25 de mai. de 2017

Caravaneiro


Ficou tarde demais para algum remorso.
As estrelas se escondem esta noite.
Não faz frio, não há saudade.
A canção precisa continuar sendo entoada
E nós dançaremos nas ruas vazias pela madrugada
Antes da vinda do sol, antes que o encanto se dissipe com o orvalho.

Você era um menino bonito,
Tinha olhos com brilho e poesia,
Eles dizem.
Tantas armaduras escondem aquela criatura dócil
Que agora caminha sozinha pelas velhas trilhas
Deixadas por caravanas de sonhos
Que nunca chegam a lugar algum.

Caravanas que nunca cessaram a luminosa busca
Pelo elixir da vida, pelo oásis que se desmancha às vistas.
Acima, o fogo do sol; abaixo, o fogo da terra.
Mas passam derramando sementes, mesmo com pouca fé,
Passam derramando sementes.
Talvez quando o caminho terminar, na volta, haja flores a regar.

14 de mai. de 2017

Último poema de amor


Farei para ti um oceano de palavras doces
Para que mergulhe fundo, de olhos abertos,
Sem medo.

Farei um caminho de palavras macias;
Pétalas da primavera que chegará;
Para que teus pés caminhem lentamente.

Farei das palavras teu fruto suculento,
Para te saciar, para te curar
De todo adeus, de toda ausência.

Farei das memórias palavras mornas,
Soltas à beira do fogo da noite;
Serão enfim as derrotas, vitórias.

Farei das últimas palavras de esperança,
O orvalho prestes a sucumbir ao sol nascente,
Um poema de amor.

9 de mai. de 2017

Leitor


Também gosto de ler.
Tudo diz alguma coisa e gosto de ouvir isso.
Às vezes passo tempos olhando o jardim
E alguém brinca se estou esperando que as flores cresçam.
Mas eu estou lendo, lendo a beleza dali.
Como leio a beleza dos corpos e das almas.
Não precisa de palavra pra se ter poesia,
Deus sabia disso. Ainda sabe, suponho.
E quando percebi,
Seguia a vida da mesma forma como lia
Aquele livro de poemas que parecia tão bom,
Mas nem era.
Eu corria ávido os olhos pelas linhas,
Vendo o resto do mundo embaçado, de esgueio,
Esperando alcançar um poema que eu sabia não estar ali,
(Normalmente os livros vêm com índices),
Mas a esperança age desde as coisas imensas até as ínfimas,
Quem sabe não estava com outro nome?
Não, não estará,
Mas continuo o livro meio bom, meio ruim,
Com fé.
Assim vai também a vida, repito,
Esperando a leitura de um poema, de um corpo, de uma alma, de um lugar
Que sei que não estará lá por mim,
Mas vou porque a fome pelo caminho é maior que o cansaço dos pés,
E de alguma forma eu já conheço
O poema, o corpo, a alma e o lugar
Tão desejados:
Estão em mim.

7 de mai. de 2017

Lar


Por onde seguia naquele momento,
O que era escombro e o que era construção?
Nas ruas ou na alma,
O que era esperança e o que era derrota?

Um sorriso só veio ao ver as crianças dançando.
Há uma realidade paralela entre futuro, passado e presente,
E por um tempo, enquanto puros, lá vivemos.
Quando se cresce, sabe-se que a canção uma hora termina.

Pelos cantos eu sentia a observação das memórias,
Com seus olhos vermelhos, hálito ainda quente.
E doeria esse cruzamento de olhar;
Mais certo seguir flutuando inconsciente pela noite vazia.

Nos sonhos, persiste, persiste
A busca infindável pelo saudoso e desconhecido lar;
Isso porque ainda não entendo, não sinto ou vejo:
Sou eu meu único e verdadeiro lar.

4 de mai. de 2017

04/05


Todos os dias a alma sangra em silêncio;
Por Samir, por Alex, por Dandara.
Se somos mesmo Deuses,
Onde está nossa Luz Divina?

Frágeis criaturas patéticas.
Debulhando-se em lágrimas
Frente às frias telas de vidro,
Mas estáticas, inúteis.

O Amor do qual inflamos canções e poemas,
Vale de algo diante da fome, da solidão, do desprezo?
Esses templos abarrotados de hipócritas,
Esperando recompensas mundanas e perecíveis...

Que fazemos de fato da nossa fé?
Palavras ao vento, escambeiros, crianças aduláveis.
As mentiras fluem como um rio caudaloso e poluído;
Cegos, cegos e contaminados, todos nós.

Meu coração dói. Nosso coração dói.
Os raquíticos milagres não sustentam essa horda desolada.
Mais nenhum herói, nenhum Amor.
A alegorias dissolveram-se todas...

Mas eu tive a esperança de receber aquele bom dia,
De salvar a pequena borboleta, que quase sem vida, se debatia.
Trouxe mudas para o jardim.
Chegamos ao limite, mas não ao fim.


2 de mai. de 2017

Poeira ao vento


A chuva ainda era o mais próximo que se podia chegar do céu.
Tinha também aquele olhar tímido demais diante do que viria,
A vez em que não queria estar em outro lugar do mundo,
Pois era seguro;
Na tela, A Bela e a Fera;
Em algum momento todos choram;
Nos filmes, nas memórias, no silêncio do último abraço.
Matilde repete todos os dias pra minha mente:
"Olha, a luz ainda está conosco."
E por luz, ora entendo esperança, ora entendo cegueira.
Já se foram trinta anos e tudo deveria estar dourado agora,
E está. Mas por uma casca fina do metal
Mais composto de prata e bronze de que ouro de fato.
Começa a descascar...
Toda gente sabe como odeio transições,
E começa descascar...
Ainda não vejo o interior, mas sei que o que brilha não é verdade.
Toda gente sabe que odeio transições,
E Deus me coloca no mundo quando o mundo é uma.
Ainda falo e falarei do amor como se ele estivesse aqui,
Como se ele existisse;
Como se ele existisse além desse desespero pela barganha.
Esperar reciprocidade é a forma poética de fazer uma ameaça.
A coisa foi por um caminho tão difuso que nem adeuses eu ouvia mais.
Tudo assim partia, e só.
A gente cresce e cessam as explicações.
Matilde estava certa:
A esta hora uma parte do mundo cria armas,
Outra metade tira o pó das flores.
E no meio disso há alguém profundamente acordado,
Um louco, certamente.
Estou acordado, mas não profundamente ao ponto da loucura.
Quando nada mais havia, havia a espera.
Agora não há.
Sairemos às ruas amanhã em busca de luzes e olhares,
Mas voltaremos os mesmos, sem luzes, sem olhares.
É um mérito dos eleitos viver o que realmente toca?
Nunca acreditei em eleitos... puta bobagem.
Somos todos pó aqui.
Poeira ao vento, lembra da canção?
Sem pouso, sem porto, sem lar.
Viajores.
E toda gente sabe, odeio transições.