30 de jun. de 2015

O vício


Sempre nessa penumbra semi-lúcida...
Tomando o mesmo café, nos mesmos domingos estáticos,
Acordando às sete, olhando com melancolia para o jardim às doze,
Mas não estando aqui, nunca plenamente.

Estou naquela tarde cinza, de céu revolto,
Correndo entre concretos e mais concretos, permeados de pessoas vagas,
Atrás de um sonho que não olhava para trás, nunca olhou,
Mas também nunca estava realmente logo adiante.

Era apenas eu, como nas noites de ano novo,
Vendo as luzes que espocam no céu,
E desaparecem para sempre em seguida,
Como se nunca tivessem brilhado.

Que fazia este deslumbrado estrangeiro em terra indiferente?
Apenas seguindo uma claridade difusa?
Observando, clamando, distante do que é a realidade,
Feito sempre.

O que restou depois do fim de todas as coisas?
Todas as coisas mais bonitas... O vício.
Restou o vício de quando as vivia,
E agora, o vício de odiá-las por amá-las tanto.

29 de jun. de 2015

Unhas roídas, esperanças milimétricas


A esperança, como as unhas roídas, cresce milímetros por dia.
O suficiente para, como as unhas, ser corroída de novo,
Sendo, em seguida, atiradas ao chão num sopro desdenhoso.
Para isso servem as unhas e a esperança em um homem:
Para serem extirpadas, ocupando as horas vazias da vida que já não reage.

Naquele dezembro, um mês desimportante, unhas e esperanças foram poupadas.
Havia uma direção, mesmo falsa, para os olhos se ludibriarem enquanto o resto passava.
O último suspiro da mais intensa claridade: o amor.
O costumeiro murro da mesma profunda treva: a indiferença.
Depois, o luto cede lugar ao inconformismo crônico; uma dor que é quase um membro.

Quando nada mais houve para provar ou para esperar,
O espírito se rende às suas mesquinhezas:
Libidinoso, carente, sôfrego, exausto.
Seria estúpido continuar depositando lágrimas e flores para velhos mortos;
Nunca mais voltariam, nunca mais vestiriam a mesma forma.

Tempo.

Aprisionamos o tempo em ideias, compromissos, possibilidades, férias, feriados;
Impomos regras a esse labirinto de luz/sombra,
Labirinto sem saída, sem espaço para arrastar sonhos gordos demais.
Pequenos tempos e pequenos sonhos; nos satisfazemos deles, agora que nada faz sentido.
Da mesma forma que nos distraímos com as unhas e com as esperanças milimétricas.

28 de jun. de 2015

Nem sei...


Você nem viu que eu sorri depois que o mundo acabou.
Nem viu que minha crueldade foi maior que a sua.
Que me abandonei além do tanto que me abandonou,
E que eu entendia tudo e chorava de raiva de entender tanto.

E aprendi a esquecer os milagres,
A tirar da pele o pó de luzes que os sonhos deixam.
Como um velho palhaço que ainda sabe mascarar o rosto
De uma felicidade que não sabe mais ter.

E ainda aqui, embarcado em palavras, tantas delas,
Que não levam nada  a lugar nenhum.
Tudo o que se move é um exército cinza de iguais;
Se move em círculos inúteis.

Teria o amor extirpado dos olhos seu pequeno dom?
Ou as pequenas belezas estão adormecidas,
Como manhãs de domingo, agora sem vida?
Nem sei...

26 de jun. de 2015

Sôfrego


E aquele doce, sutil adeus, ainda sussurra em minha mente
Palavra frias como o fio de uma navalha esquecida na neve.
Ainda olho para o amor, o inexistente, e vejo as mesmas antigas formas,
quando era primavera, quando era vivo, e o sol persistia.

Ainda olho para o corpo petrificado de um história incompreensível.
Que dor ainda falta sentir?
Que músculo ainda falta tremer?
Por que depositamos flores em lápides onde não habita nada vivo?

As lembranças cantam como assombrações,
E quem vê meu sorriso, não sabe o que ouço.
Não sabe que meu corpo e espírito ínfimos
Represam sentimentos imensuráveis.

Nenhuma paixão resistiu ao silêncio firme, duro, persistente.
O inacreditável e indiferente silêncio, substituto eterno do fulgor e consolo.
O coração bate estilhaçado, mas sôfrego,
Lutando pelo que se assemelha à uma vida, mas já não é.


24 de jun. de 2015

Vento, sorriso, lágrima


Nem se assemelha, aos velhos e sujos dias,
Este, com o primeiro vento gélido do inverno
Ultrapassando jovial as janelas poeirentas por onde ninguém olha,
Que penso:
Se o amor voltar a existir,
Bem que poderia ser em uma manhã assim.

E não preciso dizer a ninguém,
Nem aos homens, nem aos poetas,
Tudo o que foi sentido e tudo o que se sente,
Ou como o céu é palidamente azul
E o sol abraça como um pai amoroso
Edifícios, pinheiros e torres,
Digo a mim, e por hoje, basta.

Pois que o vento mudou,
E atrás das grades e vidros
Por onde vejo a mesma cidade mesquinha,
Há também distante um fragmento ainda incandescente
Da minha esquecida alma.
Entre ventos, sorrisos e lágrimas digo em silêncio:
Não é que hoje a vida dói de tão bonita?!

Ouro dos tolos


Contidas as velhas e imprestáveis memórias,
A manhã desperta alguma tonelada mais leve.
Já podia varrer para fora
Os restos mortais de esperanças incineradas.

O coração quer acreditar que um ciclo se fechara:
As trezentas noites se despedem,
E junto da luz sóbria da manhã
Reluzem pequenas novas quimeras,
Saltitando livres na cidade fria.

Quimeras frágeis, sem valor, ouros de tolos.
Mas há de fato um suave fôlego a retornar.
Um primeiro gole de ar após longa submersão,
Por mais que a alma
Ainda flutue no mesmo antigo oceano.

23 de jun. de 2015

Livre



Eu costumava me sentir honrado com a sua presença, como se o mero fato de você estar aqui, estar em minha cama ou em meus lábios, fosse uma generosidade grande demais de Deus ou dos deuses para com um espírito tão reles, tão pequeno.
Eu costumava pensar que a vida, num surto de bondade, ofertara-me um empréstimo da mais pura felicidade, sem jamais cobrar de volta, sem acrescentar nenhum juro.
Em um mundo de sete bilhões, apenas você reluzia. Apenas você emanava a beleza e a pureza que se conectava ao âmago mais profundo e imaculado do meu coração.
Naquele domingo frio, após voltar da rodoviária de onde te vi pela última vez, ainda andando nas ruas rápido demais e sem enxergar bem o caminho por conta das lágrimas que embaçavam a visão, eu apenas repetia: "Anjos não existem!". Mas apenas fui entender isso dez meses depois, quando, ainda te amando, tive a óbvia percepção: anjos não são indiferentes.
A alma, este relicário, guarda mais uma cicatriz. Uma cicatriz adornada de memórias tão bonitas que nem parecem terem nascido num mundo tão árido, tão cheio de ódio.
De certa forma, você me disse que eu deveria ser grato pelo amor que recebi... E eu fui enquanto e se ele existia reciprocamente.
Já odiei esse amor, o que é bem irônico, já senti a falta dele como se o oxigênio do universo desaparecesse para sempre, já desejei nunca ter olhado em tais olhos, já tentei amar outra vez.
O que restou é uma canção distante, que toca ininterruptamente, mas cujas palavras já não sou capaz de entender.
O que quer que eu tenha amado, não existe mais. Existe a sua forma, os seus hábitos, a sua rotina, os seus gostos, mas nada mais daquilo que se mostrava existir há um ano.
Se ponho em palavra, sem medo, algo tão pessoal, é por saber que o campo dos sentimentos é tão íntimo, tão próprio e oculto, que nem seu possuidor tem permissão de deixar que nele adentrem ou dele saiam.
Digo porque apenas as palavras permanecem imutáveis, e através delas registro, ainda que apenas para mim mesmo, minha libertação.
Talvez, o que doeu um dia, doerá para sempre.
Talvez, o que amei um dia, amarei para sempre.
Mas hoje, ao menos hoje talvez, estou livre.

21 de jun. de 2015

Sobre a dinastia de sonhos


Quase não me reconheci ao não ter abraçada em mim a mesma velha ausência de todos os dias.
O que ainda resta para dar despedida, dizer adeus?
É hoje o início do inverno, os primeiros dias da promessa que não será cumprida, como nenhuma promessa é.
Essa falsa ideia de continuidade é o que nos destrói aos poucos...
E se eles estiverem certos?
E se tudo não passar de momentos?
E se o sentimento for apenas um grande e oco trapézio que construímos  de ilusão colorida para subirmos e vermos uns metros acima de nós mesmos?
Boas memórias e más memórias guardadas em compartimentos separados...
Meu problema foi não saber em qual caixa guardar certos instantes.

Meu jardim ainda está lá, e eu sei de todas suas flores.
Sei das roseiras que já perderam suas folhas e flores para o outono, e agora dormem esperando a primavera.
Mesmo sem ninguém derramar o olhar sobre todos os pequenos milagres, eles permanecem lá...
Como em mim permanece inviolável uma esperança maior, mais fina e lapidada.
Eu sei que chegará o dia em que não haverá a necessidade de entregá-la a ninguém, mas reconhecer que ela já repousa no único lugar que deve repousar: dentro de mim.
Será um dia de tristeza, paz, alívio.
Ver a realidade sem projeções externas, perspectivas externas, pode ser o fim de uma longa dinastia de sonhos, mas o início da capacidade de enxergar o que de fato existe.

15 de jun. de 2015

Lá vai a vida


Tem vez que penso que a vida é uma coisa tão torta, sem jeito, mal-terminada, que nem vale a pena o tanto que a gente sofre por ela.
Ela dói. Dói pela menina violentada. Apenas um número somado à estatística.
Uma dor funda, fria, afiada, que nunca sairá dali de dentro dela, e nunca ninguém verá por completo.
Dói pelo menino agredido, pela sua existência assaltada tão cedo, de forma cruel, fanática, apenas por ele gostar de menino também.
Dói porque a gente não vê a dor do outro, e por não ver, finge que ela não existe, e por fingir, acaba acreditando que o outro não sofre.
Dói porque no fundo ninguém consegue ver a nossa dor também. Ela é só nossa.
Mas tem vez que a chuva cai no cinza frio da tarde, e o cheiro do chão se molhando tira um sorriso. Ele vai penetrando pelas narinas, pela pele, saindo pelas mãos.... E eu agradeço, como se isso fosse um afago de Deus numa Terra de Homens sem poesia alguma no coração.
Também tem aquelas vezes que alguém diz: "Vi uma borboleta amarela, lembrei de você." e essa frasezinha aquece a alma já quase acostumada a um inverno constante e rigoroso.
E eu me pergunto se estamos no lugar certo, ou se essa sacana da vida está nos testando: "Quero ver até onde tu aguenta! Te mexe!".
E eu não sei... Nem se é certo aguentar, continuar vendo o milagre que reside nas coisas ínfimas e rezando para o mundo não desabar, ou se é preciso pegar a primeira chance e partir. Partir de tudo: dos sonhos velhos, das ruas velhas, dos rostos que escondem almas velhas.
Enquanto isso a vida passa... Lá vai a vida.

14 de jun. de 2015

Nenhum anjo


É inútil questionar se o paraíso ainda está povoado o suficiente.
Serafins de seis asas ao lado de Deus,
Arcanjos e suas espadas e bravuras,
Querubins com sua doçura.

Ainda olho para as estrelas da sarjeta
De onde me despedi do Amor,
Envolto em uma esperança fina demais
Para espantar o menor dos frios.

É inútil a mágoa pelos anjos que desistiram de mim,
Embora suas promessas e sorrisos e olhares.
Nenhum sonho, nenhuma realidade, apenas momentos.
Os anjos nunca existiram de verdade.

Estão todos perdoados.
Perdoados por tudo o que usaram, roubaram, desperdiçaram;
Perdoados pelas pequenas mentiras, pelas grandes tragédias.
Um dia até me perdoarei pela fé que neles depositei.


12 de jun. de 2015

Liquefeito


O coração,
Aquela criança brincando lá fora com flocos de neve,
Que suavemente caem em suas mãos mornas,
Tão belos, perfeitos,
E logo desaparecem...

O coração,
Aquele tolo, ainda olhando para as mãos
Onde o brilho já não há,
Derreteu-se.
Sentimentos liquefeitos, escorrendo pelos dedos.

O coração,
O que insiste, insiste como as palavras.
Palavras que morrem, ressuscitam, sorriem sem se despedir.
Ele ainda bate no ritmo certo, mesmo após tantos fins:
De fé, de desejo, de luzes, de amor.

A canção suave e triste será ouvida mais uma vez,
E mais outra...
Louvados sejam os que acrescentam beleza
Às inevitáveis e numerosas dores.
Louvada seja a primavera que um dia substituirá o inverno.

Ele aguarda



Este lugar está distante dos velhos palácios,
Aqueles, repletos de nobrezas e fulgores;
Hoje, resumidos a escombros frios e submersos
Por camadas grossas de memórias mortas.

Este lugar, mero pedaço de paraíso e de inferno,
É onde repouso. Trazido por palavras tolas e desperdiçadas,
Mas ao menos, presentes, misericordiosas.
Daqui não vejo o futuro, mas vejo o céu.

Canto em tom suave para não despertar sentimentos ferozes.
O amor permanece quieto em seu sono leve...
Ninguém bate a porta, ninguém chama seu nome,
Mas ele aguarda... aguarda.

É aqui, o coração.
Morno como um lar, enquanto é inverno lá fora.
E não é arredio. Não é morto. Não é descrente.
É vivo, embora seu vazio.


9 de jun. de 2015

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É tarde


Que seria o amor além de uma trégua? 
Se as noites já foram portais mágicos para mundos mais belos, que são hoje além de escuridão? 
E estes dias, repletos de uma luminosidade falsa,
Onde os coração são vazios, escurecidos, e se digladiam? 
Eu já disse que bastariam certas memórias para reavivar o espírito entorpecido de solidões, 
Mas as memórias adormecem ao lado de sonhos já tão exaustos. 
E as lágrimas caem pelos poemas perdidos por descuido, 
Pelo sentimento incapaz de nascer e se manter vivo.
É tarde, os anjos dormem.
E eu começo a aceitar um destino absurdo, 
Quando, no fundo, a alma sabe-se tão imensa. 
É tarde, há apenas o fiel silêncio, que após cânticos e promessas, permanece, como fiel e não desejado amigo.
É tarde...
Então contenha o olhar inquisidor.
Estamos todos perdidos, 
Todos famintos de verdadeiro amor.
Todos famintos de verdadeiro amor.

5 de jun. de 2015

Outra vez


Talvez viéssemos de um tempo onde era impossível sentir lucidamente.
Mas eu e quem?
De qual tempo?

A verdade das coisas estavam em sua superfície,
A superfície morna e navegável,
Ou na profundidade fria e escura?

As roseiras estão fracas, é verdade.
É só o inverno, outra vez, o inverno.
E apenas eu vejo sua tristeza e alegria.

Onde está a lógica em amar um diamante impenetrável?
Valioso, insensível?
Onde está a lógica em amar?

4 de jun. de 2015

Eu serei o amor


Quando minha voz se calar, 
Eu ainda falarei do amor.
Quando minhas pernas perderem a força, 
Eu ainda caminharei em direção ao amor.
Quando o meu sangue secar, 
Meu coração ainda baterá pelo amor.
Quando minha esperança morrer,
Eu ainda esperarei pelo amor.
Quando meus ouvidos forem surdos,
Eu ainda ouvirei canções de amor.
Quando minha fé se tornar fel,
Meus lábios ainda serão doces para o amor.
Quando o amor me provar não existir,
Eu serei o amor.

1 de jun. de 2015

Valsa


Poderia ao menos uma noite se deitar ao nosso redor?
Deitar enquanto estamos vivos, de sangue quente e bem vermelho
Regando o solo onde frutificam paixões que jamais deveriam morrer.

Há um vale de olhares ao lado de um vale de memórias.
Tudo sem vida, estático, envolto na espessa bruma branca,
Macia e fria.
E o passado me chama por outra faces, outros nomes.

O mais cruel e belo dos fantasmas também sorriu ao meu sorriso,
E quase as portas do paraíso dentro de mim
Sentem mãos outra vez lhe acariciarem.
Mas não há nenhum milagre para consertar as ruínas.

A vida e a morte, a chegada e a despedia
Dançam sua valsa doentia de amor e ódio.
E eu assisto complacente,
como se não fosse eu todos esses personagens.