28 de abr. de 2017

30/04


Não há mais qualquer encanto
Nas ruínas deixadas
Por anjos displicentes.
Tudo se torna tão sóbrio e cristalino por fim.

E há mais mistério e beleza
Nas flores roxas da árvore atrás da parede,
Que nas amáveis e bem disfarçadas palavras.
A ausência está me deixando...

É abril, mas faz frio.
A semana teve o peso imensurável
Das lágrimas que ficaram presas nos olhos.
Por qual adeus deveria perder o sono desta vez?

Talvez fosse certo não carregar já tanto cansaço e silêncio,
E estar lá fora lutando juntos aos outros apunhalados.
Mas precisava velar por minhas flores,
Pelos meus restos sagrados.

Quando finalmente alguma lágrima escorreu,
Foi por ainda ver amor no peito surrado,
Morno e magro,
Mas, glórias, não mais por outra lunática alegoria.

Seria o princípio do fim?
Se sim, talvez o fim seja algo de generoso:
Leva embora a necessidade
De outros dedos entre os meus dedos.

Nos sonhos, quem vinha ao grito de socorro
Já não trajava grande beleza e forte armadura:
Era apenas eu mesmo, nem tão grande, ou tão pequeno.
Apenas vinha simples, sorrindo...

27 de abr. de 2017

27/04


Quando faz muito silêncio
Eu posso ouvir meu próprio coração.
Um som quente,
Que me dá alívio e certo desespero.

A vida insiste.
E o insistir pode ser uma das coisas mais bonitas.
E certamente
Nada é mais triste que o silêncio no peito.

Certa vez, me lembro,
Ele batia tão forte que outro peito o sentia.
Mesmo dali, preso por ossos e carne,
Sua dança era notada.

Quantos murros já levou, não me importa.
Quando a vida tenta dele partir,
É assim que a chamam de volta.
Por isso eu entendo o que em você dói.

O psicanalista disse que somos o produto do meio.
Ele não deve estar errado, quem sabe.
Mas talvez sejamos mais o que fazemos desse produto.
Amanhã o país irá parar, mas nós ainda falaremos do amor.

25 de abr. de 2017

Reboot


Quando a esperança me tomou o braço,
Me levando sorrindo, cantando,
Num dia de domingo cheio de sol
Não havia razão de olhar para trás,
Pensar do dia da volta e do adeus.
A vida é mesmo uma bobagem, uma irrelevância,
Para questionar a verdade
Que se apresenta a princípio
E que desaparece ao término.

A história muda os personagens,
Os efeitos especiais,
O gosto,
Os cenários,
Um reboot bem feito
Que será idêntico em sua essência
Às versões anteriores,
E anteriores,
E anteriores...

Ao abrir a porta novamente
Depois da indiferença plena e previsível,
Os móveis estavam no mesmo lugar.
Os porta-retratos,
A pequena caixa de papelão
Com a arrogante missão de ser um relicário.
Mas algo não era o mesmo.
Escondido entre os paraíso e o inferno
Em que sempre faz morado o coração,
Algo havia partido.

E era eu indo sozinho por uma estrada,
Nem mais bela nem menos bela que outras,
Mas sozinho.
Fazendo do caminho o próprio destino.
Que tolice seria sentir alguma saudade:
O que não foi uma mentira,
Foi uma trégua,
E tudo se finda.
Todas aquelas promessas e instantes,
O que além de pequenos sonhos
Que em alguma manhã fugirão para sempre da memória?

23 de abr. de 2017

24/04



O que restou é o brilho fraco de luzes perecíveis.
Em todo milagre se esconde um adeus.
Em toda mágica, um preço.

E o silêncio é o único a não partir.
Até as memórias irão,
Por mais profundas, por mais belas.

Era frio e a lua nos olhava.
Era seguro, morno, terno.
E frágil, como flores esquecidas.

Não faria sentido encerrar o ciclo.
Dizer adeus com dignidade.
Todo fim é o mesmo fim.

Traga um dia à tona
Aquela beleza que tentou vestir.
Não duvido que ela exista.

E da dor, que fique a lição,
Mais que o pesar.
O amor existe. Só não aqui.

16 de abr. de 2017

16/04


Outro perfume a ser lavado dos lençóis.
Outra imagem a ser raspada das paredes do peito.
É tarde demais para não correr mais o risco.
A canção triste já começou a tocar.

As nuvens desceram pesadas no trigésimo ano,
Mas não desaguaram, apenas observaram
Nosso desespero e despreparo
Em face das fragilidades dessa dura jornada sem fim.

Mais uma página à antologia de adeuses.
Mais uma alma a ser resgatada da névoa tóxica.
Mais uma batalha não finalizada.
É melhor não definirmos vítimas e algozes.

Dizia ser tão grande a luz,
Mas ela não clareou o bastante.
É verdade que os anjos não desistem?
Espero que sim.

6 de abr. de 2017

Doía-me



Doía-me o mundo.
A falência dos corações,
A aridez absoluta das almas,
A obscenidades das infindáveis guerras.

Doía-me o poema tão sentido
Ao falso anjo querido.
A humilde ode ao único galho folhido do ipê
Que um dia representou a frágil encenação de um amor.

Doía-me o silêncio e os ruídos.
Tudo penetrando carne adentro,
Sem anestésicos, sem distrações;
A crueza displicente da realidade.

Doía-me feito ainda dói.
Por vezes, uma dor bonita,
Como a de carregar o peso grande
Da esperança que nunca sabe morrer por completo.

Doía-me feito ainda dói.
O coração farto demais
Para seu próprio peito,
Tão pequeno.

Doía-me feito ainda dói.
As distâncias todas: de milhas, de pensamentos.
Doía-me feito ainda dói.
As palavras tantas, mas tão fracas; dissolvidas no tempo.



5 de abr. de 2017

Algo para lembrar



Tantas distâncias
Ali tão perto.
Cabelos castanhos ao vento, 
A estrada de pedras prateadas, 
Uma espécie de santa solidão. 

Qual seria o gosto do ar
Se sorvido acima da linha d'água?
Livre. 
Livre... 

Também o peito morno, macio.
Flores roubadas para sempre. 
Inútil batalha por memórias perecíveis. 
O beijo sublime nos lábios inatingíveis. 

Onde arde a vida
Em que corria, bradava, amava?
Sei que distante da vida amanhecida, 
Restos de um ontem sem sabor.

4 de abr. de 2017

Não sobrou


Não sobrou nada para quebrar,
nada mais para amar;
Nenhum novo sol poente,
jardim florescente.

Não sobrou alguma ânsia pelo pranto,
os olhos vitrificados fitam o infinito.
Nenhuma paisagem se revela
para além das espessas brumas.

Não sobrou nada a ofertar,
nenhuma esperança a iluminar o sorriso.
Nenhuma resposta para as questões,
que ficaram pelas estradas que nunca voltamos.

Não sobrou espaço para luzes e sombras,
num coração enfim de concreto.
Nenhuma canção para trazer para perto
o que nunca esteve realmente aqui.

3 de abr. de 2017

Subsolo


Amanhã todos vocês não estarão aqui.
É o que diz a a ciência.
É o que diz o despertador
Quando interrompe algum sonho bom demais.

Amanhã todo esse sentimento será mais fraco.
O escuro da noite se encarregará
De limpar as curvas mentais
Onde desabrocham memórias mal iluminadas.

As ruas, os lençóis, as luzes coloridas e giratórias,
O gole de cerveja, o gosto do beijo,
O cheio do tabaco, da maconha, do perfume,
Tudo se liquefará, escorrerá para o subsolo do consciente.

É quase um mistério o que habita esse submundo.
É meu; alma, mãos e coração fizeram,
Mas nada me pertence mais,
Tanto quanto nada nunca me pertenceu.

Libertadora e desesperadora essa impotência
Diante das agridoces saudades e das inúteis perspectivas.
Tudo o que é sólido pode e irá derreter...
Mas e o que não é?

1 de abr. de 2017

Na ida


Eu falava de cores macias,
Passados ásperos.
E dos poemas que nasceram
E irão morrer em silêncio,
Longe de qualquer olhar,
De quaisquer lábios.

Éramos jovens,
Repletos do direito de errar.
Seduzidos por imagens,
Por mensagens,
Por quem?
Tudo se vai,
E eu sei bem.

Então não sorria na ida
Por teu caminho.
Quantas vezes
Meu caminho também?
Mas sorrio agora
Porque há um solo de guitarra
E uma voz dourada, meiga,
Dizendo haver alguma beleza
Em não entender o caminho também.

Transitório


É essa infantil ideia de imutabilidade
Que nos faz parecer menos desesperados;
Esse espetáculo espetacular,
Cuja hora do fechar das cortinas ignoramos solenemente.

Mas é tão pacífico pensar no oceano que nunca me conheceu.
É suave pensar que algo é relativamente para sempre.
O que me diriam os deuses se eu questionasse
Se o caminho certo é realmente o melhor caminho?

Todo esse tempo, apenas imploramos atenção aos desejos mesquinhos.
Expelindo ao vento o que ninguém mais se atreveria a carregar.
Naquele batalha ancestral, sua doçura furou meus olhos,
E agora na plena escuridão eu vejo tantas estrelas além daquelas.

E nunca fui eu a fazer as palavras, foram as palavras a me fazer.
Nada fui além do silêncio escurecido da noite.
E o que serei adormece numa ilha de sonhos distantes,
Onde apenas memórias valsam, como fantasmas exaustos.