27 de fev. de 2015

Eu sou solo


Não tardará a descer do cume
A lava viscosa e mortífera.
Todas as sutis belezas: flor, arbusto, pedra, inseto;
serão abraçados pelo lento e ardente fim.

O solo, antes macio, gestante de toda vida,
Torna-se crosta morta, dura e negra.
Aquela velha e conhecida casca estéril
Que sufoca e aniquila até as esperanças mais insistentes.

Nas madrugadas que se sucedem, o silêncio corta os ares como navalha nova.
A indiferença, já exausta, perde seu desejo de destruição.
Ventos frescos adoçam a solidão, a única companhia que jamais se despedirá. 
De longe, talvez não tão longe, é ouvido o cantar das rosas.

A terra se emociona... e no seu âmago descobre-se força para mais um pranto.
Ela sente em sua pele bravas sementes, sobreviventes ao fogo inclemente,
As aconchega na humilde umidade de suas lágrimas.
E elas, com o indecifrável poder que só as coisas fracas têm, ousam ir à vida.

Com dolorida fé rompem o duro manto cruel,
Sedentas pelo brilho das estrelas, pelo ar limpo.
Pela manhã, renderão novamente flores e louvores à alguma borboleta gentil,
Esquecendo dos dias em que apenas dura escuridão as envolvia.

26 de fev. de 2015

Caçador de pôr do sol



A imensa luz não verá o medo que envenena este olhar.
Apenas o sentimento maior pode salvar verdadeiramente.
Apenas o sentimento maior pode ferir profundamente.

Eu continuarei perseguindo o sol que se põe,
Aquela luz que me guia e que talvez nunca se aproxime.
Todo mundo busca algo...

Sei que este sol ameaça mergulhar rápido demais no horizonte esverdeado.
Sei que após a inevitável queda
a voz embargada não dirá coisas sãs sobre o que os olhos turvados presenciaram. 

Quando tudo for novamente apenas macia e silenciosa escuridão,
o espírito não se aconchegará em memórias puídas,
mas voltará a brincar como menino em campos amarelados de sonho.

Se a esperança se perde em alturas imensas em busca do astro rei,
A razão dança delicadamente no chão estéril já bem batido.
Em sua aparente infantilidade, a alma capta a aproximação de todo temporal.

Preparo-me para a despedida da luminosidade e a aproximação das nuvens.
Será apenas a chuva novamente a desejar banhar tudo o que em mim há.
Apenas a chuva novamente, a banhar todos os labirintos do coração.






22 de fev. de 2015

Do outro lado do rio


Há uma luz do outro lado do rio.
Uma luz que sorri, sorri com aquela beleza de flor,
Que na noite é botão, na manhã seguinte, é toda beleza.

E como descrever ao que os exemplos não se equiparam?
Seria o bastante dizer que tal claridade lembra a alvura do luar?
Aquela luz dócil, macia, que não fere os olhos, mas acalenta a alma...

Talvez lembre das estrelas, bilhões de meigas partículas luminosas
Num céu tão enegrecido. 
É uma beleza semelhante...

Tão tolo e falho o pobre homem que te admira.
Dança com tantas palavras, gira e salta com elas,
E tão pouco diz.

Mas em sua defesa, afirmo: ele sente!
E se tudo nele é simples e rústico, seu sentir é nobre;
Nobre e verdadeiro, tal qual o perfume intenso da rosa escarlate.

E o que ele tem além, é um coração forte, capaz até de amar!
Mãos quentes e calmas de Jardineiro, sábias ao lidar com preciosidades.
E a esperança... de que alguém do outro lado do rio também pense em quem cá está. 

21 de fev. de 2015

Os sonhos



Os sonhos parecem não querer entender que a fé se foi,
que o sol se pôs,
que a noite caiu, 
que a vida segue, mesmo sem saber.

Não querem entender que por mais que chova, chova, chova,
algumas nuvens não se dispersam, 
não se despedem;
não há trégua.

É compreensível,
toda aquela beleza, toda aquela perfeição tão cruel,
ainda assombram minha paz tão delicada.
Talvez apenas o silêncio possa matar coisas imortais. 

Os sonhos reluzem incessantemente, 
como a delicada flor em um banho solar.
Tanta suavidade e gentileza.
Que pena os milagres serem tão frágeis.

Os sonhos cantam uma canção já sem cor e sabor.
Todos os alicerces estão fixos na areia morta...
Talvez seja hora de desistir da segurança do porto, 
conhecer o mar.




18 de fev. de 2015

À sombra dos versos


Deito à sombra dos versos, repouso a carne inglória.
Que sorriso é esse de tamanha luz?
Que espanta as trevas com docilidade...
Sopra uma brisa aos salgueiros que bailam após a tempestade.

Sem ânsias o contemplo; que seja sutil a minha admiração.
Assim como a beleza das rosas, que o milagre desabroche em calmaria.
E no silêncio das horas lentas, deleito-me de leves desejos;
Verdades e epifanias que juntas velejam no ar.

Eu, de coração tão insaciável,
Quase me sacio ao apenas admirar distante oásis.
Talvez, uma fascinante miragem!
Talvez, real fonte de pura e nova água.

Haverá fé ao firmar os passos.
Se os pés queimam na ardente areia da realidade,
O espírito flutua entre nuvens frescas e macias,
Sonhando com o desaguar de uma absolvição divina. 

10 de fev. de 2015

Continua


Delicados e puros sentimentos desaparecem...
Como o orvalho da manhã sendo desintegrado pelo sol inclemente.
Rendo graças ao silêncio,
Ao menos ele não parte, não promete, não sorri mentirosamente.

É finda a espera.
É finda qualquer desumana expectativa.
Se ainda caminho, mesmo trôpego, é por razão de natureza;
Como viver sem a busca?

Busco. Embora anjos e demônios concordem em dizer:
"Não há nada adiante."
Insisto. Respondo:
"E o que resta atrás?".

Talvez haja quem colha nossas preces com mãos afáveis,
E na aspereza do caminho incerto, aquelas roseiras plantadas em dias tristes,
Ofereçam algum meigo perfume.
Continuemos, pois. Fingindo que continuar é uma escolha, uma opção.

4 de fev. de 2015

Não existe


Não cantaremos a nova canção
Ou a dançaremos no jardim cheio de luz de lua.
Não construiremos nenhuma história,
Nenhuma memória.

Não sentiremos outra vez o tão desejado Amor,
Nem olharemos para o mesmo destino.
Na terra úmida dançarei só,
Sorrirei só, chorarei, se preciso for, só.

Porque você não existe,
E tola é minha escuridão que se apaixona por relâmpagos.
Efêmeras claridades,
Velozes demais para guiar o espírito. 

Mas entre a dor de amar e não amar,
Talvez já tenha sido feita a escolha.
Já se pode pensar no passado sem morrer mais uma vez,
Já se pode pensar no futuro sem os tormentos da esperança.