26 de abr. de 2016

Velhos outros passos


Três versos tão bonitos
Mergulharam na escuridão do ser,
Desapareceram na imensa noite.

Já não dói tanto tanta ausência.
A inocência e a perdição lutaram pelos velhos passos.
Agora, apenas eu traço os novos.

A tudo será dado vazão plena:
Seja farta tristeza ou pungente alegria.
Qualquer coisa sentida pela metade é uma blasfêmia.

Nos novos sonhos, velhos pecados e amores.
A santidade e animalidade.
Desperto, vejo a realidade ser o casamento dessas duas coisas.

23 de abr. de 2016

Perispírito


O corpo sente fome do corpo.
A pele busca a pele.
A alma sente fome de Luz.
O perispírito conecta a verdade à ilusão.

E o que é verdade ou ilusão?
Era verdade que a bailarina no palco
Dançara em formosura cada movimento torto
Da minha errante e apaixonada vida.

O que é verdade ou ilusão?
São de ilusão todas as doces juras.
As vontades confundidas com eternidade.
O desejo confundido com o Amor.

Que o passado nutra as raízes da Árvore da Vida,
Mas que o futuro seja de abundante luz solar
E ventos e luares e chuvas e estações
E regenerações.

Descansem em paz, tantos Belos sonhos,
Alimentem a terra onde novos sonhos serão plantados.
O maior fim de todos, também será o maior começo
E um dia serei grato, pois terá sido a dor a me guiar ao alto.

Dois buracos negros


Alguns cientistas afirmam que
Quando dois buracos negros estão prestes a colidir,
O espaço e o tempo são alterados,
Podendo-se voltar ao passado.

Alguns cientistas, como alguns religiosos,
Precisam acreditar em coisas fantásticas
Para sustentar aquilo que chamam de fé ou trabalho.
Ambos têm seus motivos, eu penso.

Digamos que seja verdade.
Se eu pudesse voltar para algum tempo, não seria distante.
Seria um dia qualquer de um dezembro qualquer,
Em que meus corriam emocionados palavras gentis.

Se eu soubesse que aquelas inocentes palavras,
Meros elogios e gentilezas, dariam início aos mais belos tempos...
Eu nunca as teria lido.
Porque aqueles tempos nunca mais estarão aqui.

Já é tão escasso, mas se eu me concentrar,
Eu posso me lembrar do gosto da esperança.
Uma esperança maior que imensa distância,
Maior que a lógica e a razão.

Eu nunca as teria lido...
E nunca teria sido a pessoa mais feliz do universo por algumas semanas,
E a mais triste dele depois.
Eu não teria sido abençoado com a maldição do amor.

21 de abr. de 2016

As palavras são mortas


Todos esses tantos símbolos agrupados,
Compreensíveis ou não,
Gramaticalmente aceitos, corretos, incorretos...
E se não forem nada?

E se, como aquela estrela que um dia vi ascender
E noutro vi descer pelo céu,
As palavras forem mortas,
Pequenos estilhaços luminosos sem importância e significado?

O que ainda resta dizer depois de tudo que já foi dito e ignorado?
Expressões sem vida, soltas, perdidas, distantes do destino.
Os corações estão fechados
E a poesia talvez não possa ser dita, mas vivida.

Enfim a ponte ou o muro ou o rio;
Algo a ser transpassado, algo para o além,
Que não pode ainda ser visto, mas pode ser sentido.
Tudo é verdade e tudo é ilusão.

Mesmo a mais concreta das verdades é uma fagulha,
Uma fagulha de um sol muito distante.
Mesmo a mais nobre das intenções guarda um resquício do mau,
Um egoísmo silencioso, latente, quase imperceptível.

As palavras são mortas, como seus poetas,
Testemunhos inúteis de sentimentos igualmente falecidos,
Varridos pelo tempo e pela indiferença.
As palavras são mortas. Que reine o silêncio.

19 de abr. de 2016

A vida... A vida


Acordes tristes de um blues meio torto entram pela janela,
A lua clareia todo o jardim.
Lembro de quando menino, de quando era leve.
E saía pelas estradas clareadas de luar,
Com o perfume da solidão e vaga-lumes.
Lembro de quando as canções falavam de sonhos,
E não de partidas.

Tudo mudou tanto em tão pouco tempo.
O reflexo no espelho, o sorriso nos lábios, as palavras que saem deles.
Mas continuo lutando pela vida,
Como um peixe distante da água, ignorando sua sina fatal.
Porque um dia meus olhos foram queimados,
Mas por verem a maior de todas as claridades.
Porque um dia houve um lugar a que eu pertencesse.

Não há tempo para qualquer dor ou desespero,
Mas me permito o cansaço.
Permito que a alma descanse,
Que olhe para o céu e veja estrelas cadentes que ninguém mais verá.
Em algum lugar, monstros famintos festejam uma vitória,
E não muito longe, ainda escorrem lágrimas de esperança.
É a vida... é a vida. De face ora linda, ora horrenda.


17 de abr. de 2016

Se habito a ruína de antigos sonhos



Se por fim habito as ruínas dos antigos sonhos,
É por ter nas mãos e nos olhos a lembrança que os criei.
O coração, por mais rudimentar, por mais primitivo que seja,
Soube ter a delicadeza de sozinho construir linda quimera.

É certo que foi tal quimera a devorá-lo,
Ou pior que isso, a deixá-lo sem dizer até adeus.
Mas por um instante eu tive a perfeição por entre os dedos,
E a luz por todos os cantos da alma.

Se habito a ruína de antigos sonhos,
Não é por medo ou desespero,
Mas por compaixão com a memória que pede,
Pede para que eu insista na reconstrução.

Esperarei... esperarei que a memória seja levada,
Levada por esse vento seco de outono.
Então partirei também, sem sonhos, sem desejos.
Partirei de mim. Livre.

15 de abr. de 2016

O Belo não está mais aqui


As duas lágrimas que desceram lentas,
Como um rio preguiçoso seguindo seu rumo ao mar,
Nasceram vazias de mais palavras, mais súplicas, mais sonhos.
Eu via o céu, quase tão plúmbeo quanto a alma.
O coração, cansado, já não roga, não ora,
Não se revolta.

Há poucas semanas, era daqui,
Deste mesmo jardim, que se via um céu magnífico.
Repleto de pequenos brilhantes.
Havia a penumbra; uma suave luz macia sobre um alvo sorriso.
A lua, as flores adormecidas, a esperança despertando...
Agora há o silêncio.

O velho, ancestral silêncio, que às vezes cessa
Com as batidas mais fortes do coração,
Mas que por fim, sempre é trazido de volta pela realidade,
Como uma mãe severa.
E ele me envolve feito o negrume espesso da noite sem luz.

As batalhas seguem... Vê?
Tantas, ah Deus!
Nossos destinos nas mãos de seres malignos e desesperados.
Mais duas lágrimas escorrem...
E eu quebro minha promessa de não chorar por tristeza,
Mas apenas pelo que é belo, pois o Belo não está mais aqui.




13 de abr. de 2016

Muito cedo para agosto


Eu vejo que toda poesia já foi escrita,
Vejo que toda tarde de outono já foi descrita,
Todos sentimentos, esmiuçados.
E escorre daqueles prantos que só um poeta poderia enxergar.
O que me resta?

A alma faz-se triste, como a claridade amarelada
Que deita mansa sobre os chorões do pátio,
Balançando preguiçosamente com a brisa morna.
Deus não tem palavras que oferecer,
Mas está dentro de mim, e sabe ouvir bem.

A alma parece curada, mas é cansaço.
'Espera-me' Digo.
'Espera-me, que a doença incurável não é infausta. É Amor.
Ama-me para que eu te ame,
E te amando veja algum sentido mesmo onde nada há.'

O coração move-se no peito
Como se tentasse adormecer em uma cama espinhosa de lembranças.
O ar tem gosto de agosto, uma secura melancólica, uma dor resignada.
A realidade cinza flutua insossa entre parcas ilusões pouco coloridas.
O céu permanece sem nuvens.

Aproveito a estranha atmosfera para velar os dias idos,
A esperança adormecida, a fé partida.
Olho para os velhos tempos com um carinho que não desejo sentir.
Nada foi real... pois o que é real permanece.
E o presente, o presente é essa porta pesada... difícil de atravessar.


12 de abr. de 2016

Mais forte


Talvez eu consiga ver por detrás dos seus olhos,
Talvez eu consiga ver por detrás dos olhos de todos eles.
E eles querem usar aquilo que resta de bom
Como fraqueza, como vergonha.

Tão comprometidos em seguir o fluxo.
Amar as mesmas imbecilidades,
Lutar pelas mesmas guerras infaustas,
Enquanto eu vejo as estrelas...

Porque eu sinto, funda e verdadeiramente,
Que há mais vida além,
E que irei alcançá-la,
Ainda que seus risos ecoem em minha mente.

Jamais chegaram perto do que realmente existe.
Arranharam uma casca e tão facilmente julgam;
Julgam com piedade a criatura que a veste.
Mas quem deseja o amor, jamais se saciará de piedade.

Não matarei nenhuma parte, nenhum pedaço
Do ser que bravamente resiste reluzindo, belo e frágil.
Não virá de outro previsível adeus a destruição.
Quando mais golpeado, mais forte o coração bate.

7 de abr. de 2016

Nesse mesmo lugar


O mundo ruge... som horrível;
Mas deito nos braços macios, invisíveis, inexistentes
Da eterna poesia da noite, por mais esta vez.

Nunca me perguntei por que não me cansa
A visão das mesmas estrelas...
Talvez, para mim, por serem eternas.

Nunca me perguntei por que nunca terminei uma oração;
Sempre adormeci antes;
Como se Deus já soubesse meu texto, e já me levasse nos braços logo.

O mundo canta... lindo som.
E eu canto junto, mesmo sem vinho, sem tom, sem boa voz.
Canto junto porque cantando é como estar flutuando no mar...

E sim, todos meus sonhos desapareceram...
Uns poucos, realizados, outros tantos, partidos com tanta dor.
Mas eu não disse quantos outros sonhos nasceram nesse mesmo lugar.

5 de abr. de 2016

O bastante


Da mesma forma que o veneno também é a cura, A força também está na fragilidade, No desespero, a ânsia de se ter esperança. E eu olho para certos olhos e meu coração se comprime, Tamanho vazio, tamanha escuridão. Que esperas de mim, meu Deus? Mas eu ainda vejo que só mãos abertas colhem os milagres. O medo, tão voraz, persiste, mas... Quem saberia da minha fé quando os olhos marejam emocionados? Tem umas coisas bonitas lá fora, sorrio para elas. E tem umas coisas bonitas aqui dentro que sorriem para mim. E eu sinto, sinto profundamente, ainda estou vivo o bastante.

A maldição do poeta


A maldição do poeta são suas tantas palavras.
Palavras esquecidas, não lidas, ignoradas.
Sentimentos não conjurados.
Súplicas desconjuntadas.

A maldição do poeta é a beleza da vida.
Beleza tamanha! Imensa!
Mas que ele não pode dividir, não pode oferecer;
Apenas contempla.

A maldição do poeta é seu coração.
Esse único real tesouro.
Relíquia guardada no âmago da terra;
Nunca descoberta, nunca sentida.

A maldição do poeta é sua memória
Que vaga ébria em tempos de outrora;
Fascinada por relâmpagos de felicidade
Em meio às brumas, às névoas da realidade.

A maldição do poeta é seu Amor.
Tão maior e tão mais belo que ele próprio;
Mas igualmente tolo e frágil;
Feito uma criança iludida por luzes artificiais.


4 de abr. de 2016

Famintos


Sorria, acene, aceite.
Não pise além da linha, não questione.
Não pense demais, não pense, se possível, faça o favor.
Contente-se.

Seja um bom reflexo aos olhos famintos;
Tantos olhos famintos...
Guarde a alma caleidoscópica para os sonhos,
Guarde a alma... Não há espaço lá fora.

E a poesia nunca morrerá,
E os olhos nunca secarão,
Mas adormece distante aquele doce tempo
Em que algo fingia por isso ser tocado.

Mas ninguém roubará as tristes e belas canções,
Ninguém roubará a parca claridade que ainda resiste.
Apenas ao que aqueles olhos tem algum valor pode ser furtado...
E esses sonhos... esses sonhos já não tem valor algum.

2 de abr. de 2016

Flor branca


Aos poucos vou encontrando os pequenos cacos,
Como pedaços de um espelho partido,
Que nunca será completo,
Que nunca irá refletir o mesmo reflexo.

Mas talvez nada esteja tão diferente assim...
Olhos cansados enxergam melhor.
E eu sei que você se surpreenderia
Com o que eu ainda acho extraordinário.

É manhã.
Eu vejo a imagem de um sorriso em eras tristes.
Ninguém soube antes o que se passava no peito,
E mesmo com tantas palavras, ninguém sabe agora.

E começo a não temer, ainda que sinta tanto.
Eu não quero o conforto dos orgulhosos,
A segurança dos protegidos.
Para ter algo, tive de perder tanto...

E o que meu corpo falaria sem a escrita de suas cicatrizes?
Algo resiste incandescente muito além dessa triste imagem.
Mas só é fácil amar o reflexo, frágil como uma flor branca,
Difícil seria amar a verdade.

1 de abr. de 2016

Lindos horrores


Sonhando com dias que nunca virão,
Ou que se foram para sempre.
Corremos dos mesmos demônios;
Perseguimos os mesmos sonhos,
Nos escondemos dos mesmos medos.

Rastejando tão conscientemente mais uma vez,
Deitados aos pés frios, aos lábios mudos.
Fazendo do maior, o único, o divino tesouro,
Mísera esmola, barganha, tentativa sem sucesso.
Que viagem! Talvez ele estivesse certo o tempo todo.

Mas eu flutuo pelas estrelas que ninguém enxerga,
E não dói mais o eterno e meigo toque frio.
Será só meu o infinito céu, antes do eterno fim.
E quando bater à porta, já será noite, e estarei longe,
Girando e dançando, fazendo amor com a solidão da lua.

Eu menti. Eu não preciso de misericórdia.
Talvez outra batida, algo mais fundo,
Mais intenso, sensitivo, fervente...
Mas sorrio às migalhas:
"Sim" "Claro" "Será um prazer" "Como queira".

E a coisa está ficando diferente aqui embaixo
Onde você não coloca seus belos pés aveludados.
Toda essa perfeição começa a fazer meu estômago girar.
Mas as portas estão bem abertas:
Bem-vindo ao lindo show de horrores!