28 de mai. de 2023

 


Em algum lugar 

Alguém ainda espera por sua voz 

Enquanto você repara rachaduras 

E sonha em desenhar balões 

Em um quarto vazio de paredes brancas

E seus olhos brilham

Como uma criança de sete anos 

Repleta de tanto futuro 

E sobre a sua forma de cura 

Não ouvi relatos mais reluzentes

Colando

Adequando 

Plantando

Florescendo

Alvorecendo 

Somos nossas histórias

Não somos?

Disse para a gentil dama 

Somos sim 

E um pouco mais do que há de se viver 

Eu também já fui bem longe 

Acredite 

Procurando um sonho bonito que só 

E voltei pra bem perto 

Muito perto

Dentro de mim

Para poder fazer disso

De mim

Meu próprio lar

Enfim.

26 de mai. de 2023

Último fôlego



De tudo que era tanto 
Restaram apenas palavras 
Restaram apenas canções 
Restou pouco 
Menos que nada
 
Nenhuma prova física da deslumbrante existência 
Apenas um sussurro 
Uma voz 
Uma cor dos olhos 
O paradoxo de um adeus sem fim 

Mas alvorece enfim 
Outros ciclos se conectam 
E se encerram 
Enquanto a duras penas
Eu cresço um milímetro por milênio

Mas alvorece enfim 
Novas histórias serão contadas sob as luzes juvenis
E antes do profundo mergulho 
A esperança de um último fôlego 
Até que finalmente se beije a superfície.

20 de mai. de 2023

 


O já velho garimpeiro 

Outra vez 

Revolvendo o leito do rio cansado 

Em busca de algo que brilhe 

Algo que valha 

Algo que reste

Mas apenas memórias foscas surgem das águas 

Memórias que a correnteza sempre leva

E sempre traz de volta 

Nunca mais 

Nunca mais 

O inestimável diamante azul 

Com seu brilho inigualável 

Majestoso 

Impossível

Nunca mais a pureza extrema 

Perfeita 

Amada

Apenas as águas turvas 

O cascalho afiado cortando os dedos 

O cessar das luzes

A saudade

É então o fim 

É então tarde 

O garimpeiro repousa suas ferramentas

Gastas

Danificadas

E parte do rio 

Para o qual em algum momento há de retornar 

Para revolver de novo e novo

Sem esperança 

O leito silencioso 

Sem saber 

Que ali naquelas águas 

Só o

 que de precioso restara

Era ele. 

 


Houve um pequeno 

Um curto espaço de tempo 

Em que não havia tempo 

E por não se saber da passagem das horas 

Se era infinito

E tudo o que agora é tanto 

Os relógios

Os horários 

As hierarquias

As falsas promessas e falsos sorrisos

Os sonhos monumentais

Era nada 

Apenas um ruído distante

Ecoando no horizonte sem fim

E tudo de tão pouco 

Um aroma

Uma luz do sol

Uma flor 

Um riso de criança 

Um fim de tarde 

Um outono

Era o que era na verdade tudo 

E bastava 

Talvez eu soubesse antes 

Muito mais sobre tudo do que sei agora 

Com a memória ainda pura 

Límpida

Repleta de ecos fluorescentes

Da verdadeira vida 

Agora então 

Quando os anos passam displicentes 

Eu luto para levar o menino para brincar lá fora 

Como antes 

Quando o que doía

Era apenas a noite chegando e pausando a felicidade do dia 

Quando o que doía era só um joelho ralado 

E não um coração que se partia.



 A alma entoa uma canção como uma prece 

Uma melodia harmoniosa 

Uma voz sagrada 

Sem tantas súplicas 

Calma

Sem tantas saudades 

Branda

O que resta ainda a ser dito

Repousa dócil 

Sem pressa

Paciente 

Sem angústia

Esperançoso 

Pois não restam inimigos à porta 

Não restam luzes imaginárias a guiar escuridão adentro 

Começa enfim a reconstrução 

E é uma tarde de outono 

Mas alvorece 

No peito do homem 

Ainda bate forte o coração de menino

Sentindo sede de vida

E como na canção 

Eu vejo 

Onde eu estou

É tão bonito 

Porque eu estou livre.

 


Há ainda um tanto tão grande de céu 

Na alma fincada na terra 

Uma ressurreição

O cessar de um pranto 

Uma prece 

Sempre uma prece 

Com os dedos 

Os lábios

Os olhos 

Obrigado Deus nosso 

Pela misericórdia tamanha ao filho falho 

Pelos pés na areia morna 

Caminhando caminhando 

Pelo coração se curando 

Resistindo 

Descansando

Pela trégua tão implorada

Pelo amor que floresce no próprio peito 

E que finalmente basta.

10 de mai. de 2023

Tempos de trégua

 




A paisagem ainda é a mesma lá fora 

Mas já são as últimas palavras antes do ponto final 

Que precederá as páginas do novo capítulo

E eu sei que ainda há amor

Ainda há vontade e saudade 

Eu sei sobre a terra fértil que traz no peito 

Onde tudo tão facilmente se abriga 

E cresce

Floresce

Frutifica

E eu te amo por isso 

Te amo por tua fragilidade e constância 

Por olhar esse mesmo céu tantas vezes com o mesmo encanto do menino que já fora 

Te amo pela forma como se reconstrói 

Ajuntando tuas pedras e plantando tuas flores

Como disse a poetisa

Te amo por nada em ti ser extinto ou apagado 

Como disse o poeta

Pois por isso verá a alvorada despertar no horizonte

Completo 

Sozinho 

Ou nem tanto 

Ao teu lado e em silêncio teus anjos também fitam o horizonte

Sorrindo pelos tempos de trégua que se aproximam.

2 de mai. de 2023



Em um dia estava tudo bem

Eu via a esperança andando de bicicleta na esquina 

Já em outro

Não 

Era meio dia e os pássaros da manhã já não cantavam 

Algumas lágrimas escorriam 

Sem conseguir abrir a porta 

A janela 

O sorriso 

Deitado, esperava

Mais alguns minutos 

O fim de mais essa canção 

E tudo bem 

Sua falta se fazia um pouquinho 

Talvez mais que ontem 

Talvez menos que amanhã 

Mas a minha falta se faz muita 

Todos os dias

Cada vez mais

Por isso acendo a luz 

Alguns passos até a janela 

Está um dia bonito 

É dia sagrado 

Dia daqueles que constroem os pilares do mundo 

Bonito também 

Ouso dizer

O aguaceiro de palavras dos últimos tempos 

Elas

Quase as únicas a nunca irem embora 

A não desistirem de mim 

Ou eu delas

Disseram 

Sonhei com você em minha vida 

E nem a quem mais amei disse algo tão belo

O mundo fazia muito barulho naquele momento em particular

Você não me ouviu 

Mas há essa atmosfera de outono 

Um azul límpido e ameno 

A luz dócil por entre as árvores 

Uma oração sincera 

Como se Deus estivesse de frente a mim

Não distante ou universos acima 

Mas ali

Olhando nos meus olhos 

Então começo a me reconhecer novamente 

Lentamente 

No que fica após o dissipar das tempestades 

E ao menos neste instante

Não sei de algo que seja mais digno do Amor 

Do que isso que vejo.