16 de jun. de 2018

15/06


Deixar para trás as ruas daquela cidade foi de uma paz espiritual tão grande... Pois que antes, entre e atrás de tantos muros, luzes e concretos, ainda resistia um pequeno arbusto, um emaranhado de memórias, ilusões e esperanças, mas que por fim, já não existe mais.
Nosso coração habita onde o amor resiste, e depois que você foi embora não havia o que amar naquele lugar.
Tenho evitado falar de você. Não apenas porque tudo foi se desintegrando com o passar dos anos e "você" se tornou apenas uma ideia, uma expressão de algo maior, mas porque "você" implica em uma pessoalidade que não faz sentido mais.
Mas passando por aquelas avenidas frias, por aquele sufoco cinza de um lugar onde a noite já estende seu manto às quatro da tarde, eu tentava olhar em cada um das centenas de rostos, imaginar sua história, seu cansaço, sua dor nas costas, nos pés, nos caminhos que ainda percorreriam, no tempo até enfim poder colocar a chave na porta de casa. Eu me imaginada vivendo aquelas vidas, aquelas histórias que eram tão opostas e tão idênticas à minha. "Você" voltava a ser você.
Eu não precisava mais te desmistificar, tirar seu pedestal, seu trono. Eu fui por tanto tempo seu trono, seu pedestal. Para mim você era tudo, para o mundo, mais um.
Quando eu fui embora Adele cantava para mim. O frio e a garoa embaçavam as janelas e eu sentia finalmente que não deixava nada para trás. A sensação era de voltar para o sol, voltar para mim mesmo, e talvez essa forma de amor tão calma e humilde, sem estardalhaço, seja a forma mais genuína de amor possível.


5 de jun. de 2018

05/06/2018


Quanto de mim havia restado nisso que se move por entre as rotinas dos dias depois de todo esse tempo? Quanto de tudo isso sou eu?
Por quais desses pecados devo pagar e quantos frutos tenho realmente o direito de colher e saborear?
A sensação é de ver o coração pelo lado de fora. Aos redores; escombros, memórias partidas, sentimentos se deteriorando ao relento, tudo coberto por pequenas e frágeis plantas floríferas.
Não sei mais o que no fundo do peito habita, ao menos não o que existe além dos seus alicerces e paredes, que novas ou velhas, cansadas ou não, sempre estarão de alguma forma em pé.
A luz entra por frestas nesse cenário bucólico, quase sempre triste e denso, mas por vezes aconchegante.
Estou cansado. Sentado nas raízes de uma velha e imensa árvore presa em um interminável aspecto outonal. As folhas caem, nascem, e voltam a cair.
De longe, eu sinto, uma força protetora observa tudo com atenção, e ainda que não me tome em seu braços, fecho meus olhos e sinto que posso chorar como o menino de antes, por todas minhas saudades, todas minhas fraquezas e súplicas adormecidas com o passar dos ventos e dos tempos.
Eu me lembro de tudo, de cada detalhe luminoso, de cada dia nublado que não permitia a proximidade do calor do sol. De nós, deles, de cada coisa.
Mas já não existe aquela estranha forma de paixão pela dor que o amor deixou. É esta uma era sem títulos, sem metáforas, sem pedido subliminar de socorro.
Aportamos na realidade há pouco, alguns meses, e hoje o navio que nos trouxe para essas terras partiu veloz pelo oceano de ilusões. Ficamos.
E de tudo, de todos os sonhos, esperanças e crenças, apenas um pedido continuou na bagagem: que nessa nova terra não haja chance do medo fazer tão grande morada.