30 de set. de 2014

Livre


Já não é difícil lidar com a morte dos passados.
É um alívio, provavelmente.
O caminhar entediante e ininterrupto das coisas,
Gera também algumas curas, não apenas angústias.

O que resta de outros tempos são os sentimentos remodelados.
Como a marreta purificando o aço em fogo.
Não me interessa a marreta,
Me interessa o aço.

Tem dias em que o vento não sopra,
Não traz promessas ou canções do futuro.
Me assusta esse mar tão calmo,
Ainda que me doam os ossos quebrados pela última tempestade.

Resta esperança porque posso escolher o que fará de mim escravo.
Embora sempre sejam escondidas em lugares distantes,
Sei onde são enterradas as chaves das minhas algemas;
Isso dá a ilusão de que sou livre.

29 de set. de 2014

'Lúcido'


As palavras vêm porque algo dói.
Tudo isso dói, mesmo o mais leve dos ares.
Porque a solidão que causa esse infinito de pessoas sem vida é cruel.
Naquela tarde, enquanto chovia, e eu me espremia embaixo da marquise,
fugindo da chuva que na verdade eu desejava,
quis chorar.

Quis chorar porque o desamparo, por menor,
é horroroso.
Havia uma escolha: não me envergonhar da chuva,
ou dos que acham que um homem na chuva, 
e feliz nela,
é insano.

Nossos aglomerados de gente, ou números, tanto faz,
geram insossa agonia.
Quis ajudar o homem a empurrar o carro parado no meio da avenida,
não pude, não tinha respaldo. 
A nova etiqueta pede que sejamos egoístas e medrosos,
se assim não for, mais isolados ficamos. Assustador.

Quis chorar de novo.
Devia ter ajudado o homem, mesmo ele não precisando da minha ajuda.
Mas despertei a tempo da chuva não deixar de cair,
e pude sentir a dor do frio dela na minha pele.
Meditava enquanto corria pelas ruas que pareciam minhas.
Nada havia.

A água não trazia memórias ou esperanças.
As memórias não quero, as esperanças não me querem.
E isso é bom. Como é bom todo fim ser também um começo.
O sentimento não parte, é verdade.
Já visitaram dores e promessas por demais, mas ele resiste;
Acho que não morre mais.

Nada anseia o sentimento, mas eu o guardo e protejo com afeto.
Em outras tardes ainda observo, mesmo que por segundos,
a bola vermelha do sol se deitando, e sorrio.
Nunca me bastei ou irei me bastar,
Sinto isso ao ver os sonhos famintos... 
Mas ao menos eles estão de volta à casa.

28 de set. de 2014

Finitude


Sinto medo dessa imensidão.
O mundo é pequeno demais, mas o sentimento é imensurável. 
Quando mais alimento o espírito,
mais o espírito se torna escravo de sua voracidade.

Já foi acariciado cada centímetro do jardim,
e sorvidas toda luz e toda escuridão do universo.
Já foram vistos paraísos e infernos,
Mas falta. É pouco. E dói.

Não nego a entrada de nenhuma ilusão.
Todas que batem à porta, adentram, bem recebidas.
Mas a porta agora já permanece destrancada,
e eu finjo não notar quando elas partem sem dizer adeus.

Finitude.
Mesmo acorrentado à eternidade, ela me persegue.
Um sem número de inícios e términos,
de tempestades e calmarias,
e eu sinto cansaço.

É isso a vida:
Irregular. 
Indestrutível, mas transitória como um olhar,
como uma flor, como uma esperança.

27 de set. de 2014

Afã


Perdão pelo que eu quis,
e pelo que quero.
Pelo afã de mais um instante, 
mais uma tarde.

Entenderia...
Qualquer vivente entenderia ter tomado o caminho errado,
ter cantado às estrelas que quase nem se via... Que nem me ouviam.
Frágeis ossos e músculos escolhiam a estrada, mas com o coração de guia.

Vislumbre, não são para mim as flores.
Ainda que as ame, ainda que as beije, ainda que as proteja;
são para o sentimento,
que busco e invento, premido pelo desejo de perpetuar o transitório.

Já não me envergonho, ainda que devesse, dos meus descaminhos.
É tão belo e vasto o universo em que me perco, embora silencioso demais.
Se somos atados às grosserias da vida, às suas feiuras,
Como não desejar criar laços com o que há de belo?

Eu me perdoo.
Perdoo pelas vezes em que o sonho falou mais alto que a sábia razão. 
A tão séria razão, que impede o sofrer, o sangrar, o viver.
Dela finjo proximidade, mas mantenho boa distância. 

Eu me perdoo e reincido no pecado de ter fé.
Continuo amaciando a terra com os dedos nus,
Continuo acariciando as pétalas com os lábios,
Continuo revivendo a alma com utopias.

Todos podem


Todos podem desmoronar;
Você, não.
Todos podem fugir;
Você, não.
Todos podem chorar em público;
Você, não.
Todos podem tem um ato ridículo;
Você, não.
Todos podem errar;
Você, não.
Todos podem ser autopiedosos;
Você, não.
Todos podem requerer abrigo;
Você, não.
Todos podem cuspir revolta;
Você, não.
Todos podem ter medo;
Você, não.
Todos podem sonhar alto;
Você, não.
Todos podem acreditar;
Você, não.
Todos podem insistir;
Você, não.
Todos podem dizer não;
Você, não.

Até que...

26 de set. de 2014

Lacuna


Por mais que tenha sido dito, 
há lacunas de silêncio absoluto na história.
Não dei voz a toda dor, a todo amor.
Enterrei tanto sentimento em cova rasa,
cova descoberta pelas chuvas, pelos ventos...

Porém, ninguém vê o que apodrece abaixo do chão,
Ou o que floresce acima dele.
Ninguém vê.
E eu busco, mas respondem apenas as mesmas poesias,
as mesmas canções, as mesmas mentiras.

Não restam mais perdões a serem dados,
Fantasmas a serem expulsos.
Há noites em que até a solidão parte,
permanecem as memórias.
Sujas, embaralhadas, inúteis, como cartas de tarô. 

Que faria eu com elas?
Assumiria eu o papel de um verme,
nutrindo-me do que já foi vivo, mas hoje se decompõe?
Isso parece certo?
Parece justo?

Cabem em mim todas as escuridões.
Não oferecem transtorno.
Repousam pacíficas já, como se não me cortassem.
Falta espaço para as luzes, que anseiam tomar fôlego,
Que necessitam algo para iluminar;
Mas são mudas,
Não há o que as ouça.

O soberano


Há vida nestes ventos de primavera, 
anunciando chuvas que agradam as roseiras.
Há vida nos galhos escuros e retorcidos do ipê,
que pela manhã inspiravam piedade,
já agora, com sua erupção de flores brancas,
inspiram sorrisos e carícias aos olhos.

É vida até mesmo esta dor,
este silêncio e ausência,
e este barulho incômodo vindo dos porões da alma.
Não são meus invisíveis sangramentos 
que impedirão o desabrochamento da rosa negra.

Sim, eu amo.
E faz muito.
E este Amor não nasceu no longínquo e desimportante olhar.
Meu Amor nasceu comigo.
Nos primórdios do meu espírito enquanto ainda habitava o âmago de Deus.

Por isso ele independe de mim.
Ele alcança as pedras, as ruas, os poemas, as canções.
Ele veleja por mares e ares, livre.
Pois não sou seu dono, não possuo poder sobre seus atos,
sou seu súdito,
E meus movimentos são rendidos aos seus passos, às suas ânsias.

Meu Amor é intacto, imaculável.
Imortal. Indestrutível.
Evanescem as ilusões, como a bruma aos primeiros raios solares;
Decompõem-se utopias e quimeras, 
apodrecendo,
fertilizam o solo que alimenta lírios e primaveras.
Mas o Amor não. Ele é infinito.

É poupado das fúteis regras e leis humanas.
Se sobrepõe, soberano.
Não necessita residir em castelos, 
de nuvens ou de concreto.
É benévolo.
Reside em mim,
um quase nada.

25 de set. de 2014

Alma


Não é enferma, a alma.
É faminta.
Não implora, oferece.

É flor simples. Uma em meio a tantas outras
Num jardim não visitado.
Mas é fiel à sua sina. Bela sina.

Tem cor, tem perfume, tem pele de veludo.
Embora também murche,
Embora também perca pétalas ao vento.

Mas é forte, a alma.
Aprendeu com o coração a ver o mundo girar
E a sobreviver às paradas.

É até admirável, pois se tanto se cansa,
Também sabe voltar à vida,
Como uma chuva de primavera.

Persiste. Um santuário secular.
Puído pelo tempo, pelo vento, pelo sonho que a desdenha.
Mas persiste. Os alicerces são profundos.

Agora é calma, embora eterna apaixonada.
Talvez tenha aprendido a controlar as chamas,
Talvez seja apenas chamas.

24 de set. de 2014

Âmago


De que me consola olhar a rosa e somente ver a rosa?
Não. Há algo além, e é nesse além que preciso chegar,
é esse perfume que preciso sentir.
É o espírito dela que preciso tocar.

As coisas não são as coisas.
As coisas são aquilo que se sente por elas.
O mesmo sol que há dois dias chovia gotículas de ouro,
hoje só aquece e parece tão pouco. É pouco.

A alma continua a desnudar-se,
como se infinitamente camadas e camadas ficassem puídas e acabassem.
Uma batalha interminável em busca do sentido, do âmago, da Luz,
que deve existir mais adentro, mais afundo.

E esta linda dor, esta maravilhosa  e abençoada dor,
é quem sussurra aos meus ouvidos: você está vivo!
Os olhos não apenas sobrepassam como os ventos,
eles penetram como agulhas. Quero o que está dentro.

Sim, também questiono-me sobre outro caminho.
Os famosos caminhos razoáveis que todos seguem,
para assim ostentar uma vida razoável.
Talvez não eu. Ainda não aprendi tal boba lição.

E em minhas veias quem circula é o amor,
como o vermelho que repousa nas células da rosa de botão ainda negro.
Viremos à luz, um dia. Eu, a rosa.
Cumpriremos em verdade nossa sina, ainda que solitariamente.

22 de set. de 2014

Belo


É preciso que se recorde:
Aquela tarde se pôs mais dourada que qualquer outra tarde.
Ainda que a luz esbarrasse nas árvores e edifícios,
a alma, enfim livre, enxergava o horizonte sem fim;
sem medos, sem dores, sem muros...
Apenas os jasmins, os gramados, a imensidão.

Havia a rosa, tingida de paz por fora, de amor por dentro.
Tão bela a rosa, tão belo o momento.
E não causava angústia a fragilidade dela, ou a minha;
algo em nós é eterno. Eu sinto.
A esperança age por meios desconhecidos.

É preciso que se preserve:
Nunca foi observada tamanha doçura;
nos olhos, gestos, palavras, pensamentos.
Não foi preciso mais que a presença para tocar o paraíso.
Tão leve, tão profundo, tão próximo.

O Belo não era apenas admirado, o Belo era uma parte, uma extensão.
Tal experiência soprou vida à uma fé cambaleante.
E a intensidade do Belo me traga, absorve, aninha-me em seu âmago.
Faz-me vivo. 

É preciso agradecer:
Houve uma tarde dourada, morna, dócil.
Houve uma felicidade desconhecida circulando por veias e jardins.
Houve um sorriso ininterrupto pelos quilômetros de distância.

Houve...
E ainda há.




16 de set. de 2014

Terra


A donzela me presenteia com gordas sementes de girassol;
Aceito com carinho e esperança.
Da terra fraca nascerão grandes flores amarelas...
Da minha alma, brotou um sorriso simples, sincero.

Em meio às tantas pessoas com suas tantas dores,
embalo as minhas; as minhas dores enfim pacíficas;
e observo como uma criança deslumbrada as pétalas cintilantes 
da primeira amarilis a florescer neste fim de inverno.

Dentre tantas fórmulas, letras, lamúrias, pedidos,
apenas as pequenas rosas vermelhas,
juntas de um "para você!" 
fazem alguma boa lágrima de emoção escorrer. 

"Alguma coisa persiste bela e admirável nesse mundo!"
Eu penso enquanto os olhos nublam. 
Então anseio acariciar a terra novamente
e fazer dela nascer cor e perfume.

A terra aceita meu reles amor.
Pois é sábia e sabe que não há amor reles.
A terra acolhe meu espírito ainda e já cansado, o acaricia.
E quase oro: "Perdão, meu Deus, 
por não saber bem o que fazer da bela vida que me ofereceu.".
A terra responde: "O perdão não se faz necessário. O Amor, sim.".

14 de set. de 2014

Respirar novamente


Que saudade dos dias em que as ilusões não iam tão longe.
Saudade daquelas tardes em que o mundo ao redor, simplesinho que só,
abrigava reinos encantados e criaturas mágicas.
A infância dava invisibilidade, dava poderes.
O medo, se havia, se dissipava tão rápido.
E a vida, ainda que desmoronasse dia sim, dia não,
era tão viva! Exalava esperança.

Os dias mais adornados de trevas já estão esquecidos
num passado coberto por poeira e lençóis amarelados.
Todos aqueles fantasmas se foram, 
também todos os arrependimentos.

Se olho para trás é por sentir falta de um tempo em que haviam tréguas.
O sonho - palavra agora proibida - não era projetado sobre algo ou alguém.
O coração era preenchido pelos pequenos milagres:
flor, sol, chuva, cheiro, gosto, canção, poema, amigo.

Depois de tudo, 
sei que soa como ingratidão querer esquecer o que há pouco era vivo.
Mas entre tanta coisa torpe que estes olhos viram,
apenas a lembrança do paraíso fere. Fere inacreditavelmente. 
Não assusta qualquer demônio, enfrento-os.
Assusta lembrar as cores do céu, agora que tudo volta a ser noite negra.
Assusta lembrar do anjo que um dia me emprestou suas asas,
mas as levou junto de si para sempre novamente.

Em cada esquina repousa um caco de coração.
Já não os recolho mais... para que quereria-o batendo outra vez?
Apenas observo complacente, e sigo adiante,
como se houvesse um 'adiante'.
Meu único desejo é sentir sabor no ar outra vez.
Meu único desejo é respirar novamente.

"Ex-voto"

         Ofereço meu "Ex-voto", livro de poemas que escrevi com toda intensidade do coração. 
         Ele narra a trajetória de um coração que encontra seu sonho maior, o Amor, e o vê partir... Mas não apenas isso. Os poemas emanam a busca pelo divino, pela fé. Mergulha nos mistérios que a vida nos faz suportar a todo momento. 
         Todo ex-voto é uma prova de superação, uma prova de que a pior fase da Dor passou. Que assim seja...


Disponível em: https://www.clubedeautores.com.br/book/171792--Exvoto

3 de set. de 2014

Deserção


Repousa agora, alma devastada.
Tira dos ombros sangrentos e magros
os cadáveres do teu exército de sonhos.

Deita tua espada, descansa teu punho aberto.
É o fim.
Tuas armas sequer arranharam a grossa pele das quimeras.

Quimeras que lamberam tua carne com língua de aço,
com saliva ácida.
Quimeras que criastes.

Deixa o campo, deixa os mortos, deixa...
Por que ainda pousa teus olhos sobre esse vale de desgosto?
Não haverá mais vida em outro canto?

Insistes... criança tola. Não tens mesmo um pingo de orgulho!
Mas sei que ele nunca te fez qualquer falta.
Contudo, levanta teu queixo da lama que bebes, e segue.

Num outro lado deve nascer o sol.
Não há culpado para a luz ou para a escuridão.
Agradece por teu coração sangrar. Sinal que vive.

Esqueça a guerra perdida e as batalhas vencidas.
Esquece dos golpes tomados e das flores colhidas.
Esquece de tudo. Até deste conselho inútil.

Não esquecerá de nada. Bem sei.
Alma teimosa feito a vida!
Revive e revive os dias de frágil glória.