29 de jun. de 2012

A felicidade tenta ser bem-vinda*



Aconchego-me em meu silêncio... o tão dolorido e verdadeiro.
Aconchego-me na dúvida, na sutil claridade da minha minúscula árvore de natal.
Os anos passam e eu permaneço nas mesmas canções, permaneço nos mesmos medos infantis... trancando nesse quarto repleto de noite fria.

O que espero tão gentilmente?
O que está para chegar e bater nessa porta?

Os dias passam lentamente, escorrendo como a água de uma torneira mal fechada...
Uma água enferrujada que não volta, que não é útil.
Enquanto eu continuo implorando, implorando, implorando...

O que será suficiente para saciar a fome do meu espírito?
Essa fome requintadamente cruel.
O que mais posso oferecer-me aos lábios amargos?

A solidão voltou a não ser uma estranha para mim.
Eu voltei a sentir aquele vento perigoso acariciando meus cabelos,
Dizendo que em meu peito esconde-se um caçador sempre faminto.

Mas a felicidade tenta ser bem vinda, enquanto eu recuo...
Recuo adormecendo sobre minhas cinzas conhecidas, minhas cinzas macias.
Cinzas de jardins queimados de inverno.

A felicidade tenta ser bem vinda,
E eu peço que não se aproxime demais.
Sei da dor que ela deixa quando decide partir.


*Em: "Alma à tona" - pag. 98

23 de jun. de 2012

O amor é um lar

Você não sabe que esteve em meus sonhos nessa noite.
Então digo a você que não só estava, como correu até mim e me embrulhou num abraço forte, macio e morno.
Você tinha seu sorriso amável e misterioso de menina, como sempre.
Tinha os cabelos vermelhos sendo ondulados pelo vento.
Quando me abraçou eu a amava e estava em casa...
Deste sonho carrego também a lembrança de um grande lago, raso e de águas cristalinas, escondido em meio a pequenas vegetações.
Eu amava aquele lugar, com toda minha alma, embora pela primeira vez pousasse meu olhar naquela paisagem.
Pois aquele lugar era uma espécie de lar.                                                   
O sonho continuou, e já não era tão leve e belo.
Como não poderia deixar de ser, eu estava sendo perseguido por seres que se esgueiram na escuridão.
Porém, também como sempre foi, eu era grande e forte, e o medo não era paralisador.
Eu os venci todos, quando abri certa porta e encontrei ali pessoas que eu amava, embora não reconhecesse suas faces.
Novamente, eu estava em casa.
Então me dei a pensar sobre o que ainda denomino como amor.
O que é o amor?
Para mim era pura e simplesmente a única salvação.
A remissão de todos meus pecados e o passaporte oficial para os paraísos.
Para mim, era evolução milagrosa de uma alma fraca que sempre viveu perdida em suas culpas e devaneios.
Porém hoje, desperto neste dia tão lindo quanto frio, e começo a sentir que as coisas mudaram...
Na verdade já não se faz mais necessária a salvação, pois talvez não haja mais do que ser salvo.
Não se faz mais necessário o coração disparado e enfurecido de alegria, pois essa fúria passa, deixando o vazio.
Não se faz necessário que o amor seja o guerreiro imortal de cavalo branco e asas imensas, pois os contos de fadas, definitivamente e infelizmente, partiram.
Se faz necessário que o amor seja esse lar que encontrei em meus sonhos.
Se faz necessário o abrigo, o saber-se bem-vindo sempre.
Se faz necessário o calor, o alento, a presença, mesmo silenciosa.
Se faz necessário você aqui, e eu aí, intensamente.

22 de jun. de 2012

Fogo líquido



Este coração que tem aparência tão dura e fria já foi quente e macio.
Este coração que é afagado pelo vento frio dum início de inverno já foi mais aberto.
Já foi mais sensível.
Já foi mais pulsante.

Mas o mundo ainda está lá fora, com suas cores quentes.
E tantas vezes ainda também parece haver vida aqui dentro.

Eu sei, foram as erupções que deixaram meu peito duro e frio.
Quanto tão tocado ele vazou fogo líquido.
É uma dor tão maravilhosa.
Fogo que escorre, destrói, fertiliza.
Fogo que cravejou na crosta desta alma tudo o que ela viu de belo.

Quando o fogo cessa ouço canções tristes, mas não doloridas.
Canções de despedida, mas não de adeus.
Canções solitárias.
Canções que recordam a sensação de descobrir novos tesouros.
Pois embora os ventos frios sejam bem-vindos, dá saudade das tardes mornas.


20 de jun. de 2012

Noturno



Venha andar comigo na brisa da noite.
Deixar nossos passos impressos no aveludado chão negro dela.

Venha comigo colher perfumes, beber luares, apreciar a sutil e longínqua sinfonia de cães e grilos.
Mergulhar por entre um instante eterno de escuridão pacífica.

Venha, se as luzes intensas e os movimentos demasiados também exauriram seu espírito;
Se os sonhos que germinam do seu travesseiro também te asfixiam.

Venha, bem assim; sem me apresentar seu nome, sua voz, passados e expectativas, e até mesmo sua face; apenas seu perfume, talvez.
Vamos apenas ser companheiros mudos que vagam por vielas desertas; ofereço-te tudo o que eu sentir, se você me oferecer um pouco do calor da sua mão.

Flutua comigo acima das sonolentas florinhas brancas,
Deixe-me te fazer sorrir...

Venha, vamos saciar nossa fome de estrelas.

Venha, e abraça-me,
lentamente,
enquanto vou dissolvendo-me junto das primeiras claridades solares.

16 de jun. de 2012

Nada mais dói



Faço-me chuva; silenciosa em sua queda indolor.
Precipitando-se não apenas absolvedora, mas absolvida.
Faço-me aroma e sabor de terra molhada, encharcada de vida. Perdoada por suas flores até então não germinadas, amada por alguns de seus frutos já suculentos.
Faço-me brisa pacífica, transportadora de docilidades.

Assim finjo que não ferem mais as dúvidas.
Finjo que com a vinda do outono tudo o que ainda persiste morto e seco aqui dentro há de regenerar, acariciado pelo vento não tão dócil.
Finjo que sou quase divino, ao ponto de flores me brotarem das mãos.
Finjo tão bem que acredito que nada mais dói.
E quase não dói...

15 de jun. de 2012

EUtono



Vou deixando cair também.
Amarelo e caio, amarelo e caio...
Dá saudade, faz falta, mas eu deixo.
Se não deixasse também, seria assim de qualquer jeito.
Vou caindo.

Nasci com o outono dentro de mim.
Morno, suave, lento, inconstante.

Estou também entre o calor e o frio.
Entre a entrega e a reserva.
Entre a esperança e a desilusão.
Estou também entre a luz intensa e escuridão macia.

Desistente, renascente.
Puro e maldito.
Paradoxo.

13 de jun. de 2012

Deus sorrindo



É impossível não olhar para trás. Na verdade é como se pelo mesmo motivo que temos olhos no rosto, tivéssemos olhos nas costas.
O passado acompanha; às vezes, persegue; às vezes, conforta.
É impossível não sentir culpa nenhuma, a menos que não se tenha um coração.
Há sempre uma culpa original. Pois em algum momento poderíamos ter sido melhores, e escolhemos não ser. Poderíamos ter fugido, mas não criamos forças para fugir. Poderíamos ter ficado um pouco a mais, porém preferimos não ficar. Poderíamos ter sentido um pouco mais, contudo não sentimos.
“Ao se deitar na cama, se você pensar que esta será sua última noite aqui, se orgulharia da vida que teve?”
Foi essa pergunta que me fiz ao passar em frente ao circo que recolhia sua lona suja e rasgada para partir para outro destino, provavelmente incerto.
Não posso responder que não. Que não me orgulharia. Seria injusto com todas minhas tentativas, mesmo com as que falharam. Pois elas, mesmo as que não vingaram, de alguma forma, trouxeram alguma luz.
Eu não poderia dizer que não, porque hoje pela tarde uma linda mãe me disse que sempre antes de dormir seus filhos pedem que ela leia uma poesia minha.
Eu não poderia dizer que não, porque acreditei, acredito e continuarei acreditando no amor. E isso por si só já deveria servir de passaporte para o paraíso.
Contudo, dizer que me orgulho também já é um pouco demais. Orgulho, em qualquer aspecto é algo delicado e perigoso de se lidar e sentir.
O que posso dizer, então, é que: embora não tenha orgulho, tenho paz. Posso dizer que me recordo de cada um dos meus erros, mas eles já não pesam muito mais do que devem pesar.
Posso dizer que ainda espero o melhor, que ainda canto no chuveiro, que ainda peço colo, que ainda ofereço colo.
Posso dizer que perdoo. Posso dizer que me sinto perdoado.
Posso dizer que amo. Posso dizer que me sinto amado.

Preciso dizer mais uma vez: um dia as luzes voltam a se apagar. Você se enxerga com as mesmas memórias, com as mesmas vergonhas, com as mesmas reservas e então você volta a sentir aquela cicatriz. Aquela inimiga imóvel, muda e quieta que está grudada na sua pele para sempre. Já não é uma dor profunda, é apenas uma dor peculiar. Comigo funciona cantar certa canção e ver meus olhos quase transbordando no espelho. Pois passa, às vezes é só dar um sorriso que o fantasma passa, é só encara-lo nos olhos que ele vai embora, volta para a lápide fria dele, e fica lá.

E finalizando a questão de sentir ou não sentir orgulho da própria existência. Quando penso muito nisso eu tento imaginar a face de Deus. Tento imaginar qual seria Sua expressão ao me ver. E quando eu faço isso Ele está sorrindo. É uma metáfora, claro. Mas eu sinto esse sorriso, sinto o significado dele. E já não importa se estou cheio de vergonha ou orgulho, de repente não é mais isso que realmente importa.
Eu me sinto visto, amado.
Visto pelo que realmente sou, tanto pelo que está à tona quanto pelo que ainda permanece adormecido.
Amado por algo que vai muito além do que a minha imaginação é capaz de esculpir.
Amado por algo maior, infinito.

12 de jun. de 2012

Tudo está cheio de magia



Há pouco foram épocas áridas.
Mudanças, dúvidas, os mesmos medos de sempre somados a alguns outros.
O caminho também era sempre o mesmo. Movimentado, poluído, repleto de pessoas com muita pressa e pouca educação.
Pessoas avançando o sinal, avançando a faixa de pedestres, avançando em outras pessoas.
O sol nascia e se punha sempre às minhas costas; o sol nunca me olhava de frente.
Era verão tão quente de dar raiva e eu sentia falta dos ipês.
Pensei: como um ser como eu pode viver num mundo tão sóbrio? Tão certo e seco?
Não pude deixar de lembrar da infância, onde tudo eram magias e belezas.
Não pude deixar de sentir falta das ilusões douradas que se faziam minhas armaduras.

Mas não é que há uns dias as coisas mudaram?
Mudei de bairro, de caminho, de sintonia.
Agora, virando a primeira esquina de casa, o sol está explodindo em luz, tanto ao ponto de quase me cegar, por Deus que ninguém vem à frente, porque nem olho mais o caminho, apenas enxergo aquela imensa e delicada luz me desejando um bom dia.
Dobrando a segunda esquina, vejo não muito longe os ipês que começam florescer, escondidos entre moinhos, chaminés, outras árvores mais escuras.
Dobrando a terceira esquina chego à Avenida dos Ipês, eu e o Amor a batizamos assim. Uma avenida longa e dupla, onde tive minha infância, fiz meus primeiros amigos, dei meu primeiro beijo; nos outonos/invernos ela fica decorada com as flores rosas e amarelas dos ipês.
É um presente aos olhos.
Agora vejo as meninas ensaiando passos de dança lá fora, é pra gincana de aniversário da escola; aqui dentro ouço uma canção que fala sobre obras-primas; uma voz suave, uma melodia impecável. É um milagre.
Lembro-me dos nossos corpos, corações e almas tão alinhados. Lembro do calor que geramos em resposta aos nossos frios.
Lembro-me da sua doçura ao dizer que ficaria mais uma noite comigo, que não tinha problema, que iria de volta à sua cidade na manhã seguinte, acordaria mais cedo para chegar na hora ao trabalho.
Foi mais uma felicidade.

Mais à tarde, junto dos primeiros minutos da noite estarei indo pra casa, eu e meu sol. Ele, tão imenso, quente e magnífico, se fará humilde, se esconderá atrás das árvores no horizonte distante para que possa brilhar uma pequena estrela em seu lugar.
E ao me dar conta de tudo isso seguro para que meus olhos não transbordem.
Os mundos que conheci e construí há tanto tempo, permanecem imersos neste daqui, não acredito que quase deixei de sentir isso...
Não acredito que quase deixei de sentir.

Tudo continua cheio de magia.