31 de out. de 2017

Terra rica


A palavra é esse par de asas frágil, fraco.
E esses centímetros que me coloca acima do solo,
Nem é um voo,
Mas só uma pequena rebeldia, uma inconformidade.

E tem horas que a alma é essa terra rica, fértil,
Em que se semeada, tudo floresce;
Mas tem horas que é chão tão agreste, tão quente,
Onde a vida só com muita teimosia e dificuldade vai pra cima.

O pequeno poeta disse pra que eu não confundisse
Saudade com vontade,
Mas não explicou a diferença.
E eu ainda penso que vontade é só uma saudade do futuro...

Eu sinto muito, sinto tanto, por agora e por depois,
Mas acho que está ficando tarde pros poemas de amor.
Mesmo o céu estando tão bonito como naqueles tempos
Mesmo o coração permanecendo aberto, como sempre esteve.

28 de out. de 2017

28/10


Todos aqueles momentos que pareciam um sonho, 
Eram mesmo.
Na manhã seguinte havia a algazarra dos pássaros 
E uma luz forte demais entrando pela janela.
Vivemos feito ilusionistas,
Fazendo pequenos truques com a vida
Para que ela se pareça mágica. 
Mas a sobriedade me assusta.
As pontuações perfeitas, os olhares firmes demais, as certezas.
Não houve em mim nada além de uma esperança gentil que sabia a hora de me dar trégua. 
Lá vai ela de novo, a esperança. 
Faz um drama... como se nunca fosse voltar.
Mas eu sei porque chora. 
Não são mesmos os braços a recebê-la.
É a vida, minha querida.
Se a gente aguentasse, sorriria outra vez como a primeira vez.
Mas tudo já é outro...
Até o silêncio.
Você ouve?

27 de out. de 2017

28/10



Mais dia, menos dia,
Vamos cansar dessa necessidade
De sermos manequins vazios por dentro,
Reluzentes por fora,
Tentando acertar a posição perfeita
Para chamar atenção,
Para convencer e vender nossa imagem.

De que serve esse caminho tão longo
Com pequenas paradas em espeluncas sujas,
Habitadas por palhaços malignos
E varridas por ventos quentes do norte?
Estamos em um círculo,
Não consegue ver?
Correndo loucamente para o nada outra vez...

Mas não longe daqui eu flutuava entre orações fervorosas
E perfumes de cinquentenárias árvores à beira da estrada.
A velha esperança muda de forma a cada estação.
Já não aponta qualquer caminho,
Apenas diz: vá. E eu vou.
Pois já é claro não haver o destino,
Apenas o infinito caminho.


18 de out. de 2017

18/10


As palavras que restavam jorrando de uma fonte quase seca e já esquecida não traçam um caminho de encontro, mas de fuga.
Poemas rasos e belezas pueris nutrem as raízes dos dias apenas o suficiente para que não desmoronem.
Passamos a ocultar de nós mesmos nossas singelas esperanças, quase envergonhados de desejar uma interrupção, uma trégua no pastoso funcionamento dessa máquina ruidosa e fétida que nos devora aos poucos.
Veja lá fora todas essas peças pré-fabricadas, semi-idênticas, estéreis, passivas, insossas. Todos nós. Fiéis para com a sina de não causar alarde, não falar muito alto, criar desconforto, estourar uma revolução definitiva.
Novos tempos antiquíssimos esses nossos.
Entendo que você não acredite que o homem foi à lua, mas acredite em uma Nova Ordem Mundial prestes a dominar o planeta. Entendo até os puros que tentam nos dobrar através do medo, adoçando o caos com raquíticas boas promessas de tempos menos crepusculares. Eu também durmo às vezes na minha cama de contradições. O que não entendo são essas batalhas explicitamente inúteis, obscenas, que nunca terão um vencedor. A fome e a sede. A saudade e a ignorância. Até Deus penso que entendo certo tanto. O que não entendo é o homem.

17 de out. de 2017

17/10


Desses farelos de beleza e esperança vamos nos nutrindo.
Vamos cuidando da manutenção dos músculos e da sanidade para dar cabo de cada dia após dia.
Os poemas sem destinatário vão para as gavetas da memória, até sumirem, dissolverem;
Os sonhos meninos de outrora parecem precocemente enrugados, com sorriso esguio de quem não quer assumir o cansaço. 
Hoje mesmo eu ainda disse: a gente é tanto pra só isso aqui!
E eu realmente acho a gente muito. Acho a gente grande demais. Mas temos que nos podar para os galhos não florescerem muito fora da caixa. Temos?
Elas sempre cantam que é sempre mais escuro antes da luz chegar.
Até gosto do escuro... aprendi a desviar dos possíveis monstros na sombra. A luz tem assustado. Cumprido seu papel de reveladora. Sei que não é ela o perigo, mas o que está por baixo dos véus que ela queima.
Eu fui à pique com aquele navio. Eu não me rendi. E o mundo abaixo da água era calmo e solitário. Você não estava lá e eu parei de ter alguns tipos de fé. Mas tudo bem nada estar completamente bem.
Porque eu insisto em dizer o que não faria falta em não ser dito é que ainda é um mistério. Todo resto me parece bem claro e óbvio.
Depois de vinte e seis anos o rio que separava o passado do futuro não parecia mais mágico. Parecia só água, água e nada mais. Sem os medos e expectativas, porque em algum momento a vida só vai indo com a gente sabe-se lá pra onde. Confesso que senti saudade do que não fui. Uma saudade que agora que começou parece que nunca mais vai acabar.

16 de out. de 2017

Belo


Estamos nos construindo e reconstruindo
Com pequenos passos além da linha proibida
Com versos rasos e delicados
Com esperanças que quase nunca
Duram após o nascer do sol

Mas nesses corações danificados
Brilham bilhões de galáxias
E se não somos Deuses
Não sei o que mais podemos ser

Nem sempre eles vão entender o rio em seus olhos
Nem sempre estarão ali para atender sua ligação
Mas ainda podemos sonhar que um dia
Estaremos totalmente seguros contemplando as estrelas

Uma vez mais iremos mergulhar as sementes na terra
Esperando o milagre do Belo surgir e nos aquecer
Porque nossos corações são constituídos de amor
E ele se regenera mesmo enquanto sangra...

11 de out. de 2017

Bons velhos tempos


Ninguém virá nos dizer que estes são nossos melhores dias.
Sempre jogam a esperança adiante demais,
Adiante onde nunca podemos de fato alcançar.
Ninguém veio nos dizer que aqueles eram nossos melhores dias.
O céu já pareceu brilhar com mais estrelas, eu sei
E você sabe, você estava lá.
Talvez depois que cruzarmos aquela grande ponte,
Alguma claridade refaça sua morada no meu cansado coração.
Eu quero ser bem sincero agora
Porque ainda somos aqueles meninos que corriam atrás de nuvens,
Ainda buscamos nossa Terra do Nunca,
Onde os sonhos não envelhecem,
Onde nós não curvamos nossos ombros de medo e cansaço.
Os anos passaram a conta gotas,
Mas já foram tantos anos...
Você diz não sentir nenhuma saudade,
Você diz que encontrou seu lugar no mundo,
Você diz que chegou ao topo,
E eu adotei um gato preguiçoso
E continuo uma folha amarelada flutuando no vento da tarde.
Deus, eu queria que os véus caísses, todos eles.
Que você, que eu, pudéssemos ver todas as cores desse espírito.
O que repousa tão quieto e tão fundo na carne?
Ninguém se importa, mas ainda há emoção o bastante,
Beleza o bastante,
Amor o bastante...
Por isso eu digo
Que hoje estamos vivendo nossos velhos bons tempos.

10 de out. de 2017

Retirante


Toda poesia virou retirante desse sertão.
Partiu sedenta e maltrapilha pelas veredas da vida em distopia,
Cambaleante, sôfrega,
Já sem força e vontade de olhar para trás.
O azul reluzente do céu, as cantigas que faziam sorrir;
Já nem sabe se tudo foi miragem ou se o correr faminto do dias
Tirou foi a verdade de tudo.

Da boca dos noticiantes escorre sangue e esgoto.
Chorume tóxico da liberdade, da beleza e do amor em decomposição.
E se a poesia segue rumo ao litoral, rumo ao mar sem fim,
Te asseguro que nem é por fé,
É pelo sonho duro de morrer, a maldição que corre no seu sangre.
Há sempre um "e se" que a faz colocar um passo diante do outro...
Depois mais outro.

Os tolos é que são felizes, bem sabemos.
De olhos vendados parecem nem sentir sua carne
Sendo fatiada e devorada por vampiros e facínoras.
Com a chegada da luz, os demônios tem ensandecido,
Bradam vorazes, decretam, aniquilam,
Destroem tudo o que suas mãos pestilentas alcançam.
E nós, nós estamos fartos, cansados; já não podemos mais.

O caminho adiante é agreste e de se perder de vista.
Alguns vão meio acompanhados nessa sina,
A sina severina de todo homem,
Outros vão meio sozinhos, rezando baixinho por clemência,
Clemência que parece que se perdeu nessas lonjuras,
Por onde só um fio de esperança ainda ousa passar.

1 de out. de 2017

01/10


Aos poucos, também a saudade, até ela, vai se dissolvendo e se perdendo por entre os dedos.
A aridez dos dias torna quase impossível a conservação daquelas delicadas relíquias.
A poesia sempre foi a responsável por documentar a passagem dos dias, das estações, dos sentimentos, o que sempre cumpriu com boa vontade e pouca destreza.
São tempos estranhos, já o disse.
A chegada das Luzes antes de ser pacífica e delicada, tem sido severa; o que adormece nas sombras desperta a todo momento violentamente.
Mas aqueles velhos dias não eram mais valiosos que estes, não.
É que com olhos mais jovens é mais fácil ser tolo, e os tolos é que são felizes.
A gente aqui já não sabe se teme a própria fraqueza ou a própria capacidade, se teme viver numa atmosfera de sonho ou aceitar que já não se enxerga mais nada além do estritamente real.
O coração ainda pulsa forte, a alma reponde aos reflexos, mas algo me diz que esse excesso de lucidez ainda vai nos levar à loucura...