27 de fev. de 2011

Ninguém nunca encontrou


A minha necessidade era de algo tão sutil
Que você, em toda sua imensidão,
Foi incapaz de notar.

Eu não desejei a certeza de sua presença eterna,
Eu desejei saber que você estava completamente ao meu lado,
Em tudo o que você é, apenas naquelas míseras horas da longínqua tarde invernal.
Eu não desejei que você voasse até o cosmos,
E trouxesse meia dúzia de estrelas, e mais a bela lua cheia,
Eu desejei um ínfimo brilho em teus olhos ao me ver, apenas.
Eu não desejei orquídeas raras à minha espera,
Nem lírios brancos e exuberantes à minha porta.
Eu desejei uma flor do campo, aquelas de quase ausente perfume,
Junto dum sorriso teu.

Eu desejei teu corpo saindo do banho,
Nu,
Sem máscaras.
Seus cabelos desgrenhados, e as últimas gotas não absorvidas pela toalha, escorrendo pelo teu peito, pernas e braços.

Eu nunca quis muito,
Você que me ofereceu demais.
Tanto,
Tanto que não pude suportar receber.

Sei que falei muito em milagres,
Talvez por isso alguém pense que preciso ser impressionado...
Mas, entenda-se:
Milagre é um “boa-noite” não esperado,
É aquela senhora, tão cansada em seus 98 anos,
Varrendo, vagarosamente, todos os dias a sua calçada; dizendo quando por lá passo: “Deus te abençoe, viu meu filho!”
Milagre pra mim são as poesias de Cecília, também as de Cora.
É criança dizer “obrigado” sorrindo.
Milagre pra mim é ver minha mão, enfim limpa, segurando aquela flor da paixão. Finalmente, meu tão aguardado perdão.
Milagre pra mim é a canção que faz arrepiar todo o corpo.

Você, você me ofereceu demais.
Ofereceu promessas, juras eternas, um ombro de rocha pra escorrerem minhas lágrimas.
Você lidava com uma delicada ave rara sem asas.
Você não lidava com um menino, ou um homem que seja;
De sonhos pequeninos.
Você lidava com um poeta em letargia, e não comigo, que apenas sou médium do meu coração.

Não, você não errou.
De modo algum.
Você apenas pensou ter encontrado seu príncipe,
Depois seu pior vilão.

A mim?
Não.
Ninguém nunca encontrou.

De volta ao luto


Eu e meu reflexo dum falso poeta decadente.
E você que não me considerou digno nem de uma mísera resposta,
Eu tive que implorar até por seu adeus.
Te era tão saboroso ter mais um fanático à porta.

E eu já ouvi essa mesma canção uma centena de vezes...
“Luto...”

“Luto...”

E você e sua aparência angelical,
e seus olhos demoníacamente perfeitos.
E eu com meus traços magros, me sentindo um galho seco do auge do inverno, embora digam estarmos na primavera.

Meus ídolos continuam se embriagando,
E meus heróis continuam enlouquecendo.
E meu jasmineiro está pra morrer.
E minhas orações parecem esculturas frias de mármore branco.
E a estrada está tão esburacada novamente.
Lá vou eu também, de volta ao luto...
Os anjos empoeirados, e as palavras da Bíblia falando dum amor tão distante dos errantes como eu.
Nós apenas cometemos os piores erros;
apenas desistimos de nós mesmos.
Nós somos patéticas crianças mal-educadas,
que se recusam a tomar a própria cura.

Você volta ao nada que sempre foi...
E eu, eu vou de volta ao meu luto.

Não o luto pelo que já morreu,
Mas pelo que ainda não pôde nascer.

Sussuros

Eu ainda me lembro do medo sussurrando aos meus ouvidos.
Lembro de sua língua molhando meu pescoço.
Lembro do cheiro do seu hálito e de cada palavra expelida.
Aquelas palavras que cavaram essas valas em mim,
As mesmas valas de onde colhi as flores que você, sorrindo, negou...
Por serem tão humildes, por serem pouco exuberantes,
Por não serem raras.

Ainda me lembro da segurança das minhas máscaras,
De como fui protegido por minha fraqueza e por meus pecados.
E daquele perfume que me lembrava da inocência que tanto insistíamos em dizer que perdi...
Nada perdi.
Entreguei meus tesouros por espontânea vontade,
Quis colher lágrimas e solidão,
E ser só para acreditar em anjos que nunca irão existir.
Pois bem:
continuo procurando um culpado,
E dessa vez aponto para mim mesmo.

“Tarde demais”, bravejam do peito.
“Tarde demais”, diz coração e alma.

Mas eu sei; sinto...

Os sussurros da minha esperança são bem parecidos com os sussurros que faziam os fantasmas há pouco sepultados.

No silêncio

Naquela bela tarde de sol chovia.
Chovia uma chuva silenciosa,
Fininha...

As nuvens não chegavam até o pôr-do-sol,
Por isso ele ainda brilhava.
Aquela luz refletia-se nas árvores molhadas,
Nas pessoas com seus guarda-chuvas
E nos meus olhos castanhos.
Olhos de tão pouca claridade.

Eu olhei para todos que andavam em silêncio,
Olhei o cansaço dos que desistiram
E a impressionante força dos que sonham.

Como são belos os que sonham...
Também eu já fui tão belo por ouvir meus sonhos,
Eles cantavam canções tão bonitas...
E me falavam de lugares tão distantes.

Isso foi antes do barulho. E antes do silêncio.

O barulho de mil vozes dentro de uma sala escura sem porta e janela. E eu era aquele no canto, brincando com jasmins amarelados, quieto, medroso.
Mas o silêncio foi o que doeu ainda mais. Pois quando quebrei as paredes e fugi não existiam do lado de fora anjos como os de minhas expectativas; existiam seres errantes como eu, perdidos como eu, imersos em letargia como eu, mudos como eu.

Meus pés mergulham nas poças mornas...
Se vissem meu semblante tão baixo, não acreditariam em tudo o que falei sobre a felicidade...

Mas ao longe... Muito longe... ouço crianças rirem.
Ouço crianças rirem...
Talvez elas cantem para mim.

É preciso sonhar

Você está certo, realmente não te quero.
Não quero mais teus lábios, ou teus braços, ou teu corpo.
Não quero mais teu cheiro, ou tua voz áspera, tua alma cinzenta.

Você está certo, como sempre está.
Não mais te amo, se um dia amei.
Não mais sinto dor por sua presença ou ausência.

Tua memória me é mais valiosa que tu próprio.
Prefiro a lembrança a novos fatos.
Nunca mais lutarei por ti, ou fingirei que te desejo.

O teu erro? Nenhum.
Apenas já não és mais capaz de me fazer sonhar...
O que equivale a me impedir de respirar, de ter fé, de amar.
Repito: estavas certo!
A paixão nunca dura!
Confesso,
conosco ela sobreviveu por uma semana,
Os seis meses seguintes era só de esperança que eu me nutria.

Eu fiquei aguardando, aguardando...
As asas que nunca fizestes brotar em mim.
Tua culpa?
Nenhuma.

Acontece que saí caminhando num dia de sol suave,
Ouvi crianças brincando com seus cachorros,
Vi jovens se beijando,
Vi idosos tomando sorvetes e sorrindo,
Vi num jardim uma flor tão pequena, e tão bela, e tão perfumada, que ninguém mais viu.

Então peguei todas essas coisas, as assentei no coração e continuei caminhando... percebi que além delas, já não precisava mesmo de mais nada.

26 de fev. de 2011

Da superfície

Todas aquelas belas faces me distanciando de você.
Não, não deixe que eu me iluda,
Não deixe que eu me encante,
Não deixe que eu me vá.

Seja o silêncio e o sorriso.
Seja o olhar intenso.

Toda aquela atraente superfície é uma saborosa mentira...
Um torpor prazeroso e tão rápido.

Não, eu não os quero.
É tudo tão vazio.
E eu ainda sou tão pequeno para entender o que é real.
Ainda acredito poder voar ao sol com minhas asas de cera.
A queda é sempre tão inglória para todos nós.

Por que você ainda me ama?
Talvez se você fosse embora de uma vez eu conseguiria ver meu erro...
Talvez eu visse que meu espírito carece de mais que uma maravilhosa e estática fotografia.
Embora, eu sei, se você se for, eu não conseguirei mais retirar do mundo nenhuma palavra que eu julgue honesta...

Que lastimável esta minha capacidade de misturar a heresia e o sagrado num mesmo sonho...

Ajuda-me, ajuda-me a fechar os fascinados olhos do meu corpo, e abrir os sonolentos olhos do meu espírito.

Se puder, não permita que eu continue a desejar a superfície deles.
Se puder, torne-me real.

Finalmente

Complexo, eu?
Tantos querem tanto!
E o que eu realmente desejo é ver você, com seus belos olhos azuis brilhando, tomando café numa xícara branca, sorrindo no café da manhã.
O que desejo é apenas aquela antiga canção que nos ensina o perdão...

“Nada é fácil... nada é sagrado.”
Quem me prova?

Será mesmo um pecado ter fé?
Será mesmo a esperança o maior mal da humanidade?
Isso tudo apenas por que você não as tem, meu caro?

Por que te soa tão excêntrico tentar encontrar uma forma de ver outros ângulos duma mesma realidade?
Por que te soa tão errado não me conformar mais com a penumbra que me reside à alma?

Pois para mim soa de muito bom grado, olhar para mim mesmo e finalmente dizer: “Garoto, você merece mais do que ser o segundo melhor.”

Naquele Jardim Secreto...

Havia uma flor imperfeita.
Tão pequena, envergonhada de seu próprio ser.

Havia essa flor que desejava desabrochar mais que tudo:
O amor.
Mas ela não se sentia digna dele,
E uma parte escurecida do seu coração dizia:
“Você nunca estará pronta, você sempre irá murchar.”

A pequena flor tão belamente chorava na chuva...

Um dia o temporal foi forte demais,
E a enxurrada removeu a flor do canteiro.
Suas raízes ficaram expostas, suas pétalas deitaram na lama
E a flor sentiu vergonha por saber-se nua.
Embora ela sempre tenha desejado ser vista.
Vista como realmente era.

A pequena foi arrastada por todo o Jardim,
E foi levada para as águas turbulentas de um rio muito distante.

A flor sucumbiu.
Suas pétalas se espalharam pela superfície agora calma.
Suas folhas estavam rasgadas...

Porém, ela lutou e protegeu uma semente de si mesma.
A pequena não era tão iludida...

Essa semente repousa pacífica sobre pedregulhos.
Enquanto faz-se outra madrugada chuvosa... longa, fria.

Ela repousa ansiosa... ela ainda contém toda beleza em si.
Armazenada, quieta.
Falta-lhe apenas o alvorecer.
Logo nada lhe faltará.

O mesmo brilho de outrora

As esperanças me confundem.
Apenas em meus velhos medos pareço me reconhecer.
Tudo soa fútil; erros, acertos e sacrifícios.
Se eu alçasse meu tão sonhado voo,
Eu ainda seria capaz de me lembrar do que tanto tenho necessitado fugir?

Do passado, lembranças e mentiras disputam minha paz,
Enquanto minhas lágrimas secas deixam uma trilha tortuosa em minha face.
E tão dolorido é renascer e morrer todos os dias.

Minha alma aparenta cansaço...

Mas lá no fundo... bem no fundo,
Meus olhos ainda mantém o mesmo brilho de outrora.
Lá no fundo, uma parte tão bonita de mim ainda crê.

Ainda sente.
Ainda canta.
Ainda planta.

É noite morna; águas bailam na fonte luminosa.
Observo com meus olhos mareados...
É pela fé de alguém que aquelas luzes estão ali.

Então sente também a luz, pequena semente de poeta.
Digo...
E chore sorrindo junto de suas canções, mais esta vez.
E liberta tuas dores, eterno menino...
Elas carecem partir.

25 de fev. de 2011

365

Em todos os instantes me pergunto
Onde começou meu grande erro.
O que fiz de assim, tão grave,
Para todos os dias ser sentenciado a ser o que não sou.

Pelo quê desisti de mim?
Em que ponto me vendi?

O que eu mais desejava passou por minhas mãos
E nem sequer notei.
Eu fui mais ator que o ator que me amava,
Pois eu enganava a mim,
Tão perfeitamente.

E eu continuo me reconhecendo em minha tristeza.
Retornando às cinzas restantes das esperanças passadas.
Acompanhado por minha solidão e sua gargalhada,
Enquanto eu esmurro muros sem sentir dor.

Tão pouco me lembro da leveza,
De minha alma quietinha,
Morna como os domingos de primavera.

Em que instante aceitei me trocar pelo “real”?

Valerá mesmo, ter 364 dias de pesadelo,
Para ganhar um de sonho?

Há alguém atrás da porta

Há alguém atrás da sua porta.
Não me interessa quem é.
Mas eu sei que assim que eu sair
Ele tomará completamente meu lugar.
Tomará tudo o que fomos,
E será contigo tudo o que eu deveria ter sido.

Há alguém atrás da porta.
E eu posso sentir o cheiro da sua necessidade.
Você finge sentir minha falta
Enquanto olha no relógio, contanto os minutos para que eu vá embora.
E nas ruas tudo ainda é frio e úmido,
E o dia, mais uma vez, demorará a nascer.

Há alguém atrás da porta
Alguém que pode te dar tudo o que eu nunca te darei.
Alguém que tem mais força que eu.
Alguém que não procura simplesmente a própria procura.
Alguém mais belo, menos confuso, mais engraçado, menos triste.

Também há alguém atrás da minha porta...
Alguém que sempre ficará ali.
Alguém cuja face nunca verei,
Porque nasci para desejá-lo, não possuí-lo.

Sei que estou indo na direção errada outra vez...
E eu gosto disso.

24 de fev. de 2011

Naquele paraíso

Numa tarde de quinta primaveril
As árvores choramingam tão suavemente.
Eu sinto as lágrimas, as doces lágrimas.
Que penetram em meus poros, purificando meu sangue.

Cássia, tão viva, tão viva.
Canta logo ali ao lado.
Faz de voz, poesia.
Enquanto eu faço de papel, sensação.

E tão felizes estamos,
Eu, Cássia e nossas árvores,
Falando dos nossos amores.
Aqueles constantemente perdidos e ganhados.

E o menino passa, se lambuzando no sorvete;
Rindo, rindo e rindo.
O sol vai se pondo,
E os poetas aqui, docilmente estranhos,
continuam amando.

Ao jovem jardineiro

E o perdão veio 
quando pela primeira vez segurou-se nas mãos em forma de papel?
Que diferença faz?
Tuas flores desabrocharam,
E o Jardim já pode ser fechado.
Errastes como nenhum outro.
Mas acredito que também amastes mais que muitos.

És livre! Como sempre o fostes sem saber.
E és feliz! Como jamais havias sido.
Então, segue os conselhos de Cora:
Continua fazendo de tua vida mesquinha,
Um poema.

E teu passado, apenas um alicerce.
E o futuro, aquele que guarda asas maiores.
Recomeça, pobre jardineiro de outrora.
Nasça quantas vezes achar por bem.
Há tantos lábios, tantos aromas...

Agora, vá às estrelas.
Não te satisfaças mais com o brilho dos vagalumes.
Deixa letárgica tua terra negra.
Agora, seja mais vento que flor.
E tente sorrir, bem mais que chorar.

Respostas

A promessa?
É que estarei no local marcado, na noite marcada.
Meu coração?
Ainda treme sim; o pobre tanto apanhou quanto bateu...
O medo?
Ainda é o mesmo, aquela imensa vontade de correr permanece.
A estrada?
Continua inspirando meus passos; longa e solitária; nela vou só.
O tempo?
Uma noite ou uma vida, nada de meios-termos comigo.
A primavera?
Enfim está aqui, mas antes das flores, o verde precisa voltar às gramíneas.
Minhas dúvidas?
Continuam aquelas que você jamais entenderia
(tampouco eu).
Os sonhos?
Estes dormem, letárgicos, belos, sutis... e os despertos são tão confusos quanto crianças mal-educadas.
E o amor?
Bem, não vamos falar sobre isso...

Agridoce

Aconchego-me em tua macia escuridão.
E na ilusória claridade que emanam teus olhos.
Teus olhos tão sedutores quanto alguns dos pecados meus.
E as lágrimas que escorriam pelo meu rosto,
As lágrimas que escorriam dos meus olhos,
pelo absurdo que é ver vidas terminando antes do final, eram muito parecidas com as que escorriam pela graça de sentir a vida que chegou sem aviso.
As mesmas lágrimas agridoces.

Nada além

Não quero nada além do luar.
Interrompa aquela canção que fala sobre as dores.
Eu penso demais sobre as soluções,
E me esqueço de ver as borboletas voarem...
O mundo nunca fará sentido,
E eu nunca serei completamente preenchido.
Mas isso não vai impedir que o alvorecer seja belo num amanhã.

Não quero nada além da batida certa.
Para calar minha mente e mover meu corpo.
Um vinho vagabundo e uma madrugada fria.
Falando trivialidades, pois detesto aquelas coisas ditas “importantes”;
Elas pesam e doem e são inúteis.

E quando eu começar a viajar para muito longe
E apenas meu corpo permanecer ao seu lado,
Não diga que devo encontrar ajuda,
Diga que flutuará comigo.

Estou completamente exausto,
E meus pés doem enquanto vou ao seu encontro.
Minhas palavras são peso de papel,
E meu coração não enlouqueceu o suficiente para me permitir a felicidade.
Pois eu prefiro um violão, uns amigos e você ao meu lado, a pensar em tudo o que eu deveria ser.

Onde quer que eu tenha me perdido,
Já não quero me encontrar,
Já não quero me curar,
Já não quero ser explicável.
Nada me será mais fascinante do que amar, lutar, perder
e procurar, por mim.