19 de nov. de 2019

Ponto final.


Sentirei tua falta.
Foram tantos anos envolto ao teu abraço, tua graça e claridade; mas te vejo fraca, relutante...
Em alguns momentos já me abandonaste por completo. Eu em vão te procurava e procurava, como um sedento por uma fonte límpida, mas recuavas, recuavas.
Cresci, não foi?
As paredes do coração foram se andurecendo, fortificando, encouraçando, e já quase nem tentas mais penetrar.
Foram anos áridos, minha querida.
Essa luta por manter essa paixão viva já me cansa. Como te querer se com ninguém consigo te compartilhar?
Fomos nos deixando aos pouquinhos, pelo que me parece.
Um dia percorri uma longa entrada em mais uma vã esperança, e o sol que se punha era apenas o sol que se punha... de cores pasteis, opacas. Ao retorno, as tantas árvores floridas em amarelo, como num delírio de Van Gogh, pareciam não ter estado ali antes... Eu sei que era um aceno teu, mas que logo me esqueci. Era preciso atenção ao caminho e à próxima inevitável despedida. Despedidas tantas...
Não digo que sentirei tua falta, poesia, como se perdesse a capacidade de te enxergar nas belezas da vida, mas verei em silêncio, porque tua voz soa fina e distante demais para que me sirva outra vez de algum socorro.
Passarei eu o resto desses dias falando de ti apenas a ti? Não vejo sentido...
Adormeça em todas as coisas sagradas e  acredite que meus olhos ainda te buscarão sempre apaixonados, como quando o mundo era mais leve, o jardim era jovem e eu sorria ao ver sacolinhas de doces penduradas na maçaneta pelo meu pai... era como ele conseguia dizer que me amava.
Tenho saudade do meu pai.
Tenho saudade de tudo.

17 de mai. de 2019

Invernal


Quando os primeiros ventos do inverno começavam a mover lentamente as nuvens baixas e um tristonho murmúrio ecoava pelas copas das velhas árvores, o coração, por uns instantes feliz e quase que envolto em abraço terno, precisou ser lembrado das razões de eu tê-lo revestido, há muitos invernos, de pesada e desconfortável armadura.
Os invernos mudam, mas sua sina é sempre tão semelhante.
Isso é bom. Isso é ruim.
Há nele fortes reminiscências dos sonhos primaveris de outrora, dos dias de aromas doces e acolhimento. Aquela tola e infantil espera esperançosa pelas manhãs de sol. Se o banho nas gélidas águas da realidade é para manter para sempre algo dessa sua beleza já tão surrada, ano após ano.
Essa dor quase poética me faz enxergar as cores vibrantes de todas as coisas, faz sentir com mais intensidade a luz acariciando a pele e me faz planar pelo silêncio absoluto e pacífico de uma tarde inexplicavelmente bela.
Assim nasce delicadamente alguma cura para a alma que sofre ao ver suas mais ricas sementes perderem o dom da vida por repousarem em solo ainda coberto por densas cinzas de um glorioso passado do qual só fuligem insepultas restam.
Um dia há de haver algum solo morno e pronto para germinar, então os inícios de inverno darão lugar à abundante poesia e vida de uma verdadeira Primavera.
Pois que o coração, se ainda dói, é porque bate.

Anunciação


Percebi que era certo que o coração tentava romper a caixa de concreto que o protegia e aprisionava quando, instintivamente, os olhos encontraram os ínfimos primeiros sinais da floração do imenso e velho ipê.
A busca pelo Belo, pelo desejo de florescer, é a anunciação da primavera tentando desabrochar no peito.
Ah se não fosse a indomável lucidez a segurar as rédeas... eu me permitiria até sentir esperança.
As flores do ipê desabrocharão, a expectativa se diluirá no silêncio dos dias, o amor, outra vez, não deitará em solo que o germine; mas por hora o peito pulsa, as paredes frias e escuras desabam e o coração, que é sim imenso, admira o sol poente. Uma pequena e bem-vinda trégua antes das engrenagens começarem novamente a funcionar e tudo perder sua magia para a mecânica insaciável dos dias.

Santificado


É assim com todo mundo...
Lamentamos o amor que se foi fechando lentamente as cortinas para o amor que quer se aproximar. Sabemos todas as respostas, todas a razões, mas a dúvida traz consigo um calor esperançoso, e é tão mais sedutora que a certeza, que tenta entrar como a luz do sol pelas frestas de lucidez.
Faz um dia lindo lá fora e isso pode ser considerado um sinal de que as coisas estão resistindo. As flores desabrochando, os gatos preguiçosos ronronando quase derretidos nos muros, ouvindo os pássaros, os insetos polinizando as flores que se tornarão sementes e serão novas vidas.
Tudo continua girando, insistindo, cumprindo sua sagrada sina.
Eu queria que naqueles dias cinzas de um velho agosto alguém houvesse me dito que tudo se curaria. Que passado o torpor imposto pela paixão, o coração luziria novamente; uma luz única e abençoada que continuaria a brilhar mesmo depois dos piores dias que viriam.
Eu queria de novo me lembrar de como se iniciavam os versos de amor, e com eles descrever a luz da tarde, o colorido das flores, os desejos do meu coração.
Mas bastam talvez essas humildes palavras um tanto desnorteadas... para dizer que a essência ainda se encontra protegida no frasco santificado da alma.
Jamais irá se perder.

30 de abr. de 2019

Ainda vive



Ainda estava tudo em um santo repouso no fundo de uma alma envolta em penumbras. 
Mesmo o que havia morrido, em partes, ainda vivia. 
Eu sentia enquanto desconhecidas canções tentavam resgatar algum resquício do meu amor pela esperança. 
Era uma tarde de domingo qualquer. Sem memórias, sem expectativas, apenas com o sol deitando suas luzes pelas frestas dos muros e dourando algumas flores simples do jardim. 
Ainda assim era tanto, tão raro, tão precioso. Era vivo.
E os olhos quase jorravam, como naqueles dias espetaculares que eu tirava para perdoar a mim mesmo, para enxergar a minha própria claridade. 
Me escondi das palavras porque tudo o que procurou fazer morada em meu coração foi a aridez bruta desses tempos insanos. Como poderia ser diferente?
Mas há de haver uma trégua, um momento onde o olhar pode se dirigir para o céu em que a primavera lança suas primeiras flores. 
Sejamos nós, talvez, pequenos oásis nesse imenso deserto de corações letárgicos, quase mortos. Sejamos nós a brisa, o perfume sutil. 
Sejamos nós os que, de alguma forma, ainda acreditam.

21 de abr. de 2019

Ser


Na maior parte do tempo, mesmo com todo o ranger enlouquecedor das engrenagens da vida, o que estava à tona era uma silenciosa espécie de não-ser. Uma incógnita, uma ansiedade, uma espera conscientemente inútil pontilhada por cacos nocivos de uma saudade morta-viva, indecomposta.
O mundo se tornara vulgarmente árido e óbvio. E contrário disso, a vida em exuberância, claridade e mistério, abria uma janela memorial para um passado que jamais deve ser tocado ou sentido, ainda que pulse.
Eu queria que restasse nos cantos da alma aquelas pequenas preciosidades bobas que eu oferecia tão carinhosamente... Quando, mesmo com toda a densidade e escuridão já tão profundamente conhecidas, vividas, sentidas, havia um riacho de docilidade que jorrava pelo sertão amargo dos dias.
Talvez se eu conseguisse me ver com os olhos que você fingia me ver antes de para sempre partir, eu entenderia algo mais perene sobre o verdadeiro amor.
Eu não gostaria de viver satisfeito apenas por ter tempo suficiente para tomar fôlego para o próximo susto. Acredito que você também não.
Eu estou com o papel em branco em mão, e mesmo com as forças que seguram e endurecem meus dedos, talvez eu ainda possa reescrever um final ou dois, um caminho que traga novamente aquele fogo ao olhar. Quais palavras ainda não foram por mim ditas, que suplicas não foram lançadas ao universo, o que ainda não foi exposto do coração, mesmo para seres estranhos, incapazes, frios? Parece mais difícil agora descobrir.
Eu sempre irei voltar para esse vórtice de gratidão, confusão, medo e ódio por ter sido um dia abençoado com a maldição do seu amor...
Mas mesmo nessa penumbra dos dias, mesmo nessa ausência aparente de claridades e belezas e sonhos recém-nascidos, o que existira do verdadeiro Eu ainda existe na mesma proporção, ainda que encarnado em uma forma completamente diferente.

15 de fev. de 2019

Até...


Acredito que a poesia ainda corre pelas veias, pelas veredas, pelas vias de todas as coisas. Ela resiste em meio ao caos, em meio à dor e à morte, como uma testemunha complacente, misericordiosa. Mesmo em tempos áridos, como estes em que parecemos transitar por um imenso deserto que separa dois oásis...
A poesia não se cansa, mas o poeta (e aqui sou petulante e me coloco como um), sim.
Foram muitos anos mergulhado num mar de palavras, sentimentos e sensações. Uma busca infinda pelo significado oculto das coisas, pelo Belo, pela Esperança e pelo Amor. Foram muitos anos trazendo à tona versos, versos e mais versos, como que garimpando pequenas preciosidades de um mundo pouco visitado.
Já não sinto que agora eu consiga ou deva continuar esse doce labor. O mundo está convulsionando e talvez mais do que nunca essa insistência em regar os jardins da alma se faça extremamente necessária, mas deixo isso aos grandes, aos mais capazes.
A Poesia me trouxe coisas de valor inestimável, aprendizados únicos, coisas que, embora o tempo desgaste e às vezes leve algumas partes embora, deixa no espírito marcas eternas.
Essa é uma despedida, ou um até logo, do Aventuras Internas; um espaço onde por cerca de dez anos foi uma extensão fiel das coisas que nasceram e cresceram do meu coração.

Meus trabalhos independentes continuam disponíveis no Clube de Autores, acesse: https://bit.ly/2SCvrEB


"Eu não tenho arrependimentos, não há nada para esquecer, toda dor valeu a pena.
Não estou correndo do passado, eu tentei o meu melhor, eu sei que mereço isso...


Tantas milhas, tantas estradas eu tenho viajado, caindo pelo caminho...
Tantos corações, tantos anos tem se passado, me trazendo até o hoje...

E eu agradeço."