28 de out. de 2016

Disse a ela


Disse a ela:
"Tudo está conectado."
Enquanto observava o olhar triste da garçonete
Servindo a moça de alegria displicente.
"Há uma ponte que une todas as coisas,
Mesmo as mais distantes."

E uma memória fugidia
Passou bem ao lado.
"Tudo está conectado"
Ela me disse.
"Você, enfim, tem olhos de adeus."
E sorrimos à liberdade.

Todos os erros, dos ínfimos aos imensos,
São estrelas mortas,
Adornando as noites de silêncio.
Quando as luzes se vão,
Observamos nossa história cintilante
Num céu ainda cheio de tanto vazio.

"Não aceite menos que ter o coração em chamas."
Disse a ela.
O amor, a fé, o sonho,
Tudo precisa aquecer,
Queimar.
Não podemos correr o risco da lucidez.


Cegos


Tudo está, nada é. Fácil.
Mas o estar é eterno para aquele que está.
E as promessas dos positivistas
São tolas e inúteis
Como uma escultura de barro
Sob uma tempestade.

Por que sofrer pela sorte que os Cegos têm?
As chamas do mundo já ardem em qualquer face.
É heroísmo ou estupidez dar as costas a elas?
Cegueira todos temos, ou não viveríamos;
Se é que vivemos.
Escolhemos qual pesadelo enxergar.

A fome persiste, mais e mais voraz.
Egos famintos, bocas famintas, olhos famintos.
Sonhos famintos.
Cada qual com seu Estômago em sofrimento.
Esperançosa espera pelo Pão nunca dado,
Ânsias absurdas para saciar o que nunca será saciado.

Algemas nos pulsos de crianças.
Lacaios estufados, saindo de banquetes da nossa carne.
Mas melhore essa cara, dizem.
Já que vamos para o abatedouro, vamos sorrindo,
Empestilhando o mundo de mensagens fofas.
Bons cordeiros mansos. Resignados. Imbecis.

26 de out. de 2016

Sal da pele, sal dos olhos


A alma, antes viajora por tantas palavras,
Rios de palavras, mares de palavras;
Já apenas flutua, ébria e fascinada,
Ao admirar belas luzes.

Há algo de real neste sutil brilho
Que com carinho envolve cansadas esperanças;
Esperanças tão envergonhadas,
Acuadas por indiferenças vorazes.

O sal da pele, a claridade do sorriso,
A voz, o calor...
De não tão longe, sonhos acenam
Quase esquecidos do sal dos olhos.

Bravo coração, em riste!
Como uma nova vida, um broto,
Surgindo do fundo da terra escaldada,
No aguardado retorno da primavera.





20 de out. de 2016

Tudo não é o bastante



Logo as luzes partirão,
Mas não virá o silêncio.
Eles continuam lutando,
Eles não cessam.

Sirva a alma em generosos pedaços.
Entregue tudo, outra vez, tudo.
Mas ainda que tudo pareça tanto,
Tudo nunca será o bastante.

A realidade avança com voracidade.
Esses sonhos todos...
Que já pareceram imensos,
Não passam de migalhas em seus dentes sujos.

A esperança nunca partirá.
Velha e cansada, para onde iria?
Mas a quem consola com suas tristes expectativas?
Nunca, nada passará do que é.

11 de out. de 2016

Hoje é dia de Maria


12 de outubro tem o mesmo céu:
Imenso e delicado manto azulado,
Derramando chuva branda.

Ninguém sabe onde se perdeu aquela fé tão bonita,
Em que ponto se tornou maculada a alma que tanto sorria.
Mas a água salgada ainda rega os olhos d'alguma esperança.

Que batalhas ainda aguardam esses desafortunados?
Quão pesada será a espada que terão de levantar?
Quanto do seu sangue manchará a Terra?

Jaz a infância num quase esquecido tempo de luz,
Mas ainda rogamos alento, carinho.
Ah Mãe! Dai-nos um caminho!


10 de out. de 2016

Quem?


Deita um pesado manto de trevas sobre já frágeis esperanças.
Quem ouve nosso grito?
Quem cura nossa dor?
Quem mata nossa fome?

Demônios regojizam-se em suntuosos banquetes;
Nosso futuro servido aos pedaços para saciar víboras.
Quem em nosso socorro?
Quem em nosso nome?

Nos sonhos, o céu ainda é adornado por estrelas,
Por quanto tempo?
O coração ainda bate com a parca fé que resta,
Até quando?

Porcos adestrados sagram ideologias.
Papéis e imagens moldam as mentes vazias.
Bandidos blindados, resguardados.
Quem por nós?


8 de out. de 2016

Essa gente


Tem todo esse mundo aí,
Você sabe,
A gente vai ter que encarar.
Desde a primeira luz
Do primeiro dia
Vamos sendo preparados pra guerra.

Muita guerra, sempre guerra, guerra todo dia.
Mas tem gente que nasce assim, olhando pra outros lados,
Meio desviada, meio errada.
Vendo beleza onde nem tem.
Gente que não quer lutar,
Gente achando que pode sonhar.

Essa gente cava com as mãos nuas corações de pedra.
Perde a hora da largada,
O papel principal.
Atores sem público,
Sem aplauso,
Sem texto.

Gente coadjuvante, quase invisível,
De porta trancada, pensamento sangrando.
Gente que se esforça...
Mas que não dá com isso
Da vida ser um imenso campo de batalha.
Cheio de esperanças exterminadas, de memórias falsas.


Tão jovens



Somos tão jovens
Para pousar o olhar em memórias
Que ainda nem correm o risco
De caírem no esquecimento.

Ainda somos tão jovens
Para abrigar tanto medo e desesperança;
Falam de um mundo tão grande e bonito
Sobre o qual nunca flutuamos.

Quem será o primeiro a assumir que se perdeu?
Quem será o primeiro a assumir as lágrimas,
Silenciosas e quentes no travesseiro toda noite?
Quem será o primeiro a não querer ser um herói?

Ainda somos tão jovens para pensar no tempo;
Para viver tão consequentemente;
Para ter o coração tão endurecido;
Para ter o coração tão ferido.

7 de out. de 2016

Deserto



Um aroma que lembra santidade, uma canção, uma memória.
Um poema que se repete e se repete; águas que sobem e chovem.
Um minuto de silêncio por nossos sonhos.
Um minuto de silêncio por aquilo que desistimos.
Um minuto de silêncio por aquilo que desistiu de nós

Não está distante aquela estrada
Por onde passei sorrindo e cantando.
Era o fim de um inverno, o início de uma noite.
O que você não enxergou,
O que você pediu para partir, era meu melhor.

Mais um pouco e sentiremos vergonha das nossas luminosidades.
Até onde você iria por um abraço sincero?
Por uma pequena chama no frio de um deserto noturno?
Mas e se o deserto nunca esteve lá fora?
E se o deserto sempre fui eu mesmo?

6 de out. de 2016

Scroll down



Scroll down.
Quais são as últimas?
O país está um caos.
Pobres putas, nunca teriam filhos assim!
São ciclos, carmas, chacras desalinhados, transição planetária.
A dona Joana ainda faz benzimento?
Deus queira que sim!
Descer todo santo empurra.
Já subir? Nenhum cristão à vista!

Scroll down.
Esta foto pode postar! Esta sim!
Pareço mais jovem, mais feliz, mais vivo.
Pensando bem, não posta, não. Nem parece eu!
Vá descendo...
Quanta coisa bonita, né?
Ninguém se importa com sua viagem para Paris, viu?
Fazer inveja é tão retrô...
Alguém avisa?

Sroll down.
Ai, que chic!
Metade do país agora é gringo!
Oh, thank you, Sir!
Yes! Of couse!
This is all yours, you can take it all!
More champagne?
Education, security, health? Hahahahaha
Oh! Don't you worry! This is Brazil.

Scroll down.
Outro match! Agora vai!
Não... não vai.
O feio quer o bonito
Que quer o lindo
Que quer o maravilhoso
Que não quer ninguém: está acima de tudo.
Estava certo aquele que disse isso.
Por onde ele anda?

Scroll down.
Absorva informação, mais, mais...
Como o ar podre da sua grande cidade vil.
Não seja um imbecil, não seja massa de manobra,
Se informe, porra!
Depois engula o que puder de Rivotril
Esqueça que a realidade é uma bêbada de casamento,
Louca e inconveniente, estragando a festa finíssima,
E tente dormir se for capaz. Bons sonhos.

Scroll down.
Setembro amarelo.
Outubro rosa.
Novembro azul.
Vamos amenizar desgraças, vender souvenirs,
Gastar nosso tato teatral fingindo imensa humanidade,
Enquanto olhamos pra baixo na mesa do bar,
Ignorando o mendigo que nem iria de fato se aproximar.
Somos patéticos. Mais uma dose, é sexta, nós merecemos!

Scroll down.
Continue descendo, ainda não é o fim.
Ou já passamos do fim faz tempo?
Isso aqui é o limbo, isso aqui fede!
Mas mantemos a civilização, a fina estipe.
Nada de barracos!
Facadas, só pelas costas, por favor! Bons modos!
É, meu amigo, toda essa ganância e fingimento...
Somos gafanhotos famintos. Atrás de nós, só desolação.

Ao vento


Tanto quanto sinto, resiste. 
Este inverso eternamente apaixonado
Por uma primavera meiga, doce, 
De perfumes brandos e cores tamanhas...
Bem como a alma:
Esperança e desespero em uma dança infinita. 
Sem mais perdedores, sem vencedores, 
Viajores confusos, 
Aves sem ninho, 
Clementes por colo, aconchego, palavra.
Mas apenas vem o vento,
Os salgueiros dançam, 
Os poetas ficam em seus êxtases...
Memórias, sonhos, medos.
Ameaçando um último verso
Que é sempre o penúltimo
Porque a vida não deixa sentimentos intactos
Ela salva e condena
Ama e odeia.
Suga nosso tutano
E nos brinda com o elixir da vida eterna.
O coração ainda bate, 
Sujo, cansado, 
Mas tão belo.

5 de out. de 2016

Culpado pela resignação


Retomo o andar pelas ruas sujas e vazias
Com o vento frio de um inverno que nunca termina
Agredindo meu rosto em silêncio
Enquanto vejo com olhos embaçados
As luzes amarelas dos postes altos
Que não abrigam mais casais de namorados.

Retomo o pranto diante da consciência
Da minha absoluta solidão
E sorrio por ao menos a ausência
Ser plenamente verdadeira.

Ouço aquela cansada canção,
Vinda de uma remota época
Em que eu considerava minha alma mais pura,
Ainda que ela nunca tenha sido,
Ainda que desde cedo
Seus sentidos tenham se aberto ao pecado.

Me despeço da esperança, da luz, com resignação.
Minha voz não atormentará mais nenhum ouvido celestial.
Que os anjos repousem pacíficos,
Ignorantes da minhas inúteis obsessões.

4 de out. de 2016

Siga


O que dizem os fantasmas
Em resposta às tuas amáveis palavras
Adornadas de um delicado desespero
E de uma farta quantidade de nostalgia?

Nada, não é óbvio?
Depois de arremessar com força tua esperança
Rumo à profundidade indizível da noite
Ainda espera algum sinal, algum lume?

Como é feio este teu esforço em sentir dor.
Como são feias estas tuas rotas roupas de luto
Por sentimentos há tanto sepultados.
Nada do que foi será outra vez, jamais.

Poe em riste este peito,
E como todos os demais imbecis, siga.
Siga a encenação sem murmúrios.
Em nada além da tua memória o sonho e a glória.


3 de out. de 2016

Página em branco


Versos e tantos versos.
Vazão incontrolável de sentimentos,
Súplicas, louvores, memórias.
Quem ouve a voz ecoando pelas fendas do tempo?

Segue o contador de histórias.
Caminha pela terra pálida;
Quem tecerá o destino?
Quais dores, quais amores?

A poesia acena de longe,
Meiga e encantadora,
Frágil como a luz rubra do poente.
Eu sorrio de volta.

Ninguém mais se aproxima,
Mas as canções ainda encantam.
A magia de todas as coisas permanece,
Mas todas as coisas se foram.