29 de mai. de 2016

No escuro


Não temerei a partida das luzes.
Na escuridão meus olhos veem melhor,
Veem o que não queriam ver.

A alma está nua:
Tantas suas belezas e cicatrizes expostas.
A alma está nua, mas não desprotegida.

Não temerei a partida das luzes
Se enfim parte também o deslumbre,
Se enfim parte aquele céu estrelado de ilusões.

O corpo se encara fixamente no reflexo,
Percorre cada linha, cada esquecida parte...
Agora serei eu a te confortar, a te amar.

Não sinto falta das luzes que partiram.
A alma funde-se por cada célula ao corpo, mas não é o corpo.
Na escuridão vejo o que realmente existe.

27 de mai. de 2016

Ruínas e rimas


Versos, versos e versos...
Um oceano morno de palavras;
Uma correnteza correndo em círculos.
Serão mesmo úteis todas nossas rimas?

Podemos escolher se atrás de nós
Deixamos um céu estrelado de sonhos
Ou memórias inservíveis
De um tempo do qual só restam ruínas?

Quando as últimas certezas começam a esfarelar,
E nada que se diga parece ser fiel à alma;
Os dias se tornam cinzas, velhos fantasmam voltam a se impor,
E eu não posso mais definir o limite entre realidade e sonhos ruins.

Não teria sobrado nenhuma parte intacta?
Teria a vida pisado com seus pés sujos em toda esperança?
Temos resistido às duras tempestades, mas não sem danos.
Para onde olho, só consigo ver novos fins.

25 de mai. de 2016

Poucos passos


Pequenas desilusões pontiagudas jogadas pelo caminho,
O caminho que percorrerei até o velho grande sonho.
Meus pés tremem e minhas pernas vacilam,
Mas meus olhos permanecem firmes.

Eu vejo a doce claridade não tão distante;
E já estou no primeiro passo...
As desilusões vão desaparecendo
Ao toque dos meus pés no chão.

Em meus sonhos eu danço com os fantasmas que me feriam,
Eles não têm mais o poder que eu lhes dava.
Na realidade, eu já estou no segundo passo;
A claridade, mais próxima.

E já é tão tarde demais!
A esperança desperta, sai bailando pelo jardim.
Eu sorrio.
Logo não restará mais nenhum passo a nos afastar.

23 de mai. de 2016

Agora eu vejo


Memórias de lábios frios
Beijam-me os pés
Que percorreram sonhos distantes.

Nunca houve parte imaculada,
Em parte alguma.
Éramos e somos apenas nós.

Dando mais e mais nós
Em um destino tão emaranhado.
Preso nas teias das aranhas dos pesadelos.

Agora eu vejo tudo o que há na escuridão.
A essência é uma pedra impura sendo lapidada,
Golpe após golpe, mais...

Eu não irei sentir vergonha
Pelo amor ou pela luxúria.
Agora eu vejo tudo o que há na claridade.

Meu corpo é jaula faminta,
Mas meu coração é ave liberta.
Meu coração preza por pousar em teu peito.


22 de mai. de 2016

Sentir


Escavo a alma já árida
Procurando dores sepultadas.
Não faz muito que as esperanças partiram,
Mas já faz tanto silêncio... tanto silêncio.

Como eu poria em alguém
A culpa por não se ver
O que em mim reluz?
Se é que reluz?

Tudo aquilo, toda aquela claridade...
Foi como uma única canção conhecida.
Um sucesso, um fracasso.
Memórias lutando para salvar e para destruir.

Quem é que agora me olha no reflexo?
Para onde foi aquele que tinha o sagrado nas mãos?
Ainda dói; uma dor delicada, profunda, sutil...
Quando a dor passar, ainda sentirei algo?

21 de mai. de 2016

Velhos sonhos e novos pesadelos


Há um pouco de cor nesse imenso céu cinzento.
O mesmo céu sobre velhos sonhos e novos pesadelos.
A alma dói como se guardasse para sempre um espinho cravado,
Mas as mãos ainda cavam o chão, acariciam, buscam.

E a forma que me lembro de cada desespero
Agora é iluminada pela luz macia do outono.
Talvez este seja o ponto em que a vida
Me deixe caído no esquecimento...

Mas o coração permanece firme,
Sempre pronto para novos golpes.
Pronto para novas quedas,
Pronto para novas esperanças.

Não farei cinzas de uma alma
Que já floresceu como um jardim amado.
Todo sonho sepultado
É uma semente que a terra guarda com carinho.

16 de mai. de 2016

Caixa de Pandora


Seria a alma ainda mais repugnante
Que a matéria perecível que a encarcera?
Porque se te mostro a carne, pouco te assustas,
Mas se mostro o espírito, foges como um bandido diante da porta aberta.

De todas as catástrofes,
Não é pior a esperança?
Somos fadados ao medo e à dor,
Mas ao vislumbrar o paraíso inatingível, queimam-se nossos olhos.

Porque o paraíso é uma utopia.
Sempre dois passos a mais do passo dado.
O que pode ser mais ridículo
Do que um covarde com sonhos?

Já mal lembro das velhas cruzes.
Todos os demônios repousam inofensivos.
E num instante de calmaria
Chego a acreditar que não é repleto de bestas o oceano abaixo de mim.

O que os sábios não diriam da minha luta inútil contra o óbvio?
Há ainda alguma dor necessária a ser sentida
Para que de uma vez por todas
Seja curado dessa dolorosa obsessão pelo amor?

15 de mai. de 2016

Abaixo da linha d'água


Vá com calma, poupe, reduza, entregue aos poucos. Não entregue.
Abaixo da linha d'água, há uma profundidade que assusta a todos.
Ninguém ousará pisar, ninguém mergulhará.
Teu âmago é oceano desconhecido, inexplorado, indesejável.

Aceita. Olha ao redor: o líquido raso. Para tantos, basta.
Sê raso também ou te conforma com a realidade que já de assola.
Não há quem naufrague por teus tesouros
Com tantas belas ilusões brilhando à superfície.

Mas conserva tua essência imaculada,
Mesmo sem a velha e doce esperança,
Mesmo com a realidade já fazendo morada permanente.
Conserva...

Além de todas bem-intencionadas mentiras,
Além do que os olhos idolatram futilmente,
Além da tua profunda dor...
Há outra verdade que não esta, há um porquê.

14 de mai. de 2016

Essência


Dos mesmos velhos olhos
Vazam lágrimas de angústia e boa emoção.
Há uma grande e dura nuvem negra no céu,
E pequenas flores fortes, resistindo à escuridão.

A alma se comprime; até quando, Senhor?
Mas eu lembro da última noite,
A lua sorrindo no céu
E olhos cor de esperança.

Antes não sentisse, diz minha razão,
Mas o coração deleita-se em sonhos ainda...
Mesmo com o frio que faz lá fora,
Mesmo com os Golpes que sofre.

E uma voz branda me sussurra:
Sempre perderá os tesouros,
Menino,
Mas nunca o caminho até eles.

11 de mai. de 2016

Ode à angústia!


Não te escondo minhas lágrimas,
O fel dos meus olhos e dos meus lábios,
Meu medo e desolação.

Não fingirei ser o vencedor de uma batalha perdida;
Vencida por ratos vestidos de roupas finas,
Vencida por demônios que se esgueiram por paredes e sombras.

Meu peito arde em chamas dolorosas;
Sangra rios vertiginosos,
Urra como o vento morto de agosto.

Mas com orgulho te mostro minhas chagas.
Minha derrota,
Os farrapos da minha alma.

Porque tudo isso prova a diferença.
Prova que, enquanto os abutres devoram os restos da esperança,
Eu, de longe, semeio novas. Eu, e tantos mais.

Não negarei minha angústia!
Louvada seja!
Agora tanto dói, mas amanhã me voltarei ao sol nascente.

Não privarão de nós o grito, o brado, a liberdade.
Como imundícies caquéticas rastejam ao trono;
Mas nós, nós construiremos outro império!

8 de mai. de 2016

À Soberana


Senti teu beijo frio, indiferente, tantas vezes...
Minha alma se contraindo na escuridão não foi notada?
Nem meus músculos tremendo comoveram teu coração?
Vida... Rainha Soberana, era necessária tamanha vaidade?

Castigas um tolo como a um criminoso.
E de tua justiça duvidei...
Como permitiu ser profanado
Aquilo que havia de mais, mais sagrado?

Mas como o luar descendo doce sobre o jardim,
Cobrindo as flores que desabrocham fartas no outono,
Trazes-me enfim alguma verdade.
Incendeia os véus que cobrem e nublam meus olhos.

Então, alguma esperança brota,
Como de uma semente que repousara paciente.
Já não há frio, mas braços macios e acalanto.
Como uma mãe, após severa lição, revela sua generosidade.

5 de mai. de 2016

Nude


Infinitas vitrines expondo a carne ardente.
Os corpos são feras,
Feras famintas.
Devoram-se.

Há pouco do espírito a se entregar,
Entrega-se então a carne;
Como se também não fosse sagrada,
Como se também não fosse santificada.

Intensidade, luxúria, prazer... esquecimento.
Boa noite sem resposta, adeus nas entrelinhas.
Deleite-se, como insetos nos lírios tão belos,
Tão fugazes.

Mas o espírito, nu, paira distante, intocado, irretratável.
A mente, um labirinto sem aventureiros;
Sem quem busque algum dos seus tesouros.
O que há de profundamente verdadeiro?

3 de mai. de 2016

Tempo após tempo


Os anos vão nos dando histórias
E nos tirando memórias.
Mais alguém não está aqui... Foi-se.
E a rotina vai ensinando isso: despedir-se.

E amanhã recuso-me à vida imposta.
Quero chorar, tomar um café sozinho,
Ver as pessoas correndo atrás de coisas
Que um dia as deixarão para trás.

Tudo o que resta é a imensidão.
Nada, nada passou...
Lembro de todas as estrelas, ruas e aromas.
De todos os amores natimortos.

E eu me rendo,
Como as árvores, meu todo se volta em busca do céu,
Mas minhas raízes me seguram firme ao chão.
Sou um sonhador que deu errado.