29 de nov. de 2013

Luzes mortas



As lembranças permanecem, como o céu.
Lembra, aquele céu que sempre admiramos?
Mas assim como o céu está repleto de luzes mortas,
Estrelas que se foram,
Assim está o passado...
Repleto de fotografias amareladas vagando num lago calmo e azul.

Dizem que o verdadeiro amor nunca parte,
e se parte,
nos leva toda a claridade,
Dizem tantas coisas... que nem sei.

Sei que estou aqui, partido.
Com ou sem o que foi o amor.
Mais provável que sem, porque quando deito naquela cama ao lado,
Já nos altos da madrugada,
Sei que ninguém está a pensar em mim.
Sei que não haverá com quem dividir neste momento 
a garrada do saboroso vinho já envelhecido sobre o guarda-roupas. 

Toda noite estou a caminhar por este cemitério de estrelas e lembranças,
Até que o sono vem, e o espírito viaje, tão liberto desta carne suja, 
até seus paraísos eternos e instantâneos.
Todos os dias são como uma luta feliz,
Todas as noites são como uma paz tristonha.

Mas foi-se o dia, e a noite, minha amada amiga, é sempre bem-vinda.
Mesmo tristinha, mesmo com suas estrelas mortas... 
mesmo com a saudade de um sonho que não será sonhado mais.

26 de nov. de 2013

Novo mundo

Houve aquele tempo em que havia tempo para molhar o olhar de lágrimas enquanto o sol ia deixando-se esconder pela baixa colina.
Houve aquele tempo em que o coração velejava num mar tão vivo, colorido e perfumado de ilusões...

Mas que novo mundo é este em que aporto?
Que ruas são estas? Que juízes são estes? Que gentes são estas?
Tudo tão rude, amargo, autoproclamado perfeito.
Agora o coração se aloja fundo no peito, esconde-se, 
como se sua própria natureza fosse criminosa.
Como se as flores fossem culpadas por serem amarelas ou vermelhas,
perfumadas ou desprovidas de perfume.
Como se as flores fossem culpadas por terem nascido flores.

Nunca doeu antes, por que dói agora?
Nunca doeu tanto a ignorância alheia, o julgamento desprovido de sentimentos alheio.
Como é estranha esta terra, onde o errado condena o inocente enquanto esconde as próprias mazelas.
Como é estranha esta terra, onde uns desejam o sangue dos outros.
Por pura sede, por puro prazer!
Como é fria esta terra...
Como é escura...

Não negarei meu desejo de voar!
Meu constante e ancestral desejo de regressar às Terras do Nunca.
Para sempre rogarei as asas que jamais me serão dadas!
Para sempre serei o caçador de um tesouro inexistente!
Eu ouvirei as vozes nas ruas,
Olharei nos olhos,
ainda assim.
Desejarei, talvez por mais que alguns instantes, estar imerso naquele abraço:
Aceito, acolhido, nutrido, acalentado.

Não há coração que não pare às vezes.
Não há sonho que não nos exploda de ansiedade.
Não há esperança que morra para sempre.


24 de nov. de 2013

Nada


Foi a transitoriedade da eternidade que me deixou assim:
Perplexo. Mudo. Pacífico. Resignado.
Fugindo por querer ficar, enganando a esperança com flores de papel,
Despedindo por querer amar.

Quando a noite deita, junto de nuvens e raios, sobre os telhados,
Tudo parece ser mais difícil.
Os sentimentos do passado, mais doces do que realmente foram,
A solidão do presente, mais amarga do que realmente é.

Sinto medo é deste não sentir.
O susto que não vem quando os raios estouram lá fora,
O controle absurdo sobre cada passo, cada palavra, cada músculo.
Para o que me guardo? 

Sinto medo é desta espera,
Como se houvesse uma estação mais florida à frente,
Como se novos perfumes fossem adentrar pela janela.
Não, nada baterá nesta porta. Apenas o nada.

Também não haverá próxima estação, enquanto este for o mesmo.
Também não haverá mais qualquer poema de amor.
Também não haverá o adeus ou o olá.
O também... o Também não haverá.

21 de nov. de 2013

Bandeira branca


Não se sinta mal; se você ainda guarda algo de valioso seu dentro de mim;
com a bandeira branca pendurada na minha porta.
É tão simples: o tempo das lutas inúteis passou.
Quem bater nesta porta será recebido em paz.

A lições que o fogo e o sangue deixaram permanecem.
O líquido que borbulha em minhas veias continua mais apaixonado pela vida do que nunca.
Nada em mim está morrendo, nada em mim está desistindo.
Ao menos não desistindo de si mesmo.

Sempre fica a amargura depois do fim.
Sempre é eleito um culpado mesquinho diante da perfeição suprema da outra parte.
Tudo bem, eu entendo. Talvez, pouco tempo atrás eu até concordasse.
Entregue a culpa numa caixa dourada e coloque num cômodo vazio qualquer desta casa suja, num lugar onde não me atrapalhe dançar, por favor.

Logo partirei para tão longe e nenhum arrependimento, nenhuma culpa será levada na mudança.
A caixa dourada e tão pesada ficará no mesmo lugar, até que se decomponha.
Convidarei amigos e heróis, carregaremos as flores e os seis gatos.
E novos sonhos irão ser adubados com todas as histórias que foram morrendo com o tempo.

E o amor... o amor retornará a ser a busca mais doce e inútil.
E a busca... a busca retornará a ser o amor.
Minúsculos instantes levados como pétalas pelo vento...
Instantes tão bonitos e irreais.

17 de nov. de 2013

Trancado


Eu tranco a porta.
Eu não digo adeus.
Eu esqueço a dor.

Desta página em branco não jorrará uma obra-prima.
Daquele telefone não sairá mais o som de uma voz que aqueça meu sangue.
Deste Jardim não sairão rosas para mãos quaisquer. 
Deste coração não sairá mais um sinal pedindo socorro.

Serei eu meu infinito, meu reino, minha paz.
Adianto desculpas pelas obrigações que impus ao seu peito.
Nenhum herói será novamente rogado.
Nenhuma canção de chegada ou despedida será cantada por estes lábios.

Desta vez também não aceito a presença da solidão; fiel amiga.
Da autopiedade, autocomiseração; coisas tão não excitantes. 
As lágrimas que escorrerem. estão por conta delas.
O que sangrar, sangrará por si mesmo.

Ainda que os desejos borbulhem, como a lava lenta e infernal dos vulcões.
Ainda que filetes de saudade volta e meia escorram pelas paredes rotas.
Ainda que a fé tenha partido antes do previsto, outra vez.
A porta permanecerá trancada até que a verdade bata nela.
Caso a verdade exista...

16 de nov. de 2013

Instante


Nos abandonamos reciprocamente, lentamente, dia após dia, semana após semana, mês após mês... Até não restar nada, nem dor, nem amor, nem culpa.
O fim veio silencioso como a noite; chegou, restabeleceu o silêncio que já queria imperar, traçou as linhas e limites de distância.
O fim não é algo tão triste quanto dizem. O fim é algo brando e pacífico. Apenas uma etapa.

Talvez meu amor volte a ser um amor pela procura.
Isso não era de todo mal.
Não posso negar a beleza disso, embora doa.

Como nesta noite, naquele sonho, em que um abraço desconhecido envolvia todo meu corpo e minha alma e eu me sentia intra-útero novamente, ou aninhado, ou soterrado, como uma semente aguardando a primavera.
Aquele abraço que, meu Deus, era tão pouco e ao mesmo tempo, tanto!
Um abraço suave, frágil, ermo, delicado, como as pétalas das minhas flores simples, e poderoso como os trovões que rugem no céu cinza lá fora deste quarto escuro que sou.
Nem mesmo as palavras, as palavras que gostamos tanto de despejar aos sete ventos e por qualquer motivo, foram necessárias.
Apenas o instante foi necessário.
Apenas a desnecessidade de compreender, ser, fazer, conquistar, foi necessária.

Mesmo que os anjos, com sua aura prateada, fossem invisíveis a estes olhos sujos.
Mesmo que os demônios estivessem liquefeitos sobre os lençóis.
Mesmo em minha infinita confusão e desejo e medo e pequenez e grandeza...

Havia o instante, e o instante foi tudo que precisei para ser salvo.
Outra vez.

4 de nov. de 2013

Inominável


Soa tão estranha a possibilidade de ter aquele mundo de volta.
Reabrir os portões enferrujados de um infinito que há muito tranquei.
Ouvir todas as canções que foram escondidas, enterradas bem fundo.
Sentir novamente sensações que adormeceram silenciosamente, dia após dia.

Ver as tulipas brotando ao derreter da neve...
Ver os galhos aparecendo ao cair das folhas...
Ver as flores que mais amo murchando, morrendo...
Ver sementes caindo no solo seco, duro, quente...

Ter todos os sentimentos enlouquecidos e libertos.
O coração, quem diria, continua quente e bate e roga e acelera, mas também quase para.

"Aqui vem a chuva novamente...
Caindo sobre minha cabeça como uma memória.
Caindo sobre minha cabeça como uma nova emoção."

A solidão, companheira gentil e elegante, dá leves batidas na porta.
A esperança valsa no meio do salão.
O medo adormece, entorpecido, numa poltrona empoeirada.
O amor se despede, diz que partirá ainda esta noite, mas fica para mais uma bebida, e mais outra, e mais outra...

Peço então que todos deem espaço, levanto-me e caminho como que reconhecendo um caminho que sou eu mesmo.
Toco as flores que sou, e os espinhos que sou, e os perfumes e os azedumes.
Toco fundo, como se não doesse tanto, penetro, perfuro.
E no fundo, bem adentro de tantas camadas, não há nada...

Não há nada além de muito sentimento, muito sentimento inominável.