28 de dez. de 2021

 



Na casa de oração, a velha voz rouca entoando uma prece simples foi capaz de fazer florescer alguma emoção;

Algumas coisas ainda estavam em seus lugares, mesmo depois de tudo...

Mas eu vejo partes casa vez maiores do jardim da alma sendo cobertas pela espessa camada do concreto despejado pela realidade. E são só as palavras, fracas, solitárias, lutando contra o cinza rude que leva sem piedade o perfume das cores. 

Temo o dia em que elas sileciarão e não haverá mais o que faça florescer por entre as rachaduras no solo esses sentimentos ingênuos que se dissolvem ao sol inclemente, mas que tão belos são enquanto a vida ainda os nutre. 

E chegamos a esse novo fim simbólico que precede um novo início também simbólico, e eu que nunca acreditei em símbolos rezo para que a esperança não desapareça quando as luzes das ruas forem retiradas. 

E é isso tudo o que isso é. Não há como ter sentido... Pois que é só o pequeno arbusto florescendo antes das chamas, os tecidos encobrindo a crueldade dos espelhos, a resignação diante da fotografia bela e amarga da realidade. 

E já é tarde. 

Os versos quase sem alma se dissolvem na escuridão pegajosa da noite quente. Ninguém lhes ouve as vozes. Ninguém se aproxima. 

Assim como antes.

Assim como depois.

22 de dez. de 2021

 


Eu gostaria de te lembrar que você também pode ser gentil consigo mesmo. Que, na verdade, você deve. 

Gostaria de te lembrar que você também merece o perdão que você nunca se recusou a dar aos outros;

Que você também é digno do amor; 

Que você pode sentir orgulho por ter encontrado a saída de todos os caminhos por onde já se perdeu, ao invés de apenas sentir o amargo remorso por ter passado por eles. 

Que esse garotinho assutado que às vezes te paralisa por completo não é um vilão, ou uma ameaça, é só o fragmento inofensivo dos tempos em que o medo reinava soberano. 

Eu gostaria de te pedir que olhasse mais para o céu em dias de lua cheia, e que orasse de todo coração ao ponto de algumas lágrimas escorrerem. 

Você sabe que existe algo de divino dentro e ao redor de você. Você sempre soube. E mesmo os momentos mais escuros não levaram embora isso que internamente reluz. 

Virão os dias difíceis após os fáceis e voltarão os fáceis em seguida... E quando o tempo for inclemente, você ainda se lembrará de como rabiscar alguns versos e de como plantar algumas flores, tenho certeza.

Eu quero dizer que te amo...

Porque eu já disse isso e senti isso por quem estava tão longe de sentir e dizer o mesmo, mas contigo sempre fui cruel, sempre mostrei algo para  se envergonhar, sempre pedi que baixasse a voz, a cabeça, os sonhos. E eu sinto muito por isso. 

Eu quero dizer que você não é uma fortaleza, nem nunca será. E tudo bem. 

Em alguns dias o vento e a chuva entrarão por suas frestas e você vai sentir como se todo calor e esperança estivessem partindo. E vai doer sentir o gosto do desamparo nos lábios outra vez. Mas quando a tempestade passar, porque ela sempre passa, eu espero ver seu melhor sorriso. 

Quero dizer que eu mudaria sim algumas tantas coisas em você... Mas jamais, jamais pediria que você fosse outra pessoa além desta que é.

 


No ano em que o último amor chegou e partiu plantei a árvore que, mesmo estéril, toda primavera tão abundantemente floresce, e hoje,  com seus troncos já fortes pode segurar o pequeno balanço onde brinca um outro, pequeno e belo amor, este que nunca irá partir. 

E penso no que somos além de crianças ansiosas em um eterno primeiro dia de aula, deslumbradas e temerosas com o pouco que os olhos conseguem vislumbrar do futuro...

As luzes nas ruas e as cantorias pelas esquinas são pequenas fagulhas dessa esperança que sempre ameaçada partir para sempre, mas que nunca está de fato muito longe. 

E penso então em todos aqueles que olham para o céu profundo nas noites mais escuras imaginando que os pequenos pontos brilhantes grudados no firmamento são faíscas desprendidas do sorriso daqueles que o amor tornou eternos. 

E tudo bem não ter como não temer o caminhar por esse vale de lágrimas... Junto das mãos cansadas e dos corações feridos, são essas lágrimas que regam o solo e permitem a sempre aguardada floração.

5 de dez. de 2021

 



"É preciso sentir o calor do abraço de Deus", ela me dizia, com seus olhos repletos de amor e iluminados como pequenos faróis. 

E eu não sabia defender minhas causas, não sabia expor o meu ponto. Talvez Deus esteja em todas as coisas e seja todas as coisas, de alguma forma, ou talvez a simples ideia de algo perfeito cause um colapso em nossa mente tão acostumada ao erro, às rachaduras, à fragilidade dolorida da vida. 

Talvez seja Deus as ruas repletas de luzes coloridas como se fossem mensagens esperançosas;

Talvez seja Deus os guarda-chuvas coloridos sobre a singela boulevard que fazem as crianças ficarem encantadas;

Talvez seja Deus o sorriso de minha mãe diante da fonte luminosa que voltou a funcionar;

Talvez seja Deus a bonança após cada tempestade, e a emersão após cada mergulho no oceano perigoso do desespero. 

E eu percebo então que talvez eu às vezes não perceba o calor do abraço de Deus por nunca ter sentido o frio de estar longe dele,

Porque há ao redor, mais que toda angústia, um sopro milagroso de vida que não cessa;

E eu vejo que mesmo sendo ainda um espírito tão primitivo e alquebrado, há por dentro uma capacidade ainda falha, mas já tão bonita, de amar.

 


Era talvez uma das primeiras vezes em que havendo algo feito um sentimento não desceria do céu, como as suaves últimas chuvas de novembro, palavras e mais palavras para dar forma, esculpir ainda e novamente algo de bonito que logo seria depositado e deixado para sempre nas prateleiras inalcançáveis da ilusão. 

Mas há essa imagem flutuando pela mente que emana uma luz dourada e que por alguns instantes, quando os dias são amenos e cinzentos e as luzes de natal começam se espalhar pelas ruas e praças, quase me faz lembrar dos tempos em que éramos tão jovens e nada assustava tanto porque os rugidos do tempo ainda só eram ouvidos apenas de muito longe. 

As novas canções que já se tornaram antigas canções substituíram o som da velha claridade que aqueles ventos infantis traziam...

E é possível que tenhamos começado a confundir os algozes com os heróis, porque os algozes ao menos parecem nunca mentir, 

Parecem nunca partir.

14 de nov. de 2021

 


 É estranho não ser mais um grande esforço conter as palavras que por anos fluíram como uma barragem rompida. Agora, até pequenas ilusões que mal tiram algum suspiro mais profundo mostram ter um sabor mais intenso. 

E é então isso que existe depois da eternidade; depois da última borda da galáxia, o após, o além para onde o universo ainda não se expandiu. 

Mas eu sempre encontro uma forma de olhar para trás, porque lá fora os campos verdejam outra vez, mas aqui dentro a estiagem parece ser permanente; assim volto em uma busca infausta por algum detalhe que não tenha sido lapidado, lustrado, colocado diante da luz para que eu veja seus últimos reflexos coloridos. 

Então eu me lembro, ah sim... Nós cruzando o sinal vermelho que se derretia junto da água salgada e abundante que escorria dos olhos, e da sua voz me chamando de anjo pela última vez. 

Muitos outros sinais velhos foram cruzados depois, mas sua voz nunca mais foi ouvida. 

Quando será que você se livrou do cachecol branco que lhe dei?

Quando será que crescemos o bastante para aprender quando desistir? 

Sei que os anos tiram quase tudo, e a única prova da nossa existência se resume ao velho bilhete do ônibus que me levou para sua cidade rude, este que não tive coragem de queimar. 

E eu sempre falo como se alguém me ouvisse, e continuo e continuo... um monólogo confuso e quase constante; um pedido de socorro, as últimas pinceladas em um quadro que nunca fica pronto; eu continuo, como se não fosse só eu aqui, livre por entre essas linhas, como nos sonhos onde de tanto preciso fugir, mas onde também posso voar. 

A saudade que ficou é de mim.

A saudade é daquilo que um dia despertou daqui do fundo e era tão, tão bonito e que eu me esforço e me esforço, mas que não sei mais como extrair. 

Só sei que está ali, inteiro, intacto, latente. 

As palavras talvez nunca tenham sido para você, para ninguém. Para nenhum anjo, para nenhum demônio. Elas todas foram e são para esse fragmento belo, precioso e sagrado de vida tão bem oculto. Elas foram e são pequenas pedras colocadas com paciência e delicadeza na contrução de uma ponte que um dia, finalmente, me levará até mim mesmo. 

12 de nov. de 2021

Doce menina que vendia doces

 


Com o brilho dos olhos quase totalmente oculto pelas sombras da noite e o pelo peso dos dias, a tão graciosa donzela abordava por entre as luzes dos semáforos quem lhe compraria as últimas prendas para que pudesse descer as ruas indiferentes em busca de tirar o fardo das longas horas de trabalho dos ombros.

Eu ali, tão pequeno diante de tamanha bela força, emocionado sem me deixar perceber, pensava em como a poesia às vezes se mistura tão bem com a vida, que se torna seu próprio sabor. Um sabor às vezes doce, como aqueles que a gentil menina vendia. 

E após seu agradecimento pelo tão pouco de mim oferecido, eu que imensamente agradeci, por seu sorriso que imagino ser tão sincero, por sua alma que sinto ser, apesar de tudo, tão bonita.

Enquanto então eu também vagava pelas mesmas ruas indiferente, em busca de também dos meus ombros o peso das longas horas tirar, eu olhava para o céu com silenciosos relâmpagos no horizonte imaginando que Deus sem dúvida é Poeta. O primeiro e o maior deles. Porque só isso explica como é possível extrair do acaso fragmentos de milagres tão lindamente esculpidos para adornar com algum encanto estes tempos inexplicáveis.

Belo impossível

 


A beleza singela que a noite esparrama pelo céu antes de derramar seu manto de um negrume encantador por todas as ruas, faz com que o coração sinta por um instante, enquanto duram as fugazes luzes, como se na verdade contemplasse uma fresca alvorada. 

Um novo dia nascido do fim dos dias...

É certo que tão distantes pairam os velhos doces tempos, repletos que quimeras adormecidas abaixo da sombra de dias longos e já estéreis;

Tão distantes, que o espírito parece não mais saber destrancar as cansadas janelas e sonhar com as miragens Douradas e inatingíveis do horizonte;

Mas um breve olhar... Fértil e castanho feito o solo que nutre o perfume dos jasmineiros,

Uma voz... Macia e morna feito o som aconchegante de trovoadas distantes;

E, meu Deus,

A realidade não consegue roubar de imediato a formosa utopia que corre livre atrás dos altos muros intransponíveis,

E eu sorrio sozinho, no escuro que já se achega completamente, 

Quase feliz pelos minutos gastos acariciando este belo impossível.

Você ainda ouve?




 As sílabas cansadas

Já não podem formar novos feitiços 

Que nasceriam fracos demais

Para compor novas orações ignoradas. 


A resposta do silêncio é sempre a mesma

Simples e óbvia

E as luzes estúpidas 

Ferem quando deveriam guiar. 


Ainda me lembro

Mas até quando? 

Do sabor e do perfume das velhas noites

Com doces canções tão tristes.


As cores estão desbotando

Do céu, das fotografias, das memórias

E as estrelas já não cantam tão próximas

Você ainda ouve?

Silêncio

 




Alguns minutos antes do sol 

Levar o encanto das ruas sonolentas

Com suas luzes artificiais 

E a brisa fresca que move jovens flores;


Ainda que apenas os olhos saiam em busca,

Pois não deve ser dito o que se deseja dizer,

Há nesses alguns minutos precedentes à claridade 

O sopro perfumado de uma inocente epifania. 


Choram pelos bares e templos 

Ébrios e puritanos...

Calam-se outra vez as vozes celestiais,

Enquanto todas certezas se dissolvem bem diante do olhar;


Resta apenas no mergulho mais profundo 

Em um quimérico oceano dourado, 

Um sorriso, mãos dadas, um toque...

Os lábios enfim encontrados,

Antes do abraço rude da realidade.

5 de nov. de 2021

Respeitável público

 


Respeitável público 

Atenção

Um novo espetáculo 

Idêntico ao anterior 

E ao anterior.


Letras faltando no anúncio desbotado

Apenas mais uma noite 

Imperdível 

Inenarrável

Solitário.


As rotas cortinas deslizam 

E com seu mau reflexo 

O artista mira o velho e fiel público 

Ausências de todas as formas 

De todos os tempos.


O texto já tão repetido 

Escorre dos lábios finos 

Para os vãos do palco

E do espírito 

E desaparecem sem causar emoção.


Com seus sapatos gastos 

Valseia tolamente 

Fingindo abraçar o que não há

E sorri

Antes de para a realidade voltar.


As luzes começam a baixar então 

Com uma reverência respeitosa 

O fim de mais um último ato

De mais um desejo

De mais uma súplica muda.


Descem as cortinas 

Sem aplausos 

Sem despedidas

Outra apresentação se finda

A vida segue, idêntica

O show termina.

Emancipação

 


Havia todo aquele oceano 

E os anjos que no céu brilhavam como sóis;

As águas puras, cristalinas,

E o tempo correndo sem regras, como que livre.


Outro sonho mergulhando em imensidão,

Em utopias macias, 

Em um toque impossível,

Em memórias não vividas. 


Emergindo na realidade,

Os mesmos caminhos desbotados,

De pouca gentileza, pouca ternura,

Tão certos e práticos.


Mas por trás das horas brutas,

Ainda delicado fio dourado de ilusão...

Talvez um sorriso breve, 

Um aceno de mão. 


E por um fragmento de tempo

Por dentro da vasta e frágil alma,

Este inofensivo eclipse ao contrário,

Levando a penumbra constante,

Banhando tudo em doce luz.

Onde as esperanças brincam

 


As palavras sempre em sua caçada

Pelo encantamento correto,

Pelo milagre oculto,

Pela remissão de algum pecado.


Por elas os olhos buscam faíscas de beleza

Em uma paisagem sem encanto

Onde nem mesmo a poeira reluzente do passado

Ainda resiste pairando no ar.


Mas até os anjos viram a luz tímida 

Que se oculta por entre os tantos deslizes,

E que brilha

Por entre as frestas abertas pelos dias.


Há emaranhado a ela 

Todo esse amor adormecido,

Clamando quase rouco pela superfície,

Há...


Então eu aguardo armado de versos fracos,

De flores quase sem perfume,

Segurando com ternura

Um sonho que aos poucos se liquefaz. 


Eu aguardo...

Por uma verdadeira primavera,

Que colorirá de verde e púrpura 

Os campos cansados onde as esperanças brincam.

31 de out. de 2021

Antes do último ponto final

 



Há nas vozes dos verdadeiros poetas

Uma beleza e uma dor profunda,

Uma verdade e uma ilusão repleta de encanto,

Um caminho nunca trilhado pelos meus pés. 


Desde o leite do peito de minha mãe,

Até o primeiro golpe na inocência,

E mesmo após o primeiro grande amor,

E a espera pelo meu último suspiro,


Persiste e segue com seu brilho pouco e singular 

A pureza de uma fome, de um anseio

Por uma paisagem nunca vista,

Por um sentimento não dissolvido pelas águas do tempo.


E agora sem luz que fere ou escuridão que paralisa,

É preciso que eu diga que me faz sorrir 

A ideia de que eu poderia amar profundamente

Aquilo que tão belo flutua pelas escadarias quase sem me ver.


Eu fui o algoz, e fui o semeador;

Fui o que amou, e também o que partiu;

E sou o que mergulha no medo, e emerge na esperança;

Sou o que sabe que muito ainda será dito antes do último ponto final.


29 de out. de 2021

Sozinho

 


Mais outros exaustos versos 

Sem cor ou sabor

Fluindo quase inocentemente 

Pelas pequenas frestas abertas no peito.


Mais outros suspiros pelas miragens

Que vagam velozes pelos corredores 

Enquanto as mesmas velhas canções 

Tentam trazer algo de luzes já extintas. 


E por entre as horas incandescentes 

Que se arrastam em tardes de pouco perfume

Delicadas esperanças tentam desabrochar

Sem sucesso. 


E o coração me lamenta sua fome

E a alma me lamenta suas rachaduras 

E eu apenas caminho lentamente 

Para longe das suas súplicas...


Sozinho.

Sozinho.

Sozinho.

Valsa

 


A fera e a presa 

Dançam juntas

Entre juras e mentiras 

Desde as longas noites ancestrais 

Até os dias de sol inclemente 

Em que as flores tolas sucumbem 

Diante da luz que lhes dá vida


E as canções e as imagens 

E o doce caminhar das moças 

E o belo marchar dos moços 

E a juventude

E os cabelos encaracolados ao vento 

Do tempo

Tudo cria um cenário propício às perdições 

Nocivas ilusões

Como o sol que dá e tira a vida

Como a noite que encanta e ameaça

E nós falamos sobre o amor

E sobre a solidão 

De forma blasfema 

Como se soubéssemos do seu peso

Do seu encanto

Do seu excesso

Da sua falta


E tudo isso

Tudo isso que de pouco vale

Toda essa insistência

Esse medo

Esse desejo 

São os passos nesse pequeno 

Ou imenso

Palco de vida

Em que representamos ora uma

Ora outra

Coisa 

Ora caça

Ora caçador

Mas quase sempre só

Sendo o que resta da luta

Das duas personagens.

26 de out. de 2021

Escombros do tempo

 



Há esse pouco de vento que sopra gentil

Sobre feridas não tão mais profundas,

Mas que ainda assim latejam

E insistem em serem notadas.


Nem só do sublime e da saudade

A palavra se alimenta:

Ainda há pouco se nutria de uma ilusão quase sem doçura

E de um passado do qual só migalhas sobraram.


Mas o que persiste da emoção 

Ainda flui por conta das humildes luzes de natal que começam a se espalhar 

E das ruas de casas abandonadas

Onde florescem memórias silenciosas pelas calçadas.


Os pensamentos são ainda inimigos que nunca aceitam a derrota,

Embora a vidente tenha falado de dias melhores...

Então sinto que ainda me resta um coração bonito,

Mesmo que abaixo dos longos escombros do tempo.

23 de out. de 2021

Sigo

 


Disfuncionais palavras são repetidas e repetidas,

Como um feitiço incompleto,

Uma conjuração defeituosa.


Elas rastejam para fora dos dedos,

Suplicantes,

E fundem-se à paisagem fantasmagórica.


Humildes, tolas e puras,

Desfalecem ainda mornas

Antes de tocarem o solo que as germinaria.


Mas o coração merece algum aconchego 

Pelo esforço que faz em lançar claridades

Sobre o caminho agora sem significado.


Os sinais na estrada 

Falam sobre o fim dos tempos do amor,

Embora não falem sobre o fim dos sonhos. 


E ainda vejo outros velhos encantos,

Quebrados e espalhados,

Pairando pelos barrancos e troncos...


E eu apenas sigo,

Sem saber se é pouco ou muito

O tanto de esperança que não pude deixar para trás.

14 de out. de 2021

Quase livre também


Flutuam pela alameda solitária,

Dissolvidos no perfume do bosque recém absolvido

Pelas águas raras de outubro,

Ecos sombrios do futuro e do passado.


E dos ruídos que se fundem 

Não é possível distinguir 

O que são promessas,

O que são ameaças. 


Mas sob meus passos 

Permeia o caminho esta escuridão 

Bem mais morna e doce

Do que a que ainda reside na alma. 


Então liberto o velho menino, 

Encarcerado por tantos sonhos e pecados,

Para que corra abaixo das luzes cansadas dos postes

E beba do aroma mágico da noite.


Livre.

Livre...


Porque lhe é concedido o perdão 

Tantas quantas vezes seus olhos suplicarem,

Porque lhe será dado amparo,

Tantas quantas vezes voltar seus joelhos ao solo rude. 


Assim respiro profundamente 

Como se nada doesse,

Como se nada faltasse,

Quase livre também.

30 de set. de 2021

Inextinto

 


Não mente o poeta

Que no negrume profundo das noites

Diz inventar estórias 

Que tornam a escuridão mais bonita.


Mergulhando solitárias madrugadas adentro,

São pequenas preciosas ilusões que brilham 

Como reminiscências de dias mais simples.

Luminosos retalhos macios de memórias inextintas...


E não que haja tanto alimento para a poesia sempre faminta

Ou que em todas tardes o céu se derrame em cores,

Como que diluído 

Em cascatas de rubis e âmbares,


Mas os murmúrios que ouço 

São do coração ainda se esforçando em entoar uma doce canção,

As cores que vejo 

São do jardim que resistiu à estiagem e ao inverno,

E agora floresce.

Ainda, primavera

 


Rondando os velhos tempos deixados na margem dos caminhos que já deveriam ter sido esquecidos, ainda observo atento na mesma esperança infantil de que de arbustos ressequidos e sem vida floresça algo que transborde cor e perfume,

Mas sempre retorno de mãos e olhos vazios, 

Não resta algo a ser colhido de longínquas semeaduras;

E não é tolo o temor pelo dia em que o que resta das palavras, cansadas, se refugiará em um abrigo triste de silêncio.

Por enquanto, ainda se busca os jardins sobreviventes à estiagem, as emoções sobreviventes às decepções, os sonhos sobreviventes à realidade. 

Por enquanto, ainda é primavera, mesmo que não tão mais dourada como já fora outrora,

Mas ainda, 

Primavera.

Ainda,

De alguma forma sutil e doce,

Poesia.

Atemporal



 As coisas que em nós não têm fim 

Ficam presas fora da passagem do tempo.

Nem tudo é saudade.

Há esses fragmentos de vida  cristalizados fora da linha natural,

Como pequenas pedras preciosas perdidas de seus anéis e colares; 

E às vezes quando a chuva cai

É possível ver seu brilho por entre as nuvens,

Por entre as gotas, 

Por entre o som dos trovões, 

Porque a felicidade não se refugia nem nas lacunas do passado nem nas dobras do futuro 

 - Ou encara-lhe olho a olho 

Ou ela não existe -

Apenas o sonho transita por entre a passagem das infindas horas sem impedimento.

E se não há sonho,

Como já não há,

Cessam os movimentos,

As preces, 

Os cálculos.

Agora nada reluz no céu pois que as águas foram para longe,

Junto ao sentido das palavras, 

Junto ao encanto dos caminhos. 

Mas talvez a primavera traga novas águas,

E novos caminhos,

E pela beirada deles,

Quem sabe,

Floresça algum sonho.

21 de set. de 2021

Ruas de Domingo



Talvez muito mais que em outras vezes, ter esse livro em mãos me causou um turbilhão de sensações. O que eu tinha entre os dedos era um espelho para a alma, e nesse reflexo eu vejo nuances das tantas quedas e renascimentos que permearam os infindáveis meses de quarentena. Eu vejo os inumeráveis momentos de autocondenação e autocompaixão, de medo e alívio, momentos escurecidos como esse céu da capa, e momentos luminosos como nos velhos domingos da infância. 

Nesse reflexo eu vejo um ser humano, repleto de toda beleza e miséria que lhe é característica.

E passados cerca de onze desde que eu achei que deveria pôr em páginas o que eu sentia diante de mim e diante do mundo, eu ainda sinto que estou na minha primeira linha, no primeiro verso para o primeiro amor ou para o primeiro temor. E é difícil saber o que resta daquele menino que se refugiava em fantasias, aquele menino que não sabia o que era pecado e que todas noites conseguia levantar voo em seus sonhos. Mas talvez seja aquele menino a cultivar as flores e se encantar com elas, talvez seja aquele menino a me perdoar todas as vezes que eu tropeço e caio. Talvez seja aquele menino a cuidar do homem que continua a procurar seu caminho. 


7 de set. de 2021

Lançamento: "Ruas de Domingo - Prosa poética em quarentena"

 


Acredito que a função da poesia é encontrar o Belo que reside e resiste em quase todas as coisas. E ainda que talvez nenhuma palavra, verso ou poema possa traçar uma noção justa do que foi e é viver dias como estes, a vida continua fluindo por entre as pedras de angústia e de temor que foram despejadas em quase todos os corações, e as palavras, ainda que desprovidas de muita grandeza e poder, continuam com a honrosa incumbência de acalentar o espírito alquebrado com algum sopro de Beleza.

Nos infindáveis meses que seguiam permeados por solidão, expectativas e incertezas, eu me vi não apenas discorrendo sobre a amargura de uma fase repleta de nuvens tão escuras e ameaçadoras, eu estava como que caminhando por uma longa rua, uma rua de domingo, vazia, silenciosa, que em momentos passados foi o trajeto para tanto movimento e vida, e que em momentos próximos, possivelmente, voltaria a ser.
Durante o caminhar, eu fui observando o que havia ao redor e o que vinha à tona de dentro. Coisas raras, ainda que simples, e repletas de encanto; e coisas não tão felizes, como não poderia deixar de ser, mas que de alguma forma anunciavam a força da vida e a promessa de dias mais iluminados.
Este é um convite para caminharmos juntos por essas Ruas de Domingo através de prosas singelas com algum gosto de poesia. Estas prosas que nasceram por entre os tantos dias de isolamento, são retratos de dias inundados por sentimentos controversos de desalento e também de esperança, adornados com fragmentos de memórias, de ansiedade, de sonho, de amor e de espera. Sensações que, creio eu, em distintíssimas intensidades, todos conhecemos muito bem.

"Ruas de Domingo - Prosa poética em quarentena" é meu 14º trabalho com a poesia, e já está disponível no Clube de Autores.

https://clubedeautores.com.br/livro/ruas-de-domingo

31 de ago. de 2021

31/08/2021

 


Os últimos ventos de agosto junto aos chuviscos rápidos e preciosos como doces amores adolescentes devolveram o azul do céu e algum verde aos campos.

E esses ventos que brincam com as folhas, com cabelos e com as saias das jovens senhoras acariciam não apenas a pele, mas quase que também o perispírito que aconchega a alma na matéria rude. 

Brincam e se vão para longe após secar alguma lágrima de gratidão que escorre tímida após uma segunda dose de esperança. 

Agora, pelo firmamento deslizam nuvens como aquelas da infância que para mim eram o solo de um paraíso que se erguia reluzente acima delas;

O paraíso que nunca alcancei ou toquei, 

mas que sinto existir;

Tanto tempo depois, elas ainda estão lá, talvez as mesmas, como um sonho que nunca se desfaz por completo. 

Já aqui, pelos rostos ainda ocultos e pelos olhos sem tanto brilho, percebemos que falta um certo tanto para a Primavera, 

E só com muita gentileza e cuidado alguma flor resistente ousa florescer além dos ipês,

Dos ipês que seguem desabrochando como se o mundo não tivesse acabado e renascido centenas de milhares de vezes em alguns meses.

Então me lembro de quando a poesia regressou, tão simplória e gentil, me perguntado o que haveria depois se houvesse um depois, e eu não soube o que responder... 

Talvez ainda não saiba...

Mas agora acredito que o que haverá depois poderá ser,

Finalmente,

O Amor. 

26 de ago. de 2021

26/08/21

 


Quase que feito de vento seguia pelos caminhos esmaecidos por mais um agosto quase eterno,

Aos poucos, a cada passo, tomando consciência do abençoado fardo que o espírito carrega por tanto sentir, 

E sentir de novo,

E ainda outra vez.

Não fosse assim, talvez os delicados milagres que florescem pelas esquinas vazias seriam invisíveis,

As roseiras que resistem exuberantes no jardim não causariam emoção,

E o canto sublime das esperanças seria inaudível.

Então mesmo para os mais singelos atos de coragem é rogada a misericórdia,

Porque quando nada mais houver a ser depurado e a alma estiver convertida em pura luz,

Humildemente,

De joelhos,

Ainda a misericórdia será rogada;

Quem dirá agora quando o coração ainda é um vasto sertão onde raramente poucas flores às vezes desabrocham. 

Já sinto um pouco de falta desses dias que passarão,

Dessa espera suplicante pelo fim da estiagem nos campos e no peito,

Já sinto um pouco de falta da coloração magnífica dos ipês pelas paisagens amareladas, desoladas, 

Com toda a vida em letargia aguardando para renascer na primavera. 

Mas agosto passará, levando consigo seus ganhos, perdas e memórias,

Ficará sua poesia,

E um pouco de saudade,

E pouco de paz.

24 de ago. de 2021

24/08/2021

 


Meu nome repousa no leito de um rio de esquecimento junto a tantas outras pequenas coisas deixadas para sempre;

Apenas os ferimentos que também causei flutuam na superfície, visíveis.

E já não resta nenhuma das flores cultivadas e oferecidas; jazem descartadas como as promessas, como os anseios, como a tola esperança. 

Talvez seja pelo céu coberto de cinzas, pela estiagem que parece nunca ter a gentileza de um fim; talvez seja pelo acidente com uma fotografia; e pequenos estilhaços quase perigosos de dias sepultados são levantados de suas tumbas pelo mesmo vento inclemente que a tudo encobre de poeira e nostalgia. 

Não era nada tão grande para doer como doeu - eis o pior. 

Era apenas o mundo desabando e tornando qualquer abrigo um imenso palácio,

Mas ainda que este abrigo fosse uma armadilha,

E os dentes de ferro tenham deixado marcas profundas,

Era um abrigo. 

Contudo, como se de algo soubesse, eu dizia à atenta e forte moça que tudo estava imerso em um inexplicável milagre, e tudo, todos os movimentos, todas as palavras, todos os gestos; tudo era uma resposta de gratidão. 

Então junto ao vento sopro as jovens assombrações de volta ao seu repouso. As canções tristes findam e a noite morna reina soberana e quase silenciosa. 

É tarde para quaisquer saudades,

É cedo para viver de lembranças.

22 de ago. de 2021

22/08/2021

 


Eu posso ver a alma luzindo até tão mais bela do que a carne que é seu sagrado abrigo. 

E a canção me transporta para o puro oceano de esmeraldas, seu lar. 

Por alguns raros segundos os olhos inundam e eu posso mergulhar no impossível,

Por alguns raros segundos...

Como se o mundo não fosse cruel,

Como se não houvesse distância, 

Como se todas as flores ganhassem ainda mais cor ao inverno,

Como se fôssemos absolvidos de todos os pecados. 

Apenas crianças cercadas de vida por todos os lados, 

Com o sol tornando em ouro as águas cristalinas que santificam nossos espíritos,

Com o tempo passando dócil, 

Quase sem doer;

Nenhum caos, nenhuma saudade,

Apenas imersos nas ingênuas pequenas utopias nos permitindo ser livres.

21/08/2021

 


Quando eu canto eu não ouço os fantasmas assoviando falsas premonições tristes. 

E ainda que a minha voz não possa atravessar a armadura rude da realidade, nos sonhos, através dela eu ainda posso alçar voo como nos tempos em que havia amor e o amor me abrigava em fortaleza impenetrável. 

Quando eu firo as mãos cavando a terra pedregosa, semeando na esperança de que algo floresça mesmo no auge de um inverno hostil, não posso sentir que outras partes sangram. 

Então alguma beleza singela vem à tona pelos cortes feitos na terra e na alma.

Quando eu fecho os olhos e suplico pela fé, eu posso imaginar o céu azul, azul, muito além do manto escuro de onde chovem cinzas. 

E sorrio de alívio...

Assim eu desdobro os joelhos e volto ao caminho,

Talvez não tão mais sozinho.

19 de ago. de 2021

19/08/2021

 


Há algo de santificado na ventania que aos poucos desnuda os velhos ipês e os prepara para a floração no setembro que se aproxima. 

E é apenas o vento também a acariciar os traços perfeitos da escultura divina que silenciosamente parece flutuar junto às folhas que dançam graciosamente no ar.

E nem é tanta a claridade que trazem tais pequenos fragmentos de beleza em meses tão áridos, fragmentos que velozmente se desfazem sozinhos, mas eles abrem um pequeno portal para os dias em que a cidade amanhecia mergulhada em uma bruma leitosa e o coração, mais que pulsar, quase que cavalgava embebido de utopias e do perfume dos alecrins do campo. 

Agora, há o sol inclemente e ao mesmo tempo que gentil. 

Sob a sombra generosa da monguba afrente do antigo santuário, o artista prepara suas palavras para o atento e escasso público. 

Eu sorrio pela arte resistindo como as últimas folhas daqueles velhos ipês nesses tempos tão agrestes.... Parece, olhando assim, meu Deus, por um instante, que a vida volta para aqueles seus antigos bonitos trilhos.

E o sacrifício do artista que se contorce com seus velhos e sujos figurinos, tentando através do seu suor e alma alcançar e tocar aqueles poucos olhares que lhe seguem os movimentos, emociona aquele que em momentos assim quase se vê como um poeta por ainda conseguir pescar esses pequenos milagres no início das tardes.

18/08/2021


Não resta tola força ingênua como aquela que tentou laçar e manter por perto forças celestiais que por breve tempo lançaram fogo e vida ao coração primitivo. 
E o que resta, esconde-se bem, eu sinto, entre culpas, ânsias e esperas.
São novamente dias quentes de céu opaco e esperanças rasas, mas a alma não deixa de tremer, não deixa de mergulhar aflita em busca de uma paz plena que sabe não poder alcançar. 
E eu temo ao notar no antigo brilho dos olhos o que talvez já sejam passados dias dourados, onde não se conhecia nada a se temer. 
Se é que existiram tais dias, já quase não sinto-lhes o perfume e a doçura. 
E quem ainda sente?
O que ficou foi a poesia amarga de agosto, versos cansados, palavras enrijecidas. Essa casca delicada e furta-cor sobre a superfície da vida;
Uma armadura frágil, uma espada de vidro que empunho quase inutilmente diante da besta-fera realidade que a tudo tenta devorar sem misericórdia.

17 de ago. de 2021

17/08/2021

 


Ainda que repleta de um aspecto desolador, 

Era tão belo o esforço da claridade em derramar algum encanto sobre toda a cidade.

E toda tentativa é nobre,

Cismava.

Depois dos últimos dias de agosto, depois do fim da dura estiagem e depois que nada mais restar para ser sugado das já exaustas lembranças, talvez algumas partes da alma conhecerão o alívio da cura. 

Por enquanto, nos sonhos são os velhos inimigos quase que os únicos rostos conhecidos quando já nem é possível mais saber do que se foge e o que se teme. 

E é apenas o amarelo acinzentado da tarde que lança alguma magia sobre as certezas e as dissolve bem diante dos olhos. 

Ainda que uma magia suja; a fumaça das flores incineradas que sobem ao céu e entristecem o sol.

Mas está tudo bem enquanto houver solidão ou amor, desde que as duas coisas não coexistam;

Está tudo bem enquanto não chegar o último capítulo, a última página,

Está tudo bem enquanto ainda restar mesmo que entrelaçada e sufocada pelo peso das horas, algum fragmento de poesia. 


14 de ago. de 2021

14/08/2021



 Uma luz cansada tinge de bronze as ruas sonolentas,

E essa claridade parece devolver a vida a alguns pequenos pedaços de recordações que foram ao longo dos anos sendo deixados pelas calçadas e caminhos. 

E é esse um dos poderes de agosto:

Trazer para a superfície da tarde vivências que agora soam mais belas e importantes do que realmente foram,

Mas eu aceito o abraço macio dessas saudades de pouco significado.

Ao menos, é um abraço, um aconchego.

E eu sei que os novos versos se juntarão aos velhos versos, correndo todos rio abaixo até um mar de esquecimento que os dissolve e eterniza;

Mas eles se achegam...

Porque há o sol que se põe atrás das crianças que pulam e cantam, ainda protegidas de ver a dor em tantos cantos,

Há as moças que sorriem enquanto caminham talvez sonhando com algo mais belo para além do horizonte,

E os moços que sorriem por talvez ter o coração floreado de esperanças. 

E há a mim, que a tudo observo,

Só, simples e invisível,

Também banhado pela luz morna que se deita,

Também me fragmentando pelas ruas e me tornando memória. 


13 de ago. de 2021

13/08/2021

 


De algum lugar talvez você também esteja notando que o azul do céu tem se desbotado, 

E tenha suspirado de apreensão diante de tantas vozes embaralhadas;

Sons confusos sobre salvações e perdições,

Sobre o fim e o início dos tempos. 

De algum lugar talvez você esteja procurando a minha face nas faces ao redor,

Também sem saber quem sou,

Também sem saber se um dia vou chegar. 

E eu penso que os anjos erraram quando disseram que não é necessário segurar outras mãos para alçar voo a algum paraíso que ainda possa ter restado,

Porque meus dedos não perdem a insistência de buscar pelo vazio o calor de outros.

Em verdade, é bem provável que as velhas utopias tenham se tornado apenas alucinações que vagam soltas em todos os agostos, e estejam já empalidecendo e desbotando, como este céu.

De algum lugar talvez você pense que é possível encontrar alguma beleza esquecida por acaso em caminhos estéreis e mal iluminados, como eu. E talvez sinta algum conforto ao ouvir o ronronar doce e melancólico da cidade pelo fim da tarde, e se deixe sonhar um pouco com leves e novos dias.

11 de ago. de 2021

11/08/2021

 


É como se fosse algum agosto passado...

As folhas dos velhos ipês despencam da mesma forma como antes, preparando-se para mais um poético epitáfio,

O ar traz algum perfume de não muito longe junto ao cheiro sufocante e adocicado de canaviais em chamas;

A gentil donzela recebe rosas pelo meio da tarde, 

As crianças correm e desobedecem encantadoramente como era há não muito,

O velho lar de orações anuncia a reabertura de suas portas;

E eu entendo a mensagem delicada da vida que resiste florescendo lentamente por entre os escombros dos dias e dias que foram desabando sobre si mesmos.

E é como se fosse um agosto completamente novo...

Sem adeuses, sem memórias, sem sonhos famintos.

Assim, ainda que do céu opaco as águas não anunciem uma bendita queda, 

Dos olhos alguns rasos filetes de gratidão enfim escorrem.

8 de ago. de 2021

08/08/2021

 


Já não são as mesmas ruas de domingo...

Alguns olhares pelas calçadas brilham pelo cansaço de não ter esperança, 

Então os vejo avançar lado a lado, de mãos dadas,

Como se por algum tempo nada pudesse doer,

E estes que caminham em busca de alguma beleza instalada em uma esquina qualquer ainda têm os sorrisos escondidos, mas não mais proibidos. 

E eu também sigo quase leve, perdido nas mesmas pequenas orações fragmentadas de menino, orações que se misturam com velhos poemas sobre antigas luzes e sonhos,

E me imagino então sorrindo também... talvez um pouco mais próximo do paraíso do que estive antes do medo limpar e curar feridas que causavam vergonha. 

E me imagino então sorrindo também... por toda poesia adormecida no futuro, só esperando a alma se aquecer um pouco mais para desabrochar, colorindo e perfumando novamente os momentos em que sol se deita e as estrelas se levantam.

6 de ago. de 2021

06/08/2021

 


Era preciso viver mais para versos melhores,

E o mundo ainda em pausa, 

Ou ao menos apenas eu em pausa,

Pelos que se foram ou quase se foram,

Por respeito, 

Por medo. 

E sim de novo o mesmo céu de agosto, 

Um pouco mais frio,

Um pouco mais cinzento,

Um pouco mais triste,

Com a mesma estiagem brava de sempre,

Ou um pouco pior que sempre,

Dizem,

Levando quase todas as cores dos jardins cultivados pelas sorridentes senhoras de bairro. 

E eu penso que alguns tentam frear o presente em nome de uma poesia pálida, fraca,

De uma nostalgia que não dá frutos e não tem perfume;

Os livros velhos e bem organizados que ninguém nunca mais lerá fazem isso,

O vento empoeirado faz isso,

Os poetas fazem isso,

As novas canções que já se tomaram velhas canções fazem isso,

Eu faço isso. 

Porque parece ser mais precioso algo de belo vivido do que a expectativa de dias mais luminosos que tardam a se anunciarem.

Como poderia ser diferente? 

E vamos ficando velhos sem crescer,

Ainda pequenas crianças melindrosas só querendo um dia de sol para brincar lá fora. 

5 de ago. de 2021

05/08/2021


Inocentes luzes na jovem noite de agosto brilham acima do pequeno circo itinerante,

E brilham também os olhos por um instante.

E mesmo com seu vazio, 

Sem crianças correndo com doces e encantos,

E mesmo com suas lonas cerradas,

Com suas arquibancadas sem público e seu picadeiro sem quem a este anuncie o maior espetáculo da Terra;

É possível que a magia ali adormecida lembre a quem passa veloz subindo e descendo pela velha ladeira não apenas sobre os passados dias que eram repletos de preciosidades simples e tangíveis, 

Mas do sabor e do perfume de uma esperança que talvez não tarde a renascer. 

E brilham também os olhos por um instante... Brilham... diante do nascimento de um último poema bobo e enternecido,

Que é sempre o penúltimo, 

Que é sempre o antepenúltimo;

Porque pelo solo do coração desabrocham ainda e lentamente sentimentos puros, 

Feito flores delicadas,

Que sempre perecem pela aridez da realidade,

E que sempre ressurgem diante da primavera.

31 de jul. de 2021

31/07/2021




 Velhos versos em páginas manchadas pela beleza de um tempo em que sonhos juvenis transitavam sem medo por calçadas, ruas e rodovias. 

"Há teu cheiro no cheiro da noite que apenas eu sinto."

Eu dizia...

"No canto triste do pássaro enjaulado, há o meu canto: preso distante de ti.

A lua brilha, cheia, como a safira feliz dos teus olhos."

E já não me lembro sequer pela luz de quais olhos eu lamentava a ausência...

"Amo a noite como se te amasse.

Deixo os braços negros dela me tomarem.

Observo-a como você me observa: de lábios selados, olhar atento.

Sem palavras." 

E eu sorrio ao sentir na boca um gosto sutil da pureza daqueles antigos anos dos quais apenas rabiscos em letra torta sobraram. 

Em outras linhas eu digo como que a um reflexo: tudo o que fui prossegue em mim. 

E as palavras gentis do eu passado não servem de grande consolo diante dos ventos frios que sopram pelas frestas saudades amorfas,

Mas elas, depois do tanto que já partiu, permanecem aqui,

E estarão comigo quando estas mãos frias se levantarem novamente em um brinde à vida,

Estarão quando, se talvez, um dia, um novo verso de amor puder ser traçado,

Estarão aqui quando os sorrisos forem novamente permitidos e novas receitas para futuras saudades puderem ser escritas.

28 de jul. de 2021

28/07/2021

 


O sopro gélido parece ser o que sobra do movimento das asas dos anjos quando os sinto partindo mais uma vez. 

E eu atiro versos cansados, fracos, para alimentar a pequena chama que resiste a aquecer os cantos do espírito onde a luz quase não chega. 

Uma chama que já quase não aquece, mas que não posso deixar morrer.

E não é muito, mas o fogo frágil ainda exala um perfume de mirra e jabuticabeira em flor. 

Enquanto isso eu falava das coisas sagradas brotando sobre as rudes e frias montanhas da realidade que todos carregamos, 

Eu falava de algo de belo mesmo nas tardes cinzentas e quase sem vida.

Eu falava, falava...

Tanto.

Toneladas de desejos, lamúrias, desistências, memórias, desaguando em um infinito de esquecimento. 

E menos sozinho talvez estivesse se fosse aquele menino esquecido na terra estrangeira dos devaneios, porque havia um sorriso que me permitia sorrir também...

Lá, por onde eu seguia em caminhos pavimentados de utopias, eu podia sonhar com um pouco da claridade solar aquecendo ainda mais as mãos entrelaçadas,

Acreditando por um momento que talvez,

Na verdade, 

O sopro gélido esteja vindo do bater de asas dos anjos que se aproximam.

24 de jul. de 2021

24/07/2021



 Os doces antigos anos flutuam como lembranças quase esquecidas em uma atmosfera distante, inatingível, feito fossem pequenos vagalumes dissolvendo ínfimas porções da escuridão das longas madrugadas. 

Foram muitos dias de sol, vento e chuva castigando a fortaleza ebúrnea da inocência;

Muitas palavras, muitas mãos, muitos lábios...

E os poderes mágicos foram se tornando cada vez mais rarefeitos, o mundo foi se tornando mais cruel e a claridade do dia desaparecendo mais rápido. 

E chegam as noites onde a cidade cessa seus murmúrios e cantigas;

Noites frias, de céu profundo e limpo, com o luar leitoso de julho escorrendo suas luzes pelos muros e jardins. 

Então é agosto que se aproxima, penetrando por portas, poros e janelas com um perfume igual ao dos tempos dos pés descalços pela areia morna dos caminhos arborizados. E os olhos marejam um pouco pelas borboletas delicadas sobre as flores singelas que resistem ao inverno, por uma solitária canção que alguém dedilha não muito longe, pelo coração que já não é tão belo agora que com suas cicatrizes, mas que nem por isso se tornou frio 

Ou menor. 

23 de jul. de 2021

23/07/2021



 Três anos para uma década de adeus. 

Tudo já se foi, esvaiu, escorreu ladeiras abaixo junto ao silêncio para mergulhar em uma escuridão indecifrável. 

Em raros momentos, aqueles tempos sublimam-se, liquefazem-se, e chovem sobre a terra castigada. Uma rega rápida, vã, sobre o jardim sedento. 

Éramos tão outros, certa vez me disse no momento de mais uma despedida. Porque eu fui dividindo a ruptura, o abandono, a saudade que havia, em pequenos estilhaços menos cortantes e fui enterrando aos pés das flores para não ver. E já não vejo, só meus dedos cortados sabem que estão lá, para sempre talvez.

E tudo isso é porque você às vezes encontra um caminho para os meus sonhos e sem que eu abra a porta você volta para dentro, como uma assombração que não precisa de chaves. 

Mas eu não temo... As velhas ruínas são castelinhos de areia desfeitos por ondas agora calmas diante dos novos escombros, e já ninguém pode se dar ao luxo de sofrer por dores bonitas. 

Os olhos não secam, os estômagos rugem, o medo cavalga livre pelas ruas que não podem mais ficar vazias, a mentira ainda vence quase absoluta.

E você aqui por um fragmento de instante ou de loucura... ainda maior, com mais luz e beleza, como se a casa ainda fosse sua, como se os lençóis baratos ainda pudessem receber seu corpo. 

E quando a claridade da manhã enfim penetra afugentando os outros fantasmas, esses sim reais, sua imagem vai desbotando junto ao vazio e deixando apenas este pequeno e tolo elo. 

"Éramos tão outros", você dizia...

E eu só pude concordar, escondendo que ainda sou o mesmo, só que sem aquela bonita capacidade de voar.

19 de jul. de 2021

19/07/2021

 


O excesso de silêncio tem deixado uma cicatriz que não se cala. 

Um ruído ininterrupto que soa como um efeito colateral de tanta distância e temor.

E essas avenidas vazias por onde só o vento seco e frio caminha, são tão diferentes das vias internas de trânsito infernal por onde os pensamentos circulam sem lei e sem controle, causando pequenos estragos, pequenas fraturas. 

É estranho tudo isso que restou depois de todos os perdões terem sido oferecidos, depois que os sonhos adormeceram e as memórias tombaram exaustas. 

É um fim de batalha que não oferece paz, não traz calmaria. 

Mas é um fim.

Outros versos sem grande sentido virão em louvor às ventanias do agosto que de novo se aproxima. 

E tudo será dito mais uma vez, e será esquecido mais uma vez, em um incompreensível e sagrado ciclo de angústia e êxtase, de culpa e absolvição.

Porque é certo que a missão do tempo é rejuvenescer a alma, substituindo nocivas ilusões por construções de beleza singela, mas de alicerce firme. 

Por hoje, o sol já se deita suavemente dando lugar ao sopro gélido e escuro da noite, e eu volto a caminhar junto ao vento pelas vielas esquecidas, fugindo em busca da quietude que não existe pelas ruas do espírito.

15 de jul. de 2021

15/07/2021

 


Não é possível saber se vale de alguma coisa cultivar essas flores ingênuas nas brechas pelas quais as assombrações tentam se libertar,

Não é possível saber se as orações simples da infância podem mante-las calmas e afastadas por muito tempo,

Não é possível saber se na verdade isso que ouço arranhar as paredes cansadas da alma são mesmo antigos fantasmas ou meras consequências...

Então se por um instante me for permitido não pensar, eu gostaria de ser como os poetas

Que nunca morrem e nunca sofrem por nada além do amor e da estiagem.

Se me for permitido por um instante não sentir, eu gostaria de ser como o vento que o tempo não consegue ferir,

Ser como os zéfiros que rodopiam as folhagens amareladas pelos caminhos despovoados, anunciando outro enigmático agosto em que há tanto para sucumbir e tanto para renascer. 

E o que vem ao meu socorro é um raro e precioso silêncio sem saudade ou sonho.

Assim, volto a ferir as mãos na terra rude e aconchego frágeis belezas em seu âmago;

Ajoelho-me humilde,

Feito o menino que era livre da culpa,

E agradeço pelo coração que aos poucos conhece a cura,

O coração que aos poucos refloresce.

14 de jul. de 2021

14/07/2021

 


Discretos desesperos são silenciados pela voz macia e rouca não muito distante, 

Logo a imagem de um sorriso oculto,

E um aceno, 

E uma despedida;

E a realidade escorre para fora da pausa e volta a caminhar. 

Pouco há de tudo o que há, 

Já o disse, 

E disse novamente,

E repeti. 

Porque em algum lugar flutua o aroma místico de perfumes raros,

E em algum lugar os pássaros cantam versos misteriosos e sublimes,

E em algum lugar o amor opera maravilhas desconhecidas em almas alquebradas,

Mas aqui apenas reina o mesmo sol de luz descorada

Sobre as cansadas horas, 

Legítimas indignações e

Flores frágeis.

A brisa, os transeuntes, os portões abertos, trazem apenas faíscas de algo embelezado,

Algo que se liquefaz nas mãos mornas da tarde. 

E busco por entre as páginas de bons e maus poetas algo que decifre o murmúrio ininterrupto que ecoa do peito,

Só que não compreendo as palavras que dançam e se misturam arrogantes como se eu não estivesse suplicante ali, 

Como se não precisassem jamais fazer algum sentido aos que clamam seu alento.

Mas sozinho algo eu entendo dos ruídos confusos que me chegam,

Uma melodia com ainda alguma pureza em si,

Que cantarola insistente:

Ainda pulso...

Ainda sou o mesmo,

Ainda estou aqui. 

13 de jul. de 2021

13/07/2021

 


Com as saudades todas gastas, não resta dor adocicada por aqueles dias em que se vagava pelos corredores declamando poesias profundamente sem sentido para amores ainda mais efêmeros.
Contudo, mesmo depois dos tempos das dores dóceis, o córrego raso de versos atravessa a tarde sem ambição, como tanto já fez, refrescando a alma. 
E parecem-me quase santas as pessoas que vagam nas ruas, sem pressa a algum destino confortável,
Parecem-me sagradas as crianças pelas calçadas antes do fim do dia,
Parecem-me dádivas os jardins com roseiras exuberantes nas casas de esquina. 
E é por isso, 
E pelo vento morno que que carrega algum perfume, e pelas vozes confusas não muito longe, e por uma canção antiga e ruim que não para de tocar, 
Que não posso deixar de insistir. 
Benditas essas palavras sem sabor, essas páginas não lidas, não amadas, o coração não disparado, a calmaria não clandestina.
Bendito esse pouco, 
Bendita essa ausência preenchida pelo lume fraco da fé.
A fé que bruxuleia feito a chama de uma vela posta na janela,
Mas que não se apaga, não se apaga. 
Tudo isso, eu sei, é libertação,
O reflexo puro no espelho,
A poesia bonita oculta em mais um poema horrível,
Como uma gema rara presa por entre rochas sem qualquer formosura.
Tudo isso, esse trivial,
Esse quase menos que nada,
É também tanta vida. 

12 de jul. de 2021

12/07/2021

 


"É preciso voltar a crer na força da vida!" dizia ela,

E eu pensava que não era mais possível seguir apenas sobrevivendo à estiagem, 

Às despedidas,

Às memórias,

Aos desencontros. 

Eu pensava que não era mais possível seguir apenas trancando as portas e apagando as luzes,

Observando nostálgico o velho e cansado ipê que um dia floresceu naquele fevereiro tão distante. 

Então percebo que acima do som rude e ruim que o medo entoa, que mais forte que seu cheiro triste e grosseiro,

A alma emite uma canção cheia de acalanto, utopias de tempos bonitos, sonhos pouco ambiciosos, que repousam pacíficos para o porvir. 

E de suas pequenas e delicadas mãos, florinhas de ilusão exalam um aroma adocicado de boa esperança.  

E me emocionou lembrar dos olhares que continuam a se tocar, 

Dos sorrisos ainda ocultos por escudos inevitáveis, 

Mas que permanecem lá, 

Luminosos. 

E me emocionou a voz envolvida em tanta ternura, 

Guiando-me a ver as preciosidades singelas que os versos pobrinhos conseguem por vezes esculpir. 

"É preciso voltar a crer na força da vida!" dizia ela...

E me emociona saber que,

Mesmo sem perceber,

Somos nós essa força. 

11 de jul. de 2021

11/07/2021

 


Sei que já não são os velhos e sagrados faróis a medir as obstinadas e tolas palavras;

O azul que me contempla repleto de um massivo vazio pertence apenas ao céu que precede o sétimo agosto. 

E abaixo do firmamento, uma calmaria suspeita foi se fazendo tão intensa e afiada que lentamente cria pequenos cortes na alma fraca quando esta vasculha outra vez ruas e memórias em busca da própria inocência;

E são dessas fendas que as palavras escorrem.

As palavras, de novo e de novo, elas.

Moldadas por mãos pouco hábeis,

Tomando a forma de preces, de súplicas, de flores, de canções de adeus;

Para em seguida se desmancharem no ar, como as nuvens que o inverno levou embora. 

Mas antes elas me dizem que a vida persiste.

Como os ipês que continuam a colorir os caminhos não muito distantes daqui;

Dizem que, oculto por pequenas flores roxas, 

Resiste o velho e frágil lírio da paz...

Aquele que já embelezou o caminho por onde os sonhos desfilaram.

E tudo, eu sei, é por medo da escuridão e do silêncio, 

Das avenidas continuarem para sempre desertas feito fossem o coração. 

E tudo, eu sei, é por esperança de um outro sorriso, 

Repleto de claridade e absolvição.

9 de jul. de 2021

09/07/2021

 


A poesia resiste para louvar tudo o que é eterno:

As flores novas no jardim sob o sol de inverno,

A canção que ecoa pelos vãos luminosos da alma,

O perfume da memória que o vento traz quando faz curvas sem pensar, 

As crianças que aos poucos voltam a correr pelas ruas de domingo, 

O amor...

O amor que disse adeus e que por isso jamais irá embora.

A poesia insiste por não ser vista. 

Ignorada ela cresce forte e lentamente pelas rachaduras que o tempo vai abrindo pelo chão e pelo coração,

Como as raízes dos belos e bailarinos salgueiros. 

A poesia permanece porque nem tudo precisa de cura ou perdão o tempo todo, só que sendo tantas vezes o único antídoto para todas as coisas, ela escorre docemente pelos trilhos, telhados e ladrilhos, 

Como a chuva santa que se esqueceu desses cantos inóspitos, 

Mas que quando retornar, trará como sempre vida em abundância.

A poesia se despediu junto dos dias ingênuos da infância que a cada estação que se esvai parecem mais um sonho,

E por isso ela nunca, 

Nunca deixará de estar bem aqui. 

7 de jul. de 2021

07/07/2021

 


Adélia e Cora passeiam pelas folhas vermelhas e caídas da tarde;

Não bem elas, 

Seus versos.

Eu suspiro...

"Desejo de beleza", me sussurra...

É sim, Dona Adélia.

É uma fome estranha que não passa, um vazio que não se preenche é nunca. 

A alma insaciável, desiludida,

Vivendo um pouco menos do que gostaria. 

As folhas como fogo despencando pela estação e pela estiagem são alguma coisa... 

Como o amor fora alguma coisa, como o adeus fora alguma coisa, como o medo e a alegria foram alguma coisa. 

E a gente aqui, gente besta, sem muito brilho, tentando ser alguma coisa também. Insistindo.

Sendo isso que parece pouco, mas é até que muito: gente.

Pouco depois da primeira e única estrelinha dourada no caderno de caligrafia pela letra bem feita, veio Cora com seus escritinhos, e eu me lembro que ela lembrava de um bolo pesado e pastoso, e que pra mim foi esse o primeiro gosto que a poesia teve e foi esse o gosto dela pra sempre.

Da mesma forma, a vida... Grossa, densa, pastosa.

E ansiamos, ansiamos, e só comemos também uma fatia tão delgada, tão insossa, antes dela ir pro alto do armário, impossível que só, 

E a gente aqui, crianças molengas querendo mais, mais,

Mas a vida fica lá quase intacta pro café das visitas, 

Fica só pros outros, 

A gente vai e fica e se conforma, fazer-o-quê,

Sem reclamar,

Sem blasfêmia.

E o sol se põe enfeiado, como é difícil de ser,

Contudo, eu sou também o homem de Cecília, 

O pobre com um balde regando o jardim para que não morra por completo de secura. 

Por isso os hibiscos bradam em cores exuberantes, mesmo abaixo de um céu de uma palidez amarronzada feia de dar medo,

Enquanto fico pensando que quem me dera a fé de uma, a força de outra e a doçura da última... Ou ainda, meu Deus, quem me dera esse olhar simples e emocionado,

Que torna mesmo as coisas mais banais,

Coisas santificadas.