29 de jan. de 2014

Como se todos os dias o sol fosse nascer


Eu não deixarei de cantar por medo de desafinar a voz.
A canção é, antes de tudo, a mais sagrada oração.
Não deixarei de semear o solo por medo do inclemência do sol sobre as delicadas flores.
Alguns sentimentos suportam o calor e o frio.
Não deixarei de amar por medo do que o amor já fez...
O que foi feito, foi feito.

Vamos deitar sobre a superfície espelhada do lago da vida e observar a tarde ceder espaço à noite estrelada.
Não há nada mais puro que o perfume da escuridão levemente esbranquiçada de luar.
Eu segurarei sua mão enquanto evocar seus fantasmas; dançaremos todos juntos então.
Todas as dores passadas serão diamantes reluzentes, pequenos troféus.

Vamos viver como se houvesse esperança,
Como se todos os dias o sol fosse nascer sobre os bons e maus.
Vamos viver como se a  chuva fosse o batismo divino,
Redimindo nossos santos e tão belos pecados.
Vamos dançar como se ninguém nos olhasse,
Vamos amar como se ninguém nos julgasse.
A existência é isso, meu bem.
Morremos num dia, renascemos no outro.

Vamos nos olhar com olhos amáveis,
Vamos guardar o que há de bom.
O tempo passa, meu bem,
Passa como as águas eternas de um rio calmo.
Desta vez, ao menos desta vez, vamos nos deixar levar por elas.

25 de jan. de 2014

De "Alma à tona"


Corpo e alma


Não partes por medo de deixar o que amas, o que conheces.
Não partes por acreditar que amas algo, que conheces algo.
Quando na verdade não sabes amar, quando na verdade nada conheces.
Tomastes o caminho mais seguro, o menos doloroso.
Fizestes escolhas baseadas no maldito bem de todos.
Então, admiras de tão longe as luzes que teus olhos nunca ousarão vislumbrar de perto.
Aspiras o perfume sutil e evanescente das ilusões que nasceram e morreram em terras desconhecidas.
Aceitas com falsa e asquerosa resignação o destino a que estás acorrentado.

A quem teus braços oferecem proteção?
Que coração tuas palavras confortam?
Para qual olhar teu sorriso tem significado?
Que canteiros, que ruas, que praças, que jardins são realmente teus?
Que sentimentos... que sentimentos prova-me terem sido verdadeiros?

Teu corpo teme,
tua alma voa.
Teu corpo recua,
tua alma entrega-se.
Teu corpo treme,
tua alma transpira.
Teu corpo degusta,
tua alma devora.
Teu corpo desiste,
tua alma luta.
Teu corpo silencia,
tua alma grita.
Teu corpo geme,
tua alma goza.

Aonde quer que aportes, não há paz para homens como tu.
Não há água suficiente para tua sede.
Não há beleza suficiente para a fome do teu olhar...
Pois o corpo é frágil, ínfimo, limitado.
Já a alma... a alma é imensa, e transborda, e galopa como cavalos selvagens pelas nuvens tempestuosas.
O corpo é uma jaula.
A alma é um mundo.







22 de jan. de 2014

Prisma


Há um jardim a ser cultivado,
Dois gatos dormindo juntos no tapete brilhante, e sim,
Haverá um belo sol nascendo pela manhã de amanhã.

Vamos pelas trilhas empoeiradas...
Lentamente, olhando as nuvens,
deitadas como doces senhoras num horizonte não tão distante.

Somos crianças perdoadas por quebrarem seus brinquedos caros.
Somos crianças passando a tarde em cima das goiabeiras à beira da estrada.
Somos crianças que ainda não descobriram que seus sonhos são impossíveis.

Não posso dizer que não dói,
Que tantas vezes o sangue quer ebulir nas veias.
Na verdade raros são os sons agradáveis à alma...

Mas se no escuro o coração não passa de uma peça fria,
À luz, é um prisma jorrando cores.
E não há noite que seja eterna, não há.

15 de jan. de 2014

"La tristesse durera toujours"


Algumas memórias  são expelidas pelo estômago da alma com força, 
como um alimento impróprio.
Elas passam pela minha garganta e boca como ácido e como fel.
Escorrem pelo chão branco poluindo o ambiente com seu cheiro azedo.

Vou para longe dos jardins em momentos assim.
Minhas flores não verão minhas dores.
Dores tão egoístas, tão mesquinhas.
Volto depois, exausto, de olhos lavados.

Volto quando a madrugada chegar,
Deitarei no escuro e no silêncio absoluto.
E assim contemplarei a plantação de estrelas...
Apenas assim acho deliciosa minha pequenez.

Vincent usou suas últimas palavras para dizer que a tristeza durará para sempre. 
Que dure...
Há beleza e esperança na tristeza. Há uma pausa.
Nós sabemos disso.

A tristeza, como doce e silenciosa amiga, 
sempre nos tomou delicadamente nos braços.
Adornou meu coração e minhas canções com pequenas flores perecíveis...
Quando ela parte o perfume continua pairando no ar.
Então se aproxima a esperança, acanhada e sutil, 
acomodando-se em seu lugar.

E eu o entendo, Vincent...
Eu também olho com desconfiança para a sanidade.
Eu o entendo, Vincent...
O mundo não seria tão bonito se o víssemos apenas com olhos felizes.

13 de jan. de 2014

Mais do mesmo


Nenhuma palavra varou a madrugada que chegara.
Não haverá nenhuma dança no pálido luar desta noite.
As fontes estão secas, o jardim está adormecido.
Os pensamentos permanecem como as estrelas:
Esparsos, perdidos, brilhando muito pouco.

Os sonhos continuam perturbados pela busca infinda ao inexistente.
O coração permanece como uma manhã de primavera ainda coberta pelo frio escuro do inverno.
As flores demoram a desabrochar e tão rápido caem, murchas.
Que seria a felicidade senão uma paixão pelo efêmero?
Com a passagem das horas tudo volta exatamente para o mesmo lugar.


8 de jan. de 2014

O baile


A taças foram poucas, o suficiente para que as luzes aparentassem brilhar um pouco mais do que realmente brilham...
Para o que os movimentos fossem um pouco mais doces e lentos.

Eu vi as nuvens vermelhas surgirem e sumirem,
Enquanto dançava solitário na terra úmida olhando as estrelas raras, 
quase sem brilho. Eu, as estrelas... quase sem brilho.
Abraçado por brisas e relâmpagos que estouravam nos quatro horizontes,
Dançava.

A canção faz-se meu sonho, meu amor.
Entrego-me a ela fingindo santa embriaguez.
Não há perdão a ser pedido,
Promessa a ser jurada,
Adeus a ser dito,
Socorro a ser clamado.

Aproximou-se a saudade do que ainda não houve,
Dançamos como se nos amássemos também,
E nos amamos.
Dançamos como velhos conhecidos, como loucos, como espíritos indomados.
Sujamo-nos da nossa vontade de vida, da nossa sede de sentimentos.

Sutilmente o desejo se aproxima toma-me nos braços fortes.
Toca-me delicadamente... Toca-me por completo.
O corpo silencioso...
Mas a alma excita-se, acende-se, ascende-se.
E o que era um baile solitário de um homem com sua pequena taça de cristal,
Meio cheia do doce sangue divino,
Torna-se um baile de corpo, alma, sentimentos, relâmpagos, estrelas, flores, ânsias...
Todos semi-entorpecidos, todos semivivos, todos semiluminosos, todos semi-insanos,
Todos completamente livres.

4 de jan. de 2014

Asas e raízes


Se bebi rápido demais era por medo do vinho esquentar.
De quente basta a noite, as paredes, o chão, a cama vazia.
Se não prometi a partida foi por medo de não conseguir levar na bagagem tudo de mim.
E já é tão pouco o meu tudo. Levar a você apenas metade seria desrespeito.
Se ainda não firo as mãos na terra dura que deve ser um jardim é por saber que à noite já existe uma plantação de estrelas, todas florescidas, desabrochadas, a acariciar meu olhar faminto de belezas. 

Existe esta necessidade de justificar os passos e os atos,
Mas não que se espere algum ato de compreensão,
Não existe compreensão. Aceitação, no máximo, se com sorte.
Existe esta necessidade como existe a necessidade de ouvir outra vez uma mesma canção.
Existe, como existe a necessidade de recordar os dias em que o abraço era refrigério para alma e corpo incandescentes de medos e loucuras atrozes. 

Justifico os movimentos como quem acena dos escombros pedindo resgate.
Mas já sei que não há resgate que me tire de mim com vida.
Digo o que sinto e digo o que sinto e digo o que sinto,
Tantas e tantas vezes, embrulhado em palavras e expressões que são tanto e tão nada, porque os ventos, as marés, os homens, as flores, as luzes precisam saber: eu sinto!
Não que precisem, de fato. 
Eu é que preciso que saibam, para que eu continue meu sentir, que é meu sonhar, que é meu respirar...
Que são minhas asas... minhas raízes.

Saldos e baixas


A sensação é a de um fim de batalha.
Alguns membros ainda doem pelas escolhas feitas, pelos movimentos tomados.
Uma dor estranha, porque é como se o ferimento fosse mais profundo e perigoso que o incômodo que ele gera.
Há uma paz branca agora. Silenciosa demais.
Uma esperança sutil e quase imperceptível, como o verde das paredes.
Embora eu saiba que não há tempo para descanso; outra batalha se aproxima; eu deveria estar melhor.
Sorrindo mais ou cantando mais ou qualquer coisa do tipo mais.
Mas não.
Sei que não se vive com olhos voltados para trás, mas ainda olho as baixas no campo.
Olho a face de cada Anjo e cada Demônio que das minhas entranhas saiu e que por mim lutou e sinto um pranto gigantesco como uma tempestade se formando atrás dos olhos.
Eu os amava tanto, cada um deles.
Mas as Lágrimas, fiéis e queridas enfermeiras desta alma raquítica, não caem.
Mantêm-se condescendentes, mas imóveis.
Elas sabem, e eu sei: chegou a hora do adeus.
Chegou a hora de nos despedirmos deste campo de batalha, que já fora um vistoso jardim.
Chegou a hora de aceitar que os caminhos para os sonhos muitas vezes não são pavimentados.
Escorregões virão. Os sapatos se lambuzarão de lama. As roupas ficarão sujas.
As trilhas serão inseguras, escuras.
Talvez num desses caminhos o tombo venha, e junto dele o Medo e a Vergonha.
A Dúvida, a ingrata e constante companheira, será a primeira a gargalhar.
Provavelmente, além da morte, ela seja a única certeza da vida...
Doerá. Doerá porque será desejada uma mão, e essa mão não estará ali.
Doerá...
Mas se a queda é uma possibilidade, o levantar é uma certeza.
Talvez eu até gargalhe um pouco com a Dúvida.
Levantarei, mesmo com olhar baixo, e continuarei, mesmo com passos hesitantes.
Será mais uma dor válida a ser lembrada.
Uma dor guardada como uma pedra preciosa, uma consequente ao amor às coisas certas.
E depois de tudo, eu sei, restará apenas uma coisa a ser dita ao campo, ao jardim, ao caminho, aos Anjos e aos Demônios:

Obrigado, muito obrigado, novamente.