17 de dez. de 2012

Sangue


Minhas cores não estão nos olhos, estão na alma.
Minha armadura não está por fora, não é de ferro; está por dentro, é meu sangue.
Sangue de preto, de branco, de homem e de mulher, de anjo e de demônio.
E se a arte é a única coisa que nos cura da gente, ela será minha deusa.
Ela será minha mãe e meus irmãos e eu mesmo.

Porque o mundo não te aceita se você você não não ambiciona o que os demais ambicionam.
O mundo não te aceita se você é conformado, ou inconformado.
O mundo não aceita seus medos, suas limitações, seus desejos secretos, seu oceano profundo.
O mundo quer o raso, o solucionável, o explicavelmente claro.
O mundo não quer um gay para presidente.
O mundo não quer uma negra pobre como ídolo.
O mundo não quer que eu vista saia.
O mundo não quer que você ande sem brinco.
O mundo não quer que você fale alto.
O mundo não quer que você fale muito.
O mundo não quer você.
O mundo não me quer.

Minha armadura está nos olhos, no meu sangue tem minha alma.
A interpretação errada do mesmo livro sagrado cria ateus e fanáticos, e ateus fanáticos, e fanáticos contra ateus.
Enquanto Deus está chovendo lá fora, vocês se desrespeitam aqui dentro.
Sim, Deus é o raio, é o sol, é o vento.
Por que não?
Porque isso é explicado e compreensível?
E quem disse que ele nunca será desvendado?
Uma vez um amigo disse: 'sabe porque você não enxerga seu nariz? Porque você o enxerga o tempo todo.'

E qual minha parte nisso tudo? Ainda não sei.
E que bom pra você se você sabe a sua.
Sei que amanhã tenho um compromisso às 16. Dia 7 acabam as férias.
Sei que hoje estou bem, mas amanhã não, talvez.
Sei que o tempo cura, ou talvez não o tempo, mas a inércia.
Assim como arte, aquela de que já falei...

15 de dez. de 2012

M Eu Veneno


Se ao menos todas as palavras já não tivessem sido ditas, repetidas, gastas.
Se ao menos ainda chovesse por mais algumas horas, e eu pudesse colocar meus braços e cabeça para fora para sentir a água fria escorrendo pela minha pele.
Se ao menos, pelo contrário, houvesse muitas e estrelas e luar no céu...

Mas não. Tudo que há sou eu.
Eu, horas e horas pensando em como parar de pensar.
Dias e dias projetando trilhos de papel sobre um oceano, esperando que o trem que carrega meus extintos sonhos vá um pouco mais longe.
Se fosse dor, eu gritava.
Se fosse medo, eu acendia a luz.
Se fosse frio, eu abraçava.

Mas é pior, sou eu e apenas eu.
Sempre sentindo tudo, não sabendo sentir nada.
Cansativo, repetitivo, fosco, obscuro.

Todos os milagres já aconteceram, alguns até se repetiram.
E nada, nada me cura desse veneno terrível que sou.
Nada me eleva, nada me purifica, nada me faz voar para além de mim.

12 de dez. de 2012

Silêncio


Até que ponto você me mutilou?
Quão fundo você cravou seus dentes em mim?
Qual o tamanho do pedaço que você arrancou da minha carne?
Nada.
Quem olha não vê nada, quem vê não entende nada.
Como recompensa fiquei com a sua culpa, a culpa que você deveria sentir, mas nunca sentiu.
Como recompensa eu fiquei com a minha culpa, que eu sei, não importa quantos anos passem, ela sempre estará aqui, intacta.
Num certo olhar de profundo desprezo, ou numa noite de relâmpagos e chuva, você volta.
Na verdade você está sempre ali. Como um bandido vagando à noite, que apenas eu vejo, à espreita pelo melhor momento.
Nestes momentos, se eu torcesse minha alma, dela escorreria lama e medo.
Nestos momentos a imagem do seu sonho dando as costas é um filme que se repete.
Nestes momentos os heróis vão caminhando para cada vez mais longe do toque das mãos.

Silêncio.

É ele que me protege e ata ao seu ser imundo.
É o silêncio, que passa por mim sorrindo com dentes amarelos, aranhando minha pele, e a curando em seguida.
É o silêncio, diante da madrugada escura, sem estrelas, sem lua, sem saber o que pode vir do céu.

29 de nov. de 2012

Madrugada de lágrimas doces


Ainda me lembro dos meus últimos sonhos.
Ainda me lembro que um dia sonhei em tocar as estrelas, e além disso, ainda me lembro que um dia sonhei em tocar pessoas.
Eu tento trazer de dentro para fora o poder que ainda resta.
Eu tento resgatar aquela fé e aquele orgulho.
Eu, que tanto vejo o mundo, tento nesta noite, ver a mim.

Como eu queria poder ouvir a voz dos anjos para saber o que eles veem de lá de cima.
As canções, sempre elas, perfuram como anzol em minha alma.
Vão trazendo para fora lágrimas e mais lágrimas,
que escorrem pelo rosto com a barba recém feita;
os poros ardem e eu já espero o gosto salgado se aproximando dos meus lábios.

Mas não.
Mesmo sem a voz dos anjos;
Mesmo que o dia desperte tão igual amanhã;
Mesmo que eu sinta que tudo o que sinto não é grande o bastante;
Minhas lágrimas, minhas lágrimas nessa madrugada de chuva rápida, são doces.
Doces como se fossem meus sonhos diluídos, reciclados, voltando para dentro de mim.

26 de nov. de 2012

Ao vento


As palavras; tão leves as minhas palavras; foram todas varridas pelo vento.
E embora ontem eu tenha visto Deus nas nuvens e hoje eu o tenha visto no luar e nas estrelas,
E embora eu tenha chorado diante da certeza de estar sendo ouvido,
Meu coração insiste em não saber quem é.

Eu amo mesmo esse lugar, essas coisas, essas sensações, essas pessoas?
Ou apenas sou covarde demais para descosturar as asas que sei ter atadas às costas?
Talvez eu queira ser um ajudante na salvação do mundo,
Talvez eu só queira que o café esteja na mesa amanhã de manhã.

Serei sempre esse ensaio?
O egoísta que só não fere por saber que ferir é o que mais lhe dói?
O medroso que só não muda por preferir os medos conhecidos?

Às vezes me sinto tão grande que dói me carregar.
Às vezes me sinto tão ínfimo que um sopro torna-me farelos.

10 de nov. de 2012

O Deus interior


Quando se faz necessário o voo, não há tempestade amedrontadora o bastante.
Foi assim, em mais um sonho confuso, em mais uma noite de sons estranhos sobre minha cabeça.
Como disse certa vez meu amor: ‘tudo que está ao redor você absorve para si.’

Sim, chovia; ainda chove. Por isso o céu tão negro em meus sonhos.
Chove, e como sempre, ao notar a água caindo dócil, ao sentir minhas meias molhadas dentro do sapato igualmente molhado, ao sentir o perfume das flores amarelas que brotam em longos cachos naquela rua antiga, também molhada, eu sinto o coração em chamas. 

Eu sinto um chamado vindo não sei de que parte, não sei de quem.

Sim, se eu olho ao redor não faltam sinais. 
Há a luz do sol que deixa as folhas das árvores verde-esmeralda, os pássaros em sua rotina de liberdade, as pequenas borboletas embelezando os ares.
Se eu olho ao redor, eu vejo as crianças correndo e rindo despreocupadas, o que me faz recordar a minha criança que persiste viva, também correndo e rindo despreocupada.
Porém, desta vez, não é externo, é de dentro que essa voz vem. Eu sei.
São de dentro para fora que vêm brotando esses milagres.
E embora eu há muito tenha desistido de dar qualquer definição a Deus, eu sei que é uma parde dele aqui dentro.
É minha ligação sutil e vital com ele que me conecta às coisas que ele criou.

Nesses momentos meus olhos mergulham em minha alma que escorre.
Eu me esqueço do que é mesquinho, egoísta, pequeno, em mim e no mundo ao redor; eu olho por cima, eu subo às alturas, como que convidado pelos anjos, e por um ínfimo e magnífico instante vislumbro o semblante do Divino Mestre.
E ele me sorri.

6 de nov. de 2012

Poesia



A poesia é espasmo,
A poesia é o que não cabe mais dentro,
É a lágrima,
É o vômito,
É o sorriso,
É a voz,
É o desassossego,
É o excesso.

São as faíscas das nuvens que trombam,
É uma tempestade incandescente,
A saudade da dor,
A solidão imutável dentro do sonho perfeito.

A poesia é a criação da criatura,
A pérola no lamaceiro,
O perfume dos lírios do pântano,
O sangue, seiva da vida.

A poesia é o campo de batalha,
É a ferida mal cuidada,
É o rebelde sem causa,
É o surpreendimento diante ao óbvio,
É o abraço,
É o asco,
É a chave,
E o cadeado.
É verdade!
É mentira...

A poesia é leve, como as águas oceânicas,
A poesia é frágil, como o diamante adormecido na rocha,
A poesia é necessária, tanto quanto o ar nos pulmões;
Tanto quanto a luz de uma vela ao sol do meio-dia.

A poesia é a maldita e amada filha eterna,
A poesia sobrevirá a tudo,
Será a língua, o dinheiro, a fome, a sede e o gozo de todas as nações.

A poesia seria a única salvação,
Se não fosse já morta, inútil.

28 de out. de 2012

Estarei bem aqui



Não sei se o mundo ainda precisa de poesias de amor.
Não sei se o mundo precisa de alguém que ainda chore para a lua.
Não sei se o mundo ainda precisa de alguém que ainda ande lentamente pelas ruas sentido a noite, os perfumes sutis, os ventos ligeiros.
Na verdade eu nunca soube de muita coisa...

Mas eu sei que mesmo que as estrelas não se mantenham mais no céu, 
Mesmo que o sol não brilhe mais, ou brilhe muito,
Mesmo que as chuvas sejam fortes ou fracas demais,
Mesmo que as noites sejam longas ou curtas demais...

Enquanto você precisar, eu estarei bem aqui.

Enquanto, em algum momento do seu dia, ao se lembrar de nós, você sorrir, eu estarei aqui.
Enquanto você minha presença levar algum calor ao seu peito, eu estarei aqui.
Enquanto seus medos forem, mesmo que parcialmente, embora após um abraço meu, eu estarei aqui.

Você, tão gentil e simples, sempre colocando as palavras nos lugares certos, sempre me tocando nos pontos importantes mesmo que eu não diga quais são eles.
Você que é minha luz mesmo quando nenhuma luz consigo ser.
Você que é minha força mesmo quando nenhum músculo consegue se mover.
Você que é minha paz mesmo quando minha alma grita.
Você que sempre sabe como me salvar de mim...

24 de out. de 2012

Aqui comigo


É quase meia-noite, mas se eu abrisse minha janela sei que veria o sol, pois sua face sorridente está sempre diante dos meus olhos.
E eu preferiria, meu amor, ser para sempre o mais paupérrimo dos artistas de rua pelo resto dos meus dias para estar em seu caminho quando de sua casa sai e lhe entregar flores e poemas açucarados no farol, do que ser o fabuloso filósofo, tão coerente, que passa a vida toda lutando para provar que a vida não faz sentido.

Ela faz, porque você está aqui comigo.
Ela faz, porque posso não ter muitos objetivos, mas tenho muitos sonhos.
E não pense em sonho como algo imenso, pense em sonho como algo leve.

Por exemplo, sonho que amanhã chova um pouco, mas não muito, o suficiente para amaciar a terra e trazer à vida aquelas pequenas sementes que enterrei.
Sonho que as pessoas entendam o que os outros têm condições de ser e oferecer, e que não exijam mais do que  isso.
Sonho que às 23:07 você me ligue, me fale do seu dia, diga que está tudo bem.
Sonho em acariciar o bichano, deixá-lo dormir sobre meus pés por alguns minutos.
Sonho coisas simples, coisas fáceis, pois o amor de todos os sonhos já realizei.
Você está aqui comigo.
Não seria certo querer algo mais.

18 de out. de 2012

Céu claro, chão escuro




Não somos nós; acredito no que temos.
Não é o céu; vejo nele tanto azul, tanta luz.
Não são as pessoas; as pessoas são sempre as mesmas, idênticas, em todos os cantos.
Não é este lugar; gosto do que vejo ao redor, dos perfumes, das brisas, das flores humildes.

É a situação.
É meu corpo pesado – embora tão leve – que enverga rumo ao solo a minha alma pálida.
São nossas ganâncias.
Essa necessidade absurda de ter, conseguir, chegar; e tão pouco ser.
É estar atado ao chão ainda lembrando-me do sabor dos ares ao flutuar.
São as noites que meu espírito tenta fugir, mas sem saber como, sem saber de quem, sem saber para onde.
É meu medo de fazer as escolhas erradas, de lutar pelas causas vazias.
É meu desespero em perder meu tempo na tentativa de alcançar o inglório papel que todos acreditam ter a obrigação de representar.

É meu cansaço.
Meu cansaço diante das mesmas canções, dos mesmos ruídos, dos mesmos caminhos.
Meu cansaço diante da pobreza das palavras que jamais serão fiéis ao que realmente fervilha aqui dentro.

Ainda me lembro de quando todos meus sonhos eram numa tarde de verão.
Ainda me lembro que enquanto abria os braços – flutuando próximo às nuvens – eu sorria.
Sorria como se estivesse em casa, como se além do vento e do sol nada mais existisse, nada mais fizesse falta.
Mas os anos passaram, verdades tornam-se ilusões e ilusões tornam-se meias-verdades.
Vamos ficando densos, escuros, medrosos e quando percebemos já é tarde demais, perdemos a capacidade de voar.

Mas ainda que eu já não voe mais; hoje houve aquela que me abraçou, sem saber que tudo o que eu precisava era exatamente de um abraço.
Há o bichano gordinho com seus olhos de mel se enroscando em minhas pernas.
Haverá aquele que me desejará uma noite de sonhos bons, e um dia seguinte cheio de luz.
Então, quando eu penso nessas coisas simples, dá uma baita vontade de continuar em frente, mesmo que seja apenas com meus lentos pés cansados.


16 de out. de 2012

'Tudo bem'




Eu continuo acreditando que no fundo ainda existo em mim.
Continuo acreditando que as últimas estiagens, passadas ou não, não foram longas o suficiente para minguar meu Jardim.
Mas será?
Será que quando as chuvas voltarem junto ao verão;
Será que quando os pesadelos partirem;
Será que quando os medos forem menores;
O coração será menos frio e denso?

Por quanto tempo conseguirei continuar consertando as coisas que se quebram?
E essas minhas palavras natimortas? Porque insisto em parir esses pedaços de mim?
Se ao menos servissem de adubo para um novo Jardim...

Confesso que não sei se posso e quero ser o que precisamos que eu seja.
Se não tivéssemos que provar nada a ninguém o mundo seria muito mais verdadeiro...
Se não tivéssemos que impressionar ninguém o mundo seria muito mais belo...

Já me acostumei com as janelas fechadas,
Com o gosto amargo nos lábios finos,
Com o cabelo desarrumado.
Já me acostumei em dizer ‘tudo bem’ quando você não vem.

‘tudo bem’
Está sempre tudo bem, mesmo quando não.
Pois no começo podemos ser frágeis, dóceis, indefesos;
Mas não para sempre.
Em algum momento é preciso crescer.
Em alguma linha a poesia tem de terminar.
Em algum instante as feridas têm de cicatrizar, estejam elas ainda latejando ou não.
Em algum ponto, por mais bonita que um dia tenha sido, a magia deve partir e ser substituída pelo prático, pelo razoável, pelo real.
Como se tudo isso fizesse da vida, da carne, do caminho, algo menos penoso.

Mas eu espero que um dia, um dia não muito, ou muito, distante,
Eu ainda esteja aqui.
Mesmo que soterrado por toneladas de bobagens que deixei se alojassem em minha alma.
Que eu ainda me encontre e que eu ainda possua luz, que seja leve e principalmente:que eu ainda seja eu.




11 de out. de 2012

Lapidável


Não importa o que aconteça,
ainda há o vento soprando lá fora.
Ainda há alguma coisa com sentido,
ainda há um lar, não tão longe daqui.

Em meu silêncio sou tão eu,
em meu silêncio voo tão alto.
Além dos números, dígitos e concretos.
Voo com brisas, com perfumes, com flores.

Cada golpe torna-me menor,
cada gesto de desprezo.
Cada palavra não pronunciada,
cada decepção.

Cada afago também torna-me menor,
cada esperança que reacende misteriosamente.
Cada gesto gentil e despretensioso,
cada sorriso sincero.

Pois não passo de pedra bruta,
desconhecedora do próprio âmago.
Cada corte, cada pancada, extrai - me uma lasca desnecessária.
Vou sendo lapidado.

Que assim seja, que assim continue.
Que prossigam belezas e tristezas,
Que prossiga o amor e a dor.
Um dia tudo isso me fará reluzir.

8 de out. de 2012

O caminho não é longo por acaso


Eu olho o vidro embaçado e tento encontrar alguma beleza nesse reflexo tão frágil.

Talvez eu não devesse ter sido sempre tão gentil.
Tenho sido amargo.
Talvez eu não devesse ter acreditado que vagalumes iluminam a noite.
Tenho sido escuro.
Talvez eu apenas continue o mesmo.
Tenho sido tão pouco eu.

Me perdoe por não saber onde tenho te machucado.
Eu deveria saber de tudo.
Eu deveria ser tudo.
Ou ao menos ser um pouco mais...
Eu deveria entender que nem sempre deseja estar aqui... 
eu também não desejo sempre estar aqui.

Não, não são os ruídos da noite que me causam pesadelos.
São os meus ruídos, são os meus passos que um dia foram tão errados.
Eu entendo que não entenda, talvez eu também não entederia.
Eu nem sempre me perdoo.
Nem sempre meus heróis me socorrem.
Nem sempre a voz dos meus anjos me consolam.

Faz tanto tempo, lembra? 
Faz tanto tempo que não passamos lentamente pela estrada de eucaliptos.
Lá no fundo o perfume é tão bom.

Porque agora você corre tanto, meu amor?
Nunca chegaremos a lugar nenhum...
Nunca perderemos tempo...
Nunca chegaremos cedo ou tarde...
Não existe tempo ou espaço.

Esqueça das mentiras que seus olhos contam.
Ignore a realidade.
Já disse o poeta: essa realidade é mais vulgar das mentiras.
Não, o mundo não é redondo, nem gira.
Porque queremos tanto saber e ter o que não precisamos?

Eu não posso, me desculpe. 
Eu apenas não posso andar sem olhar para todos os lados.
Eu apenas não posso me preocupar apenas com o que tem no fim dessa estrada.
O caminho não é longo por acaso, 
As flores não estão ali por acaso, 
os sorrisos e os perfumes também não.
Eu preciso sentir tudo isso.
Eu preciso olhar com carinho para os iludidos, mas não preciso ser um.

Mas continuaremos em silêncio;
Como se nada doesse em mim ou em você,
Pois é tudo intocável e perfeito demais para conter algum erro.
Continuares em silêncio, até que as próximas lágrimas nos despertem.

5 de out. de 2012

Danço com minha noite


Os acordes entram; adagas afiadas.
Uma dor deslumbrante.
Não chorarei, não é tão grave, não dói tanto...
É apenas o coração endurecendo.
Apenas uma ligação não atendida.

A noite ameaça, seduz, sorri, perfuma.
A noite de uma primavera meretriz.
Você sorrindo, olhando para tão longe de mim.

Eu tão errado, eu tão errado.
Visto minhas melhores roupas, mas você não virá.

Mas a noite veio e ela dança comigo.
Enlaça suas pernas em mim, gira, olha em meus olhos.
Já não resisto, cantamos então a mesma canção.
Ando pelas ruas repletas de gentes vazias.
Ando pelos caminhos tão secos.
Mas a chuva foi há pouco, tão pouco...

Eu não te disse que quando acordo com medo é tua voz que busco.
Antes de minhas orações. Antes dos meus anjos.
É você que busto.
Eu não te disse que minha dores não são mais palavras,
São pedras que se acumulam, formando barragem
Para os meus sentimentos mais belos.

23 de ago. de 2012

São e salvo


Não dá pra dizer que nenhuma lágrima se espreme entre os cantos dos olhos e tenta escorrer quando as coisas já não vão tão bem.
Não dá pra dizer que os pesadelos partiram e que me sinto seguro em todas as madrugadas.
Não dá pra dizer que sempre acordo sorrindo e orando...

Mas ao seu lado eu me sinto sempre são e salvo.

Não dá pra dizer que nenhuma tarde é amarga e que nunca clamo por um mundo mais belo e mais distante.
Não dá pra dizer que a realidade me satisfaz completamente.
Não dá pra dizer que os sonhos estão sempre bem por perto...

Mas ao seu lado...

Porque sua voz vem doce como uma melodia de ninar e nesses momentos eu sei que você, 
mesmo tão distante, 
sorri.
Porque você diz que sou seu príncipe e que sem mim o mundo não seria o mesmo; essas amáveis mentiras que sempre me fazem tão bem.
Porque sei que tão breve estará aqui e se eu pedir que me abrace, me abraçará; se eu pedir que me beije, me beijará; se eu pedir que troque qualquer coisa para assistir o sol se por ao meu lado, você trocará.

Não posso dizer que tudo é certo e divino.
Não posso dizer que nunca recebo em minha memória visitas indesejáveis de um passado escuro e triste.
Não posso dizer que meus acertos superam meus erros, que minha força supera minha fraqueza, que a luz do meu coração supera a escuridão do meu espírito...

Mas ao seu lado eu me sinto bem. Eu me sinto perdoado e livre.
Eu me sinto são e salvo.

Agosto sou eu

 Sou este agosto.
Sou este vento frio e insuportavelmente seco nas manhãs.
Sou este céu de azul anêmico.
Sou estas tardes de sol, tanto sol, mas tão pouca luz.

Eu vou trancando...
As portas, os cadeados, os sentimentos, os olhos.
Vou esperando...
Que as coisas se curem sozinhas, se forem capazes,
Que o Jardim sobreviva, sem ser regado.

Tudo tão real, prático, metódico, previsível.
Os olhos não se fecharam para a beleza;
ainda ontem enxuguei suas lágrimas com pétalas vermelhas.
Mas em tão pouco tempo tudo se torna perecível, monótono.

Agosto é uma rocha imensa sobre o peito fraco e vacilante,
Agosto é uma fé que nunca mais brilhará a mesma,
Agosto é um gosto ranço, amargo, passado,
Agosto é cansado,
Agosto sou eu.

18 de ago. de 2012

Porta de mim


Solto de sua mão por um instante. 
Repouso-te em lugar seguro, despeço-me com um sorriso.
Preciso abrir uma porta para dentro, ver o que há, ver o que resta.
Sinto medo de não sentir.

Vou a passos meigos, dando a falsa impressão de candura, pureza.
Não, em minhas aparências apenas a calma é verdadeira.

Abro a porta, e o que vejo, não vejo.
É escuro, é escuro o que há dentro de mim.
Ensaio uns passos, vou tateando...
Nada, nada além do som dos meus sapatos no chão negro.

Já não sei o quanto caminhei, já não sei se caminhei.
Já não sei se atravessei mesmo a porta de mim ou se o fora de mim é que é escuridão.

Sei que hoje, talvez mais do que sempre, sua falta se fez aqui.
Sei que hoje queria ouvir dos seus lábios que o mundo não sucumbe pelas pessoas densas.
Sei que hoje queria fugir com você, 
Acreditar que existe mesmo um lugar não muito distante para nós.

Mas é tarde, sinto cansaço.
Sinto cansaço e temo dormir...
Pois prevejo que mais uma noite meu corpo prenderá meu espírito.
Mais uma noite estarei encarcerado dentro mim.

12 de ago. de 2012

Pesadelos


Não, há tempos não sonho com flores...
Embora o inverno (por causa dos ipês).
Apenas os pesadelos me acolhem; 
parecidos, distintos.
Pesadelos.
Pesadelos sem heróis, sem canções reconfortantes, sem perfumes e raios de sol.
Pesadelos úmidos, cáusticos, melancólicos.

Em algum momento tiveram vida aqueles que me perseguem?
Ou sou eu o demônio de mim mesmo?
Repartido aos cacos e com vontade própria de punição...

Às vezes canso... 
mesmo sendo a fera felina em que me converto para mais rápido fugir,
às vezes me canso de tanto correr, 
de tanto me esgueirar, de tanto me esconder.

Canso de ser sujo, enguiçado.

Então me levanto e volto a ser homem; e essa é a parte gloriosa do espetáculo:
Sempre sou maior e mais forte do que realmente sou.
Será?
Ou será que apenas quando o medo substitui o sangue de minha veias é que descubro meu real tamanho?

Em meus pesadelos não existem mais anjos e heróis ofertando um colo morno e macio, talvez porque eu já não precise mais tanto deles.
Em meus pesadelos, quem sabe, eu seja mais real do que neste instante sou.

11 de ago. de 2012

Poesia há



Se me falta palavra não é por falta de poesia.
Poesia sempre há.

A poesia cresce nos brotos,
A poesia floresce nos ipês, primeiro nos rosas, depois nos amarelos (tão poderosos os amarelos!), enfim nos brancos.
A poesia brilha no sol, o escorre na chuva.
A poesia corre atrás de mim na rua, quando volto para casa depois do trabalho e me diz quase ao pé do ouvido: “Jesus te ama, viu!” e eu quero responder: “Amor é pouco diante do que ele deve sentir”, mas digo: “A você também!”
Poesia é o que não falta, não senhor, não senhora.
Há tanta poesia em certas vozes e melodias, em certos sorrisos e aromas.
Há tanta poesia também nos silêncios e na quietude.

O que falta sou eu, 
Eu instrumento ruim, falho, bruto.

3 de ago. de 2012

Pedido



Leva-me novamente e para sempre ao virgem sonho imaculado,
Aos silêncios que permeiam os montes inatingíveis.
Traga-me, absorva-me aos bosques,
Embebeda-me do perfume que atribuo ao alecrim de início de noite.

Porque os dias são secos, e os ventos movem os galhos moles e já cansados das jovens árvores.
Porque as vozes não se calam, o corpo não deixa de suar e queimar, a mente não repousa.
Porque a noite é longa e eterna dentro dos seus segundos infinitos.

Silencia-os, silencia-me.
Injeta nesta célula infausta o elixir divino.
O puro sabor miraculoso das coisas simples.
Abra, arreganha estes olhos quando ambos fitarem o céu azul, cúpula de safira contrastando com as bolas de flores rosadas dos ipês ao inverno.

Guia-me, como o talho da terra guia as águas do rio.
Guia-me, mas faça-me acreditar ser livre, pois talvez, um dia, realmente o seja.
Permaneça aqui, mostra-me sempre sua face branda e alva.
E não deixe que eu me parta, frio e só, para tão longe,
Como no pesadelo em que as paredes me sugavam.