, eu também escorro
Por entre flores e escombros,

Pela vida e pela morte.




12 de dez. de 2014

Desatino


O silêncio torna todas as flores,
Algum dia belas, perfumadas,
Em esculturas afiadas de vidro incolor.

Tanta coisa petrificada, sem vida.
E embora me mova, embora corte meus pés e mãos nas pétalas,
Também estou frio, endurecido.

E os poemas mais ardentes de amor 
Só seriam úteis agora se eu pudesse
Em suas chamas aquecer o peito amargo.

Mas chove toda a água que faltou no ano...
Mas dói toda dor em proporção a toda alegria.
E dentre todas flores mortas, é da Paz que mais sinto falta.

Eu não posso me livrar desses caminhos que agarram meus pés.
E enquanto por eles sou levado, me pergunto como pode
Um coração morto ainda ter esperança.

Antes morresse por completo,
Antes nada tivesse sentido,
Antes nada tivesse vivido.

A menina e o vento


Toda dor que veio, toda dor que ainda virá;
Por elas prossigo.
Toda luz que veio, toda luz que ainda virá;
Por elas agradeço.

Como aquelas mãozinhas acariciando o vento,
Acariciei sonhos.
Fiz dos olhos, nascentes.
Mas veio estiagem, veio desespero...

Sempre vem.
Mas certo dia um alguém viu minha face ao comprar flores.
Então a nascente rebrota... um fino fio de esperança passa pelo espírito,
Regando o Jardim quase morto da alma.

Como aquela menina, toda feita de pureza,
Não perderá jamais o vento de suas mãos,
Pois sabe que não o possui;
Também eu não perderei o Amor.

10 de dez. de 2014

Ícaro


Era linda a Terra lá de cima.
Nas tardes, o sol transformava tudo em um mar de ouro,
Nas noites, era como ter o universo penetrando por todos os poros.

Não há mais voo...
Certa feita, como Ícaro, ao me aproximar demais do Sol,
Derreteram-se as belas, amadas asas.

Após a veloz e assustadora queda,
Percebi que o sabor do solo permanece o mesmo.
Nos encontramos novamente, eu e a terra.

Ainda estão sobre ela as lágrimas de alegria que derramei lá de cima.
De minha chuva floresceu um humilde jardim,
E o jardim me acolhe.

Agradeço por minhas asas de ilusão.
Por poder alcançar alturas tão magníficas.
Mas talvez meu lugar seja no chão, com as flores.

E não prometo não lamentar a falta das alturas,
Do calor do sol.
Mas há encanto aqui embaixo, junto a estas miudezas tão bonitas.

8 de dez. de 2014

Retrato


Não restam retratos,
nenhuma fotografia, 
nenhuma palavra,
nenhum sonho.

Falo com uma imagem muda,
roubada pelo silêncio,
pelos quilômetros,
pela dúvida.

Falo; relembro histórias
como só os idosos deveriam fazer;
numa fase em que lembrar é doce,
é provar que se viveu.

Quem está do outro lado?
Alguém amado?
Ou meu próprio reflexo vago,
Inexistente?...

Não restam objetos,
esperanças,
expectativas.
Resta o Amor, que é maior que tudo.

Sol


Então é esta a flor sem nome?
Imensa, exuberante, mortal.
Então, será isto o amor:
Uma sequela?

Quando criança, por tantos anos,
Ansiava a noite para poder voar.
Sonhos tão distantes, passados remotíssimos...
O que agora posso aguardar?

O galho já ressequido do ipê
Não comove mais.
Apenas eu ainda lembro de suas flores atemporais.
E eu aceito a minha absoluta não aceitação, 
Como aceito amar a Deus sem nunca ouvir Sua resposta.

Então, será isto o amor:
Uma fé? Das mais fortes, das mais doridas?
Porque os olhos não mais veem, as mãos não mais tocam
Os ouvidos não mais ouvem, os lábios não mais saboreiam... 
Mas ele persiste, dependente, como a Terra do Sol

Jamais próximos.
Jamais distantes. 

6 de dez. de 2014

Tarde



Sei que está viva, a poesia.
E se me doem os ossos, não é por perder o que é tão amado,
É pelo egoísmo de amar errado.

Amar para mim,
Para minhas mãos,
Para meu peito frio.

Como se a tarde,
Explodindo em sua luz/sombra,
Fosse para meus olhos, e não para os olhos do mundo.

Como se o Amor fosse ar e água,
E não a flor delicada que desbrocha na manhã macia.
Tão frágil pétala, tão intensa beleza, tão passageira vida.

Bendita seja esta dor, este desespero, esta ânsia,
Pois são filhos da boa vontade.
Filhos de uma pureza desconhecida até então.

Rendo graças, meu Deus,
Ao punhal cravado em meu peito.
Não fosse assim, talvez eu nunca soubesse da existência do coração.

5 de dez. de 2014

Santuário



Os suspiros fantasmagóricos que dos meus olhos sugam lágrimas,
São brados de um coração à beira da morte... à beira do precipício.
Suplicando uma alva e macia mão que não existirá mais...

De que me servem olhos que para a verdade se fecham?
De que me serve um céu, se contemplo estrelas mudas em solidão?
De que serve o luar, se transforma flores em sombras que me amedrontam?

Meu santuário é um cárcere.

De que serve o sol, se nas horas de pavor não sinto sua luz?
De que serve a noite bucólica e bela, se apenas eu nela existo?
De que serve a mais bela memória, se só dor me oferece?

Meu santuário é uma ruína.

De que serve minha fé, se nenhum Anjo responde à minha voz?
De que serve flutuar, se tudo no mundo aparenta estar submerso?
De que serve a palavra, se o fim já colocou o ponto final.

Meu santuário está adoecido.

Se despertasse minha força, apenas a Deus eu temeria.
Se a alma não fosse escrava do sentimento, seria mais poderosa que a harpia.
Se já não fosse tarde demais, eu começaria tudo de novo.

Meu santuário é o Amor.
.

Marionetes


Abraçado a palavras que não serão úteis.
Como lâmpadas de natal queimadas.
Tudo fechado, trancado, seguro...
Ninguém entra, ninguém sai.

Mas não desdenho ou detesto a dor.
Quando todo resto parte, ela permanece.
E ao contrário dos que se dizem bons e eternos.
Ela penetra fundo e prova que estou vivo.

Nessa comédia cruel, nos arrastamos, dançamos,
Consolando nossa indignação em estar nesse palco imundo,
Acreditando que tudo é um teste,
Que tudo terá algum tipo de recompensa.

Marionetes vivas e carentes,
Apaixonadas pelas mãos que as prendem,
Apaixonadas por outras marionetes que jamais serão livres,
Apaixonadas pela liberdade que jamais virá.




Palavra lágrima


Resta escrever...
Também chorar.

Escrever para dizer que sinto falta da fé que partiu,
Mas que eu ainda sinto coçando às vezes,
Como um membro amputado.

Chorar de vergonha pelos meus tantos pecados,
Pela minha mesquinhez e egoísmo.
Por essa fome estúpida de felicidade.

Escrever para o amor que partiu,
Mas que um dia esteve e um dia leu minha alma,
Que hoje já não tem olhos de me ver.

Chorar pelos três botões negros,
Que darão três belas rosas vermelhas,
Que apenas eu e os passarinhos admiraremos.

Escrever para agradecer a gentileza daqueles que um dia magoei,
E hoje dizem me querer bem,
Ainda que não seja verdade.

Chorar pela vida que dói como o inferno,
Mas às vezes é tão bonita,
Me comove.

Escrever para aquele ser mais frágil que eu era,
Dizer que sinto muito por não ser tão mais forte hoje.
Apenas troquei os fantasmas...

Chorar porque a alma é cansada de ser tanto e ser tão pouco,
Lavar cada parte dela,
Fazê-la viva de novo.

Escrever para me provar que um dia estive aqui,
Que um dia amei,
Que um dia senti.

Em defesa do poeta


Recrimina-se o poeta por seu amor à Rosa.
Amar o Belo é não exige esforço...
Pétalas aveludadas, perfume macio, cores doces.

É fácil amar o botão negro-escarlate,
Que desabrocha na manhã seguinte à tempestade impiedosa,
Repleto de magnânima vida.

Considera-se fútil, vaidoso, mesquinho, o poeta.
Como não idolatrar o que aos olhos é um afago?;
Aquilo que da face casmurra faz jorrar um sorriso brando?

Mas e a terra escura, suja, pedregosa, podre,
Quem ama?
Quem acaricia?

Da dor, que sabe ele?
Perdido em devaneios fabulosos, floreados...
Ao menos sobrevoa a vasta miséria azeda do mundo?

Injustos...

É de osso e espírito, o poeta.
E ao desabrochar da Rosa, precederam as mãos na terra,
Acariciando, moldando; nutrindo com lágima, sangue, sonho.

Deixa o poeta se alegrar com a frágil Flor...
Deixa...
Não é um iludido, e ainda que fosse, não o seria sem bom motivo.

Com dureza, dizem: amais o que é amável, o que é fácil!
Com carinho, digo: amais porque conheceu a profunda escuridão.

Pois a uns é dado o dever de denunciar o horrendo,
A outros, o de exaltar o divino.

4 de dez. de 2014

Receba

Não negue as batidas em sua porta,
pequena alma ferida.

Se bate a dor, com memórias reluzentes
de dias que não mais existirão, receba.
Dá-lhe repouso, bebida e comida. Receba-a.
Porque acompanhada à dor, vem a saudade;
e a saudade, ainda que tão solitária e fria,
é tão bonita.

Receba-a em aconchego e ria e chore de suas histórias,
porque atrás da saudade vêm a esperança.
A esperança... sempre tão doce e frágil.
Bela como as flores que só desabrocham em manhãs frescas.
Recebe também a esperança, esta velha e conhecida amiga,
que parte, mas retorna, como todo bom amigo.
Porque atrás da esperança vem a fé.

E a fé, tão quente e firme,
abraça-o como a mais amorosa das amorosas mães.
Aceita a entrada da fé pois só com ela presente, a vida ousa se aproximar.
Aceita a vida...
Porque a vida é bela, mesmo com suas tantas mazelas.

A vida é bela pela manhã, quando as abelhas roubam o néctar das flores roxas.
É bela quando uma palavra de conforto brota do silêncio sepulcral dos dias.
Permite a entrada da vida... pois apenas vivo se ama,
E apenas amando se vive.

2 de dez. de 2014

Oração


Se deito lágrimas aos teus pés,
não as negue.
Porque dos Homens pouco espero,
mas de ti, poesia, ainda rogo alento.

Quem mais aceitaria meus traços feios?
Quem mais amaria criatura tão ordinária?
Quem mais daria colo e amparo,
como pobre mãe que apenas o coração tem a oferecer?

Fui arrogante, bem sei.
Usei-te para dizer: "Eu amo!"
E o amor zombou-te por tua simplicidade, 
por tua ingenuidade.

Fica, eu peço.
Não parta...
Pois tudo se parte e nada quer chegar.
Vem comigo por este caminho esquecido, solitário.

Acompanha-me como anjo misericordioso,
Invisível e manso.
E ainda que não possas evitar meus tropeços,
mostra alguma beleza a estes olhos cansados.

1 de dez. de 2014

Essência


Quando todos partem, quando tudo se parte,
Resta a noite com sua poesia muda,
Que só aqueles sem ouvidos podem ouvir.

Mesmo na escuridão, sei onde estão as rosas,
E as rosas sabem onde estou.
Perdidos, todos nós.

A esperança não morreu, como tanto pedi.
Seria tão mais fácil...
Tão mais fácil ser seco como a seca realidade.

Mas não.
A luz da lua, das estrelas, me convoca,
Atiça fagulhas quase extintas de sonho.

E eu quero voar...
Deus... Depois de tão alto ter chegado,
E de tão profundamente ter mergulhado no concreto morto:

Eu quero voar.
Quero o calor dos aromas e dos olhares,
Quero aquele abraço que jamais deveria querer.

Vai além da estupidez e da inocência
O sentimento que ainda persiste:
É essência.

É pouco e é tudo o que sou.
É pouco mas é tudo que tenho.
Sou eu.

Dezembro


Na rocha fumegante que se fez o peito,
A bala, a espada, o soco, o sopro,
Não penetram.
Apenas a calmaria fará morada.
É bem-vinda, respeitada.
Como a palavra doce, oferecida sem contrato,
Sem medo, sem destrato.
O afago belo, discreto, distante.

Não se finca no espírito,
Como flecha envenenada de mentira e ilusão,
A indiferença friorenta, tão abundante.
Transpassa. Fere e passa.
Parte, e no túnel de angústia deixado,
Flutuam borboletas brancas e delicadas,
Despreocupadas de sua transitoriedade. 

É o fim, não é? E eu enfim agradeço.
O que poderia ser ceifado, o foi,
Sem misericórdia.
O pranto que poderia escorrer,
Brando e morno,
Desaguou,
Como cachoeira bonita de cerrado.

E como após todo fim: começo.
Cavo a terra pedregosa com mãos nuas.
O sangue dos meus dedos fertiliza o solo árido.
Lentamente aprofundo o alicerce de nova esperança.
Após as tempestades 
Levanto as rosas encharcadas.
Após a queimada 
Aguado os novos brotos.
Após a morte 
Respiro novamente.

30 de nov. de 2014

Ser como rosa


Se há beleza, externa.
Dá aos cansados, feridos olhos, um pouco de carinho.
Se há perfume, exala.
Dá à surrada, exausta memória um instante de conforto.
Se há transitoriedade, desfrute.
Dá ao espírito um sorriso leve.

Nada é indestrutível.
A exuberância possível graças a chuva mansa, passará;
Assim como passou o eterno antigo amor,
Assim como passará o futuro eterno amor.
Que sobra?
A renovação.

Renova-te, como a pétala aveludada que ousa nascer entre espinhos.
Renova-te, como a pétala que murcha e morre, e aduba novas pétalas.
Aprende sobre o milagre: suportar a tempestade fria
Permite sorrir ao admirar o arco-íris.
E se nenhum sonho desabrocha, apesar de tanto esmero.
Planta outros, cultiva novas esperanças. Renasce. 


29 de nov. de 2014

Voz profunda


Não traz pavor a memória da pele fria dos demônios,
Ou a secura dos seus gestos e palavras,
Sua ignóbil mesquinhez e indiferença.

Horroriza-me a voz de veludo angelical.
A voz que profetizou mentiras,
Que selou contratos podres.

E dentre os anjos e os demônios
Sou eu a pior criatura,
Condenado a escolher entre dois mundos adoecidos?

Lamento ao serem tatuados em minha pele os pecados.
Contorço-me porque tudo já aceitei com grande facilidade,
Agora grito e gemo, mesmo sem saber se isso me é de direito.

Mas eu ainda ouço essa voz profunda,
Tragada de um âmago ainda puro, intacto.
Ainda sinto a alma tentando escorrer pelos poros.

Suas mentiras não devastaram por completo a claridade.
E ao pisar em suas terras, antes assustadoras, o que avistei foram roseiras.
E eu era vivo, como vivo fui um dia.

Minhas mãos estão feridas, mas por ampliar o jardim
Para onde antes apenas pedras habitavam.
Meu peito está ferido, mas está livre.

E o sangue que ainda escorre sem quem o estanque
Alimenta as raízes, dá cor às pétalas,
É um preço justo pelo perfume exalado nas noites silenciosas. 

Bate de novo




Pode ter sido entregue às trevas o morno coração.
E todas as lágrimas que jorraram provavam 
Que o medo e a dor eram bem reais.

Mas há o desejo oculto e silencioso pela Luz.
Como o morador da praça, olhando com meiguice sua árvore de natal;
enfeites humildes num pinheirinho torto... É necessária a poesia.

Ele olhava aquelas pequenas cores com uma certa esperança,
E eu vi que o que há dentro dele é muito maior e reluzente
Do que a realidade fria que o aprisionava. Seu coração ainda luta.

Agora que minha mesquinhez começa a se despedir
Me desfaço de tantos sonhos vazios, ressequidos.
Recomeço a ser aquecido por uma claridade distante.

Nos assustaria a distância? Pois não devia...
Já há tanto a temer, sangrar, gemer...
Sei que os abraços podem dizimar os quilômetros.

Há em mim este coração cansado e desmemoriado.
Um aroma, uma canção, um sorriso...
E ele se esquece do dia em que morreu.

Bate de novo.

26 de nov. de 2014

Vida após o sonho


Ainda que lágrimas, lentamente, se acumulem nos olhos,
Sorrio enquanto me abraçam dores macias.
Eu mantive minha promessa. 
Eu continuei.

Olho com carinho para minhas pretensões. 
Tantos mal têm a chance de sobreviver... e eu,
Eu queria sonhar, e mais, fazer sonhar,
E mais: fazer da realidade um sonho.

Não restam sonhos...
Ainda que o sol nasça e morra todos os dias;
Ainda que eu nasça e morra todos os dias,
Não resta sonho.

Não há o combustível, o elixir divino
A guiar, saciar e dar possibilidade de desbravar o longo caminho.
Há o passado.
Há o futuro.

O passado imutável, com suas gentis lembranças;
Lembranças grandes, reluzentes demais para alguém tão fraco.
O futuro; apenas uma nuvem negra no horizonte,
Clareada por relâmpagos horripilantes.

Eu deveria ser grato pelas novas dores;
Por sofrer essa dor tão bonita, tão única.
Deus sabe... de alguma forma eu sou.
Um coração que sangra ainda é um coração que bate.

Talvez esta seja a despedida da juventude da alma.
Não há mais tempo para uma velha boa canção,
Ou para colher perfumes na estrada.
Ou há? 

Se até o amor é destrutível,
Não seriam destrutíveis as sombras que nos perseguem?
Não resta nenhum poder mágico, daqueles de menino,
Para iluminar a densa noite escura?

Pois o infinito, aquele infinito que procurei em todos os caminhos
Em todos os olhares, em todos os lugares,
Talvez exista...
Adormecido dentro de mim.

25 de nov. de 2014

Frasco


Por raros momentos essa imensa dor me alegra.
Ao menos uma vez eu fui inteiro.
Ao menos uma vez entreguei todo o pouco que era,
Sem pensar se teria algo de volta, se teria a mim mesmo de volta.

Não tive. O fim, como todo fim, foi devastador e inexplicável.
Também foi doce, apesar da amargura das incontáveis lágrimas.
Você partiu, e não só.
Levou consigo as claridades, os aromas, as canções, as estrelas.

E aquele que eu não queria mais ver,
Aquele ser pequeno, abandonado, ignorado, desconectado da realidade,
Bateu imediatamente na porta que você fechou.
Abri e me recebi. Às vezes ele parte de mim, mas sempre volta.

A dama me diz numa manhã insossa: "Não permita partir sua essência.
Não deixe a tampa meio aberta. Não se perca aos poucos."
Qual seria essa essência? O que de bom ainda se acumula?
Então entendo: não sou essência. Sou frasco.

Não sou o perfume raro, ou comum.
Sou o recipiente que guarda e distribui.
Por isso doeu tanto: não foi a mim que perdi, 
mas o elixir divino que abriguei por instantes.

Abrigos não são prisões.
Abrigos são ninhos, cresce-se neles e deles se voa um dia.
Pois o mundo é vasto, como vasta é a alma.
Volto a ser ninho, volto a ser frasco. Ainda que vazio.

22 de nov. de 2014

Assombrado


Todas aquelas memórias,
Imensas, ínfimas.
Toda aquela voracidade e delicadeza,
Toda aquela perfeição...

Anjos malignos a me assombrar.

Que mais querem de mim?
Já não devoraram minhas parcas relíquias?
Todas canções, todos sorrisos, todos bons sentimentos...
Se foram.

Mas sinto o vento frio e silencioso dessas asas.

Ainda me espreitam, como ladrões noturnos.
Tento correr, mas as pernas pesam, o coração pesa.
Beijo novamente o concreto sujo do chão,
Tudo o que sobrou das nuvens de outrora.

Nada. Não querem nada.

E é isso o que de fato me assombra:
A quietude, o fim, a morte da luz;
Da luz que não será novamente acesa,
Que não me guiará... Jamais.






15 de nov. de 2014

Pelas lágrimas


Pergunta-me displicente a razão:
"Por que as flores?
Por que estes dedos sujos e feridos de cavar a terra seca e desnutrida?
Qual serventia tem esta beleza para ninguém?"

'Para as borboletas' - Digo.
'Quem sabe, beija-flores'.
Gargalha espalhafatosa a razão.
"Só por isso?!" - Desdenha.

"Eu vi quando os olhos que mais amou ignoraram sua primeira rosa.
Eu vi quando a estiagem veio, e você gemia e soluçava sob o sol.
Eu vi quando sua fé partiu, frágil como as roxas flores despedaçadas.
Eu vi. Apenas eu vi." - Diz, fria.

Mas eu digo:
'Então viu pouco, cara senhora.
Não viu o ipê amarelo ganhar altura e força.
Não viu que a roseira ignorada novas flores desabrochou.

Não viu, amarga senhora, 
as folhas esverdearem novamente após a dura seca.
E não sabe, mas quando borboletas, mesmo as de simples beleza,
roubam uma gotícula de néctar das jovens flores, lágrimas me jorram.

Lágrimas tão leves, insignificantes, doces...
Lágrimas já tão raras, agora que o coração começa a endurecer.
Lágrimas tão minhas, que não podem ser usurpadas.
O Jardim é por elas. É por essas lágrimas.'

14 de nov. de 2014

Ao enxergar o infinito


Talvez quando meus pés nus pisarem em areias brancas
e minha mente se alinhar com o mar sem fim, eu não tema.
Quem sabe, todos os dias findados, todas as histórias, todas as memórias,
não estejam de mãos dadas ao meu lado;
Como crianças deslumbradas com o primeiro contato com a imensidão.

Hoje me fere o corpo que me enjaula.
Fere porque sinto a dimensão das asas amarradas.
E quem amei talvez nunca tenha entendido porque chorei ao ver estrelas,
era meu infinito que eu via.
Era eu, pequeno, livre e reluzente, tão distante lá em cima.

Mas naquele momento havia outro corpo a equilibrar o meu,
o meu com a alma rodopiando em devaneios. 
Já não há. Talvez não haja mais. Talvez nunca tenha havido.
E apenas, como quando criança, eu pense por algum momento
que são reais minhas magias imaginárias.

Somente nos sonhos minhas mãos ainda são mágicas,
como naquela infância perdida em outrora.
No mundo real, no mundo que nos aprisiona,
apenas vagas palavras fluem dos dedos,
tão fracas, tão esquecíveis.

Entretanto, há o sonho.
Mesmo que cravado como uma pedra preciosa em rocha profunda;
ainda respira o sonho.
E é ele o infinito em que repousa meu olhar por instantes,
como se o mundo ao redor não estive em chamas.

12 de nov. de 2014

Peito


Há um grito infindo escorrendo através do meu silêncio.
Pode não haver força no braço, na voz, no punho,
mas há no peito. Há o peito.
E o peito resiste, ainda que morra, ainda que esmagado,
ainda que negado.
Resiste, o peito.
Resiste, insiste e busca,
Não mais saber quem o outro é ou foi,
Mas quem eu sou.
Que busca além de amar o outro,
amar a si mesmo.

E por ter sido me dado o direito ao grito, também gritei.
Ainda que meu grito se voltasse contra mim, gritei.
E por ter me sido dado o direito ao amor, amei.
Ainda que o amor me consumisse, como a chama devora a palha.
E pelos direitos me dados, e principalmente, pelos direitos me negados,
Grito novamente, amo novamente!
Ainda que mudo, ainda que sem o amor!
Rosno de volta para a vida que ameaça me tirar pedaços!
Minha alma não será novamente levada, 
não sem minha permissão!

Fica na minha palavra invisível minha eternidade.
Pode ser pouco e simples demais esse meu destino,
mas o adornarei com flores, acenderei para ele árvores de natal.
Porque o peito morto ressuscita enfim, frágil e carente,
mas Belo. 
Belo novamente, sem as manchas da mágoa, do medo.
E embora jamais venham a me enxergar como eu gostaria, 
admiro com respeito os belos olhos verdes da Esperança.
Pedi para que ela partisse,
Rogo para que ela regresse.

Purgatório


Neste caminho infestado de anjos e demônios
rogo por uma face, como a minha, apenas humana.
Alguns acreditam que se tornarão alimento para vermes
outros, que somos poeira de estrelas.
Todos tão certos.
Todos tão errados.
Todos instantes infinitos.

Como uma deusa louca e gentil
a arte me abraça,
beija-me, acaricia-me. Ao menos ela...
Vê em mim o vazio repleto de quimeras que também vejo nela.
Ambos sabemos como perfura a alma a fome pelo Belo.
E como sempre, nos fundimos, confundindo a luz falsa dos holofotes
com a verdade enegrecida. 
A fórmula da dor.

Mas este magnífico e horrendo estado indefinido é uma espécie de lar.
Aqui não visto fantasias angelicais ou demoníacas,
não me faço Homem, ou bicho.
Mas uma faísca brilhante que nasce e morre, nasce e morre,
como um céu estrelado adornado de poucas nuvens viajantes.

Dissolve-se pouco a pouco na memória o que deveria ser eterno.
Mistura-se o pó das velhas memórias ao das novas memórias;
Como cinzas de novos e velhos cadáveres.
Enfim, apenas eu me acompanho.
Como foi no princípio,
como será no fim.