26 de out. de 2015

Por um momento


Fui adiante para descobrir
Que persistia um caminho
Além daquele em que o amor um dia luziu.

Até da última gota de dor fiz poesia...
Nada resta. É findo. Sepultado. Seco. Estéril.
Uma brancura sem fim de um céu jamais revisto.

Beba do teu doce adeus, beba do vento livre,
Que novas misérias esperam a alma viajante,
Novas cruzes; não mais as velhas e ensanguentadas.

Mas, ah, se alguém nos visse ali ontem;
Eu e minha paz, deitados ao lado da chuva,
Das pequenas luzes e suaves canções.

Esse alguém se esqueceria dos meus versos amargos,
E se banharia na claridade abundante
Que jorrava dos meus, por um momento, olhos pacíficos.


24 de out. de 2015

Vendaval


Nossas flores não nos salvarão da fome das feras.
Elas se esgueiram pelas sombras,
Sentindo o cheiro doce dos sonhos que ainda nos restam.
E em um instante, nossa carne pode estar presa em seus dentes.

Já estão tão fracas na memória as velhas orações de infância.
Já não resta círculo mágico para nos proteger dos invasores.
O coração é terra devastada,
A alma é uma cidade fantasma.

Estilhaçadas esperanças repousam empoeiradas.
Deitadas pelo solo, como anjos caídos de tão alto.
O Amor, aquela chuva sagrada que devolveria a vida,
Voltara a ser uma lenda contada por caravanas de sentimentos mortos.

Mas para todos os olhos, são apenas mais palavras.
Mágoas reminiscentes de uma paixão forte e passageira,
Um vendaval já por todos esquecido, por todos vencido.
Não por mim...


23 de out. de 2015

Profecia


Deita, esperança,
Além do sonho e do pecado.
Repousa tua inútil existência
Nos braços da tarde plúmbea.

Para sempre, nunca mais os velhos dias.
Quanto menos doem,
Quanto mais lágrimas e sorrisos trazem,
Melhor se confirma a profecia.

É passado o tempo sagrado...
Mas saboreie o café forte à luz da lua.
A boa presença que lhe emudece.
O sol não renascerá jamais.

Soltara da mão da fé, a perdera pelo caminho.
Agora segue só, nem mesmo a tristeza faz companhia.
Mas eu a perdoo, ainda a colho em meus braços.
E a amo, mesmo que o tempo do amor tenha acabado.

21 de out. de 2015

Houve o amor


Veleja por este corpo um sangue envenenado pela indiferença.
Sim, houve o amor...
Um dia a alva estrela ascendeu no céu de uma magnífica noite,
e era um tempo de pura perfeição.
Não havia no ar respirado outro elemento além da felicidade;
Felicidade diluída em partículas,
Adentrando o organismo cansado e estéril,
Dando a vida só antes sentida quando menino,
E como menino, possuidor do poder de voar,
Por campos amarelos e prados verdes, tão vivo, tão livre.

Agora que tua voz meiga e aconchegante para sempre silencia,
Agora que teu adeus inexplicável é uma úlcera incurável
no âmago da alma;
Não há dor nos dias, na vida, no peito,
Pois já não resta vida.
Foi a vida junto de ti pelas estradas que nunca mais pisou.
Foi a vida sepultada junto aos sonhos putrefatos.

Mas quão terríveis são os anjos!
Por que deixas-me a memória, se tudo já me tirastes?
Deixas em minha mente a brandura da tua voz,
A maciez de veludo da sua pele,
A brancura do seu sorriso,
O azul celestial dos teus olhos.
E ainda que eu amaldiçoe o dia daquele milagre,
Ainda que eu odeie o amor que ainda insiste em queimar,
Como um vulcão de lava borbulhante,
Nem mesmo a morte levaria tua presença de mim.

16 de out. de 2015

Irene e Rosálio


Era um amor assim: impossível de ser.
Como todo bom amor que se prese.
Irene, mulher frágil, doente,
Esmurrada sempre pela vida
E pelos homens a quem alugava o corpo.
Rosálio, homem forte, doce como uma criança,
Viajador, cheio de histórias na boca.
Analfabeto, carente de saber.

Irene era a mãe, a mulher amada, a professora
Que Rosálio; até então um Nem-Ninguém;
Encontrou ao vagar para fora da construção cinza,
Mais uma da imensa cidade desconhecida,
De cores desmaiadas, quase mortas.

Rosálio era também Romualdo, para Irene.
Aquele amor que um dia atravessou seu peito feito espada afiada.
"Vem" ouve Rosálio de Irene.
"Preciso de dinheiro..." Pensa.
Há o filho e a velha para alimentar.

Mas Romualdo, Rosálio, digo, não tem dinheiro,
E não tem fome do corpo de Irene,
Ele tem sede de palavras, letras, saber,
E Irene oferece.
Ele encontra cores e aconchego naquele ser sofrido.

Irene não repousa mais nos braços de Rosálio,
Apenas na alma agora,
Nas histórias, nos caminhos que volta a percorrer,
Agora que só.
Virou contador, de coisa vivida e coisa inventada...
"Era uma vez, senhoras e senhores..."
Um amor que nunca existiu,
Por isso nunca se findou.


(Poema inspirado no livro "O voo da guará vermelha" de Maria Valéria Rezende)

12 de out. de 2015

Reencontro, despedida


Pelo gosto sei: é lágrima de saudade.
Saudade da poeira da velha estrada,
Do sorriso perdido para sempre, sempre, sempre...
Mas que apenas para mim foi.

Saudade do que também fez sorrir.
O cheiro do mato após a chuva,
A caixa aveludada com dois anéis de prata.
Essas tréguas tão boas, que quase esquecemos da guerra da vida.

É de gratidão também...
Não há esperança no horizonte,
Mas há o brilho eterno das estrelas antigas,
Mortas.

Há a lembrança que força nenhuma corrompe.
A lembrança do que um dia foi visto além da carne,
Além do medo, da vergonha, da dor.
Um dia foi visto algo celestial, dentro e ao redor de mim.

A água que escorre dos olhos é leve,
Como leve escorre o canto dos passarinhos para dentro da mente.
Todo dia é uma despedida triste ao que se ama...
Todo dia é um reencontro feliz com a luz que ainda resiste acesa.

O barqueiro


Não está tão distante a tarde em que se sonhava.
Lágrimas desciam... e não eram amargas ou contaminadas
Pelo veneno mortal da indiferença.
Havia um horizonte claro em que o olhar podia se perder.
E nem mesmo o todo poderoso Medo podia arrancar do peito
A Luz Sagrada que ali queimava
E iluminada todos os cantos de todos os labirintos.

Mas quem diria que eu velejava em barco tão frágil?
Quem me aconselhou a não levar comigo
Todos os mais valiosos tesouros da alma?
A paz, a fé, a esperança, o Amor.
Soltos sobre tábuas finas...
E eu me esqueci que não existe mar sem tempestade,
Pois mesmo em lugar nenhum, eu estava em um lar.

E ao soprar do primeiro vento, ao cair das primeiras gotas,
Treme e range o pequeno e amado barco...
Minha relíquias são lançadas ao mar negro, uma a uma.
Tudo o que eu vejo simplesmente não faz sentido!
As rotas estavam traçadas, eram seguras.
O destino era certo!
Há pouco havia calmaria e azul no céu...

Mergulho na escuridão salgada, por fim.
E dentre tantos demônios submarinos
Mal posso lutar ao ser roubada de mim a última preciosidade.
Mais valiosa que o oxigênio que me faltava,
Mais vital que o lar, que na verdade nunca foi seguro.
Vejo se distanciando o lume fraco do meu Coração.
Levado por mãos agora estranhas e frias e mortas...


11 de out. de 2015

Sobre poetizar...

"Somente através da arte nós conseguimos sair de nós mesmos e conhecer a visão do outro sobre o universo."
Proust

http://www.ricardofaria.com.br/2015/10/escritorespenapolenses.html?spref=fb


"Já para o poeta Marcos Serafim, a literatura entrou na sua vida aos onze anos, quando ganhou um  caderno de anotações da sua irmã.  "Foi ali que comecei a escrever o que pensava e o que sentia. Eu fui escrevendo um caderno após outro, ainda os tenho guardados. São escritos com coisas minhas e adaptações de coisas que me tocavam, principalmente a música. E em certo ponto percebi que estava escrevendo prosas poéticas". 

Marcos possui sete livros publicados, mas lembra com carinho do primeiro "Em meu Jardim Secreto...", lançado em 2010 na biblioteca municipal. "Reuni nele alguns textos escritos, escrevi novos. Já os livros seguintes seriam poemas, não mais prosas poéticas". 
Para ele escrever independente com que estiver a mão quando a inspiração vem. Segundo ele não é uma escolha escrever, sendo que, qualquer coisa pode desencadear essa vontade.

"Eu materializo algo que não cabe mais na alma, ou no campo nos sentimentos, e precisa ser materializado, posto para fora. É a forma que tenho de expressar mais intimamente, mesmo que metaforicamente, algo que está dentro de mim, e sente a necessidade de não estar mais. Não escrevi por escrever. Tudo o que fiz veio de algo real, algum acontecimento ou sensação vivido. Quando alguma experiência toca a alma, eu coloco isso no papel, ou na tela [do computador]". 

Marcos Serafim escreveu também "Alma à tona" de 2012, "Mais de mil palavras - a poesia da imagem" de 2012, "Nuvens de Janeiro" de 2013 "Chiaroscuro" de 2014, "Ex-voto" de 2014, "Tempos Inversos" de 2015." 

Reportagem de Ricardo faria.


10 de out. de 2015

Manifesto contra toda a dor


Haverá canções de amor nos dias de se guardar luto
E esperanças nas tardes em que o silêncio for maior que tudo.
Se encontrarão poemas em folhas rasgadas sobre os móveis;
Poemas tristes, poemas felizes, poemas de amor.
Haverá amor.
Ainda e quando ele não exista.
Haverá amor!
Porque todo medo é antinatural,
Toda dor é uma violação da alma,
Toda saudade, toda vontade; brisas intangíveis.

E meus olhos arderão até que olhos já não existam.
Minha fé queimará sem seu combustível, sem seu oxigênio.
E meu peito será vivo e pulsante,
Mesmo quando ninguém sobre ele pousar a cabeça,
Mesmo quando for apenas pó.

Estão depostos todos os tiranos,
Estão a um fio do fim.
Se aproxima o dia...
As nuvens voltam a banhar o jardim ressequido
E o sol inunda tudo de claridade após o dilúvio.
Agora sei que milagres não acontecem,
Já que tudo é um milagre.
E eu não aceito as migalhas atiradas ao chão!
Sento-me à mesa
E farto-me da vida que me é de direito.

5 de out. de 2015

Poucas cinzas

Que era a luminosidade daquela estrela peculiar,
Ascendo pelo firmamento negro,
Se comparada à claridade que tua alma emanava?

Alvíssima alma! Imaculada, preciosa...
Cujo brilho queimou meus olhos tolos,
Meus olhos que a nada mais pertenciam.

Pois a toquei, e tudo fez-se primavera.
Meus pântanos cobriram-se de lírios,
Meus escombros, novas fortalezas se tornaram.

Mas chegou a manhã ignóbil,
Vestida da realidade em carne crua, sangrenta.
Como o cetim atirado às chamas, decompõe-se o sonho primordial.

Restam em minhas mãos frias apenas poucas cinzas.
Cinzas de memórias sem vida,
Memórias imóveis.

Enfim o Silêncio tira a espada fincada em meu peito.
Jaz no solo a última gota de esperança,
E eu estou cansado.

Adeus, amada dor minha;
Por quatrocentos dias minhas lágrimas te regaram.
Nesta alma já não há solo para tuas raízes...

4 de out. de 2015

Sobre as partes que faltam


Semeio palavras regadas por sentimentos nobres,
Mas o solo é árido, esquecido e sem vida.
Mas de mim, onde tudo é tão maculado e impuro,
Ainda é emanada a parca luz sagrada do velho sonho primordial.

Os anjos não passam ao meu lado... 
Eu entendo... Tantas almas puras a abençoar.
Mas alguém um dia disse que os sãos não precisam de cura,
E minhas lágrimas ficaram contidas porque já escorreram o bastante.

Correndo naquela rodovia vazia, 
Sentia outra guerra sendo perdida dentro do peito.
Embora nenhum sangue mais fosse derramado.
Agora é o silêncio que perfura até a morte, não a espada.

Eu pensava levar uma última chave
Para abrir uma última porta.
Mas não havia porta...
Havia apenas, outra vez, o momento.

O momento, pequeno e sem poder,
Logo suprimido, esquecido, prensado entre as horas idênticas.
Momentos que nunca serão as partes que faltam.
Que nunca completarão as asas que um dia foram completas.