26 de nov. de 2016

Outa vez, último


Quantas vezes o último poema?
A última lágrima?
A última canção?

Quantas vezes mais o último exorcismo?
A última mensagem subliminar?
O último adeus?

Quantas vezes ainda a troca dos curativos?
O silêncio afiado como navalha?
A velocidade insana em direção a lugar nenhum?

Apodrecidos, os pedestais ruem.
Nenhum ídolo se mantém intacto.
Jazem as magnânimas luzes, enfim.

Antigos sonhos assombram as ruínas.
Junto aos escombros de encantadoras mentiras,
Meu coração.


24 de nov. de 2016

Adentro


Não servem mais as velhas fotografias.
Restos de memórias destoantes.
Não servem mais os velhos sonhos.
Fulguras já inanimadas.

A roseira plantada no último dia da ilusão
Não resistiu ao verão.
Assim como a esperança
Que não resistiu ao último silêncio.

Mas lembro daquele instante:
Eu tive a nova vida nas mãos,
Tão jovem, forte e bela.
Era eu em meus braços!

Enfim, um despertar:
Sem olhar atrás ou adiante;
Mas acima,
Adentro.

Não você



Todos irão desistir de você,
Não você.
O Amor não sucumbirá,
E por ele há de resistir.

Todos farão da fé uma fábula cruel,
Não você.
Sua voz é ouvida e acolhida
Por gentis Corações Celestes.

Todos morrerão pelo silêncio,
Não você.
Seu âmago para sempre
Entoará canções como milagres.

Todos levantarão a espada e o escuro,
Não você.
Seus braços prepararão o solo duro,
Suas mãos farão com que ele floresça.

Todos mergulharão no próprio reflexo,
Não você.
Sua alma submergirá entre as estrelas;
Um dia, voltará ao Lar.




23 de nov. de 2016

Ninguém


Já não imaginamos mais
Os jovens sorrisos
Esquecidos naquelas velhas ruas.

Para onde foi levada a poesia,
O frescor das esperanças tolas,
O brilho dos olhos?

Tanto das horas, dos dias,
Da fé,
Por batalhas nunca vencidas.

Agora que a realidade
Roubou o encanto de todas as coisas,
Onde brincarão os frágeis sonhos?

O destino ameaça voraz
E o amor perdeu a luta com a distância.
Ninguém nos levará para casa desta vez.

20 de nov. de 2016

30


Escrever é sempre uma auto-análise. Uma forma de falar diretamente à única pessoa realmente interessada em te ouvir: você.
Mas ainda assim, é uma mensagem lançada ao universo, que vez ou outra, mesmo que mui raramente, encontra algum receptor.
Há centenas de explicações do porquê da necessidade de escrever, suspeito que todas estão meio certas, meio erradas.
Com o passar dos anos e das páginas esses porquês vão se alterando, se adequando, encontrando novas finalidades. Desabafos, súplicas, nostalgias, sonhos, amor. E principalmente a necessidade profunda de não conter a alma apenas no pequeno cárcere da carne, o corpo.
No fundo a gente quer ser ouvido sem interrupção, sem julgamento. 
E as palavras são generosas, bondosas, muitas das vezes.
Como cheguei até aqui?
Bem, isto é uma carta. É uma checagem de dados com o presente, a única etapa razoavelmente dominável. Um confuso balancete de erros e acertos, a criação de um pedaço de uma nova cartografia de vida.
Trinta anos. Como isso é estranho. Ainda sinto mais o gosto da infância do que da maturidade. Se é que existe maturidade. 
Lembro perfeitamente das noites de lua cheia em que eu e meu primo desbravávamos as estradas de terra. Lembro dos perfumes que me faziam sorrir e das canções que me faziam sonhar. Mas lembro mal da semana passada, de como foi o mês, da última sexta-feira. Tudo parece é silencioso no passado-recente.
Trinta anos. Ontem, na casa de oração, o palestrante disse que algumas das nossas capacidades podem adormecer de uma vida para outra, redespertando no momento oportuno. Que precisamos de novas empreitadas a fim de uma evolução uniforme, que englobe muitas, até que por fim, todas as realidades. Faz sentido. Pensando em como somos  estranhos nesse ninho, faz sentido. Porque nada daqui é familiar, quase nada.
E embora exista essa imensa força, como a tempestade oriunda de uma erupção, estou estático. Não sei se de fato é, mas chamaria de paz.
Trinta anos. O tempo ainda não pesa, mas a memória, sim. Muito erro e pouco acerto para esse tempo. Muita cautela para evitar constrangimentos, muitas horas de sono perdidas para escolher o melhor caminho. Mas ainda assim: erros. Muitos erros.
Poucas coisas mudam com delicadeza. Algumas só se reafirmam ou só desaparecem no vento depois de um grande colapso. A gente percebe isso, por exemplo, depois do primeiro amor, da primeira decepção, do primeiro grande medo, da primeira profunda alegria.
Percebe como eles rasgam nossa mente ao meio? 
Metade do mundo diz que "sucesso" é ter paz consigo, com o que se tem e o que se é. Outra, que "sucesso" é chegar longe, e quando chegar, querer ir além. Nunca, jamais, de forma alguma, estar satisfeito. Ganha nossa atenção quem grita mais alto. E eles nunca param de gritar. Muita gente tentando provar suas fórmulas mágicas.
Esse bocado de gente presunçosa me exaure demais. 
Morrem de medo de assumir uma fraqueza, uma dúvida, um passo em falso. Como são cansativos. 
A humildade é a coisa mais elegante do mundo. Tenho certeza. 
Certo, vamos lá: o que será mantido e o que será cortado?
Tipo aquelas bombas de filme, sabe? Cortando o fio certo, desarma; o errado, bum! A coisa é: tá escuro, não dá pra ver as cores. 
Melhor correr o risco e cortar? Pior não correr o risco e deixar como está? Vai saber.
A gente tá cansado, vivendo a vida de forma errada ou isso aqui é assim mesmo, um pandemônio?
Não dá pra seguir o script. Não quando tudo é instável e torto.
Formatura aos vinte e dois. Emprego. Casamento aos vinte e sete. Viagem ao nordeste. Filhos. Almoço de domingo. Boletos. Tédio. Esforço para negar o tédio. Mais tédio. Não deu pra mim.
Vendo de fora as vidas normais parecem meio assustadoras também, de qualquer forma.
Ok. Qual o plano? Cansei dessa prosa doida.
Não dá pra ter planos... Nunca deu, por que daria agora?
Vai vivendo aí, respeitando os horários, os semáforos, os mais velhos, seus limites. Sem fazer muito barulho nem deixando com que percebam que você percebe tudo.
Por mais que negue, ainda tem alguma esperança do céu desnublar e a vida começar a dançar de forma menos desengonçada. 
Pode ser que alguém por aí também enxergue almas, e não corpos meramente animados. 
Talvez o mundo seja menos vazio do que se mostra.
Segura aí. 
Não corte o fio ainda.

12 de nov. de 2016

Sentença


As palavras não têm fim.
Elas continuam ecoando,
Continuam se transformando,
Como as águas de uma tempestade,
Que mudam de forma e de intensidade,
Mas nunca deixam de existir.

Contratos que o tempo não consome.
Promessas inquebráveis.
Bençãos e condenações eternas.
Eu me lembro de todas elas,
De cada uma delas;
De todos os lábios.

Embora elas já não comovam,
Não há esquecimento,
Não há silêncio.
Embora elas tentem enganar,
Embora eu saiba disso,
Sou todo ouvidos.

Em meio a um rio tóxico
Em que correm sentenças rasas
Que é a vida,
Alguma verdade ora ainda reluz,
E por ela eu bebo da água envenenada,
Na esperança de talvez sorver alguma cura.

10 de nov. de 2016

À deriva



Náufrago exausto
Agarrado com ódio e paixão
Ao podre pedaço de madeira
Que sustenta à tona
Sua carne ferida.

Vê o sol que nasce e morre
E que volta a nascer e a morrer
Enquanto tudo permanece imensidão e silêncio.
Nenhuma voz. 
Nenhum porto.

Flutuam sobre as ondas
Frágeis miragens.
Restos carcomidos de memórias e esperanças.
Tão próximos,
Tão inalcançáveis. 

Outros tantos condenados também a esse mar,
Já cegos pelo sol e pelo sal.
Iludidos por belos cantos malignos
Que os tragam às profundezas inclementes.
Já não acredita estar melhor que eles...

Segue à deriva,
Ao sabor das águas
Poluídas por sentimentos em decomposição.
E o sol já está a se pôr outra vez,
Aguarda a conhecida escuridão.


8 de nov. de 2016

Labirinto


Ainda ouço as canções que entoava do paraíso.
Ainda vejo tanto.
Uma paisagem ora repleta de sombra,
Ora repleta de luz;
Sempre a mesma fria e linda paisagem.

Ouço os estrondos das últimas esperanças.
Elas aterrizam violentamente sobre seus fiéis,
Dilacerando sonhos,
Contaminando a atmosfera com memórias tóxicas;
Eu, entre deles.

Meus dedos feridos,
Já exaustos de implorar a carne e o espírito, se contêm.
A voz rouca e inconstante,
Não declamará velhos poemas
Que um dia desabrocharam sorrisos.

Leva-me à presença dos últimos profetas,
Para longe da crueldade dos anjos!
Meus braços não erguerão mais espada e escudo,
Meu coração não sucumbirá ao novo fel da indiferença.
O espírito haverá de flutuar acima deste cruel labirinto.

6 de nov. de 2016

Belo crime



Apenas o silêncio a absolver,
A ver beleza nesses olhos,
A sorrir sem culpa
Diante dos nossos belos crimes.

A sonhos secretos
Ofereço a minha verdade.
E estamos lado a lado
Saltando da mesma altura.

E é tão alto,
O ar é tão rarefeito,
Mas eu sei:
A queda será apenas minha.

Não ressuscitei tamanha fé por nada.
Nem tudo deve ser muito claro.
Em plena escuridão
As estrelas brilham mais.

5 de nov. de 2016

Plano de viagem


Rota alterada,
Outra vez,
Outra esquina.
Até logo,
Até nunca mais.

Me embale em teus fartos cabelos,
Bela Deusa.
Dá-me o calor do teu seio,
A maciez da tua voz.
Meu sorriso, minha cura.

Não seria todo solo, sagrado?
Onde semeamos, amamos, sangramos...
Quem pode amaldiçoar ou santificar nossos caminhos,
Além de apenas e unicamente
Nossos passos?

Que pecados sustentam o mais belo de mim, de nós?
Que desejos, que medos, que culpas?
Não iremos para nenhum inferno,
Não iremos para qualquer paraíso,
Os atravessaremos, constantemente.