31 de out. de 2021

Antes do último ponto final

 



Há nas vozes dos verdadeiros poetas

Uma beleza e uma dor profunda,

Uma verdade e uma ilusão repleta de encanto,

Um caminho nunca trilhado pelos meus pés. 


Desde o leite do peito de minha mãe,

Até o primeiro golpe na inocência,

E mesmo após o primeiro grande amor,

E a espera pelo meu último suspiro,


Persiste e segue com seu brilho pouco e singular 

A pureza de uma fome, de um anseio

Por uma paisagem nunca vista,

Por um sentimento não dissolvido pelas águas do tempo.


E agora sem luz que fere ou escuridão que paralisa,

É preciso que eu diga que me faz sorrir 

A ideia de que eu poderia amar profundamente

Aquilo que tão belo flutua pelas escadarias quase sem me ver.


Eu fui o algoz, e fui o semeador;

Fui o que amou, e também o que partiu;

E sou o que mergulha no medo, e emerge na esperança;

Sou o que sabe que muito ainda será dito antes do último ponto final.


29 de out. de 2021

Sozinho

 


Mais outros exaustos versos 

Sem cor ou sabor

Fluindo quase inocentemente 

Pelas pequenas frestas abertas no peito.


Mais outros suspiros pelas miragens

Que vagam velozes pelos corredores 

Enquanto as mesmas velhas canções 

Tentam trazer algo de luzes já extintas. 


E por entre as horas incandescentes 

Que se arrastam em tardes de pouco perfume

Delicadas esperanças tentam desabrochar

Sem sucesso. 


E o coração me lamenta sua fome

E a alma me lamenta suas rachaduras 

E eu apenas caminho lentamente 

Para longe das suas súplicas...


Sozinho.

Sozinho.

Sozinho.

Valsa

 


A fera e a presa 

Dançam juntas

Entre juras e mentiras 

Desde as longas noites ancestrais 

Até os dias de sol inclemente 

Em que as flores tolas sucumbem 

Diante da luz que lhes dá vida


E as canções e as imagens 

E o doce caminhar das moças 

E o belo marchar dos moços 

E a juventude

E os cabelos encaracolados ao vento 

Do tempo

Tudo cria um cenário propício às perdições 

Nocivas ilusões

Como o sol que dá e tira a vida

Como a noite que encanta e ameaça

E nós falamos sobre o amor

E sobre a solidão 

De forma blasfema 

Como se soubéssemos do seu peso

Do seu encanto

Do seu excesso

Da sua falta


E tudo isso

Tudo isso que de pouco vale

Toda essa insistência

Esse medo

Esse desejo 

São os passos nesse pequeno 

Ou imenso

Palco de vida

Em que representamos ora uma

Ora outra

Coisa 

Ora caça

Ora caçador

Mas quase sempre só

Sendo o que resta da luta

Das duas personagens.

26 de out. de 2021

Escombros do tempo

 



Há esse pouco de vento que sopra gentil

Sobre feridas não tão mais profundas,

Mas que ainda assim latejam

E insistem em serem notadas.


Nem só do sublime e da saudade

A palavra se alimenta:

Ainda há pouco se nutria de uma ilusão quase sem doçura

E de um passado do qual só migalhas sobraram.


Mas o que persiste da emoção 

Ainda flui por conta das humildes luzes de natal que começam a se espalhar 

E das ruas de casas abandonadas

Onde florescem memórias silenciosas pelas calçadas.


Os pensamentos são ainda inimigos que nunca aceitam a derrota,

Embora a vidente tenha falado de dias melhores...

Então sinto que ainda me resta um coração bonito,

Mesmo que abaixo dos longos escombros do tempo.

23 de out. de 2021

Sigo

 


Disfuncionais palavras são repetidas e repetidas,

Como um feitiço incompleto,

Uma conjuração defeituosa.


Elas rastejam para fora dos dedos,

Suplicantes,

E fundem-se à paisagem fantasmagórica.


Humildes, tolas e puras,

Desfalecem ainda mornas

Antes de tocarem o solo que as germinaria.


Mas o coração merece algum aconchego 

Pelo esforço que faz em lançar claridades

Sobre o caminho agora sem significado.


Os sinais na estrada 

Falam sobre o fim dos tempos do amor,

Embora não falem sobre o fim dos sonhos. 


E ainda vejo outros velhos encantos,

Quebrados e espalhados,

Pairando pelos barrancos e troncos...


E eu apenas sigo,

Sem saber se é pouco ou muito

O tanto de esperança que não pude deixar para trás.

14 de out. de 2021

Quase livre também


Flutuam pela alameda solitária,

Dissolvidos no perfume do bosque recém absolvido

Pelas águas raras de outubro,

Ecos sombrios do futuro e do passado.


E dos ruídos que se fundem 

Não é possível distinguir 

O que são promessas,

O que são ameaças. 


Mas sob meus passos 

Permeia o caminho esta escuridão 

Bem mais morna e doce

Do que a que ainda reside na alma. 


Então liberto o velho menino, 

Encarcerado por tantos sonhos e pecados,

Para que corra abaixo das luzes cansadas dos postes

E beba do aroma mágico da noite.


Livre.

Livre...


Porque lhe é concedido o perdão 

Tantas quantas vezes seus olhos suplicarem,

Porque lhe será dado amparo,

Tantas quantas vezes voltar seus joelhos ao solo rude. 


Assim respiro profundamente 

Como se nada doesse,

Como se nada faltasse,

Quase livre também.