27 de fev. de 2016

Intuição


Quando não errava miseravelmente,
A intuição era uma guia maravilhosa.
Ela brada para que o caminho seja outro,
Antes que no fim do caminho a falta da graça me espere.
Certas vezes estive silencioso e calmo,
Como as noites em que o luar esbranquiça o jardim,
E pude ouvir sua voz suave sobre futuros tristes
E esperanças pálidas.
Certas vezes, cansado de tanto vazio,
Tampei meus ouvidos e segui adiante,
Com paixão e eforia,
Para o meu próprio abismo...

Ouço sua voz agora, clara e límpida,
Como um riacho de montanha ou uma canção.
Sua benevolência tenta me salvar do perigo,
Enquanto também me impede de saborear a vida.
Então eu sigo, consciente dos fins,
Das sucessivas decepções,
Das noites em claro que espero por absolutamente nada.
Louvada seja em sua amaldiçoada missão de abrir meus olhos.
Meus olhos ainda famintos de claridade, de beleza, de amor.
Louvada seja por me obrigar a enfrentá-la
E através dos meus cortes e lágrimas saber que ainda estou vivo,
Ainda que a vida careça de real sentido.

Por um instante


No fim da manhã pequenas borboletas brancas
Saciavam a sede nas gotículas que sobraram da tempestade da noite
Deitadas nas flores amarelas, bonitas e ordinárias;
E por um instante, mais fugaz e veloz que meus pensamentos,
Eu me esqueci que a vida é horrível,
Que ela nos corrói os ossos antes da morte
E tira dos nossos olhos tantas lágrimas de tristeza a mais
Que as lágrimas de alegria.

Por um instante, pelas borboletas brancas, que em sua santa ignorância
Eram felizes sem saber que em dias nem pó mais seriam,
Eu vivi um milagre.
O maior e o mais puro e o mais absoluto milagre;
Nada temia.
Ainda que por um segundo, nada temia.
Nem meus pecados e arrependimentos,
Nem meus sonhos ou esperanças.

E nem me doía a eterna distância do mar...
Eu pude lembrar do sorriso amigo, em sonho, ao lado das ondas.
E nem doía me enxergar do alto e ver algo tão insignificante,
Ou nem ver, em bem da verdade.
E nada doía, pois existia ainda,
Inexplicavelmente viva,
A Poesia.

Eu senti o vento tocar docemente as pontas dos meus dedos,
Os olhos marejando, e pensei na beleza grande
Que se esconde atrás da vida sem significado e força,
Que se arrasta como algo importante por dias após dias.
Eu senti meu corpo não mais essa prisão rota, rústica, raquítica,
Mas um instrumento mágico, capaz de se comover,
Capaz de amar toda coisa que existe.
Capaz de existir, mesmo sem ser amado.

26 de fev. de 2016

Sem motivo


Se eu pudesse pegar todos os pequenos tesouros,
Guardá-los para sempre onde meus dedos podem tocá-los;
Usá-los como compensação para as tardes mortas e ensolaradas,
Usá-los para lembrar de como a vida tem belezas tão fartas...

Se eu pudesse pegar todas as memórias,
Tirar todos seus espinhos venenosos,
E usá-las nas noites silenciosas,
Apenas comigo e versos, sem vozes e sorrisos...

Se eu pudesse pegar todas as sutis esperanças
E construir escadas firmes para os sonhos
Sempre distantes demais em suas brilhante e altas torres
Protegidas por feras e realidades famintas...

Se eu pudesse ser grato por já ter vivido tanto,
E por ainda estar vivo;
Não ser escravo das minhas ambições imbecis,
Não haveria motivo para este poema.

25 de fev. de 2016

Frágil?


Eu lembro de um tempo,
Antes do fim dos tempos.
Mesmo após o grande fim,
De todas perdas aceitas,
Havia um sol se ponto distante
E uma canção 
Que nunca silenciava.
Eu lembro de um tempo de sorrir para as estrelas.
O medo não contaminava cada esperança,
E tudo parecia que poderia ficar bem,
Mesmo que nunca realmente ficasse.
Eu lembro de uma oração
Que não se perdia em meio aos pesadelos.
Qual voz que você ouve agora?
Que imagem você vê?
Meus olhos parecem implorar sua misericórdia?
Alguém entendeu bem o que foi dito?

Já não me preocupa ou não reconhecer o que vejo no reflexo.
A deterioração mais intensa foi profunda e invisível.
Alguém está pronto para ver o mundo sem a lente
De qualquer ínfima ilusão?
Fui traído pelos sonhos, pelos anos, pelas palavras, pelos olhares...
E quem não foi?

Mas é tarde



Desperdiço as horas em versos baratos, rasos; Frágil luar que pouco encanta. Eu sei que lá fora o caos domina, Também aqui dentro. É sempre silêncios ou ruídos demais, Faltam canções, faltam vozes humanas. Por que então chorei ao avistar aquele pedaço de arco-íris? Não sou eu o que desacredita em milagres? Mas sinto que não importa em quantos pedaços foi feito o coração, Ele ainda é um coração; Como uma árvore sem suas folhas, flores e frutos ainda é uma árvore. Não quero assumir que tenho as respostas, Ainda que frágil, a ignorância serve de escudo. Mas é tarde, sei que já sinto, sei que já anseio. E não me esqueço do perfume, do calor, do toque dos dedos... Eu sei que seria mais fácil, até lógico, não mais sonhar. Mas é tarde. Os olhos já brilham. O coração já bate.

24 de fev. de 2016

Poema


Que pensas de mim a este meu dedicar-me intenso a ti?
Todo poeta é de certo ponto um desesperado...
Idolatrada sentimentos como o faminto idolatra o pão que lhe salva a vida.
Que pensas dessa santa doença que é a poesia?
Talvez um capricho, uma urgência, uma arrogância...
Eu penso que é simples... e vital,
Como o ar que sustenta os pássaros e a água que sustenta os peixes,
Uma conectora indestrutível de tudo que há,
Tudo de belo, tudo de vivo, tudo sentido.

23 de fev. de 2016

Blackout


Em poucas tardes vira a luz assim, tão macia e triste.
Uma saudade peculiar abraça o peito.
A canção não cessa, não silencia...
Seria isso a esperança, uma saudade do futuro
No dias que são belos?

O menino de olhos de esmeralda me faz sorrir.
Me olha com uma admiração que não mereço.
Se alguém soubesse do medo que há em mim...
Ele fala de suas histórias fantásticas com olhos brilhantes,
Quer deixar no papel suas aventuras...
Falar de lugares mágicos e homens bravos.
A realidade é uma aventura mais perigosa e exige batalhas mais duras,
Penso em dizer.
Mas ele não entenderia, nem eu ainda entendo...
Tudo pode ser tão árido.

A tarde parte quando a chuva desce negra.
As luzes vêm e vão.
Tudo está em silêncio.
Meu coração se lembra de ter visto um pedaço de arco-íris,
Lembra de um tempo que foi quase leve,
E eu acreditava poder decidir qual caminho seguir.
Meus olhos marejam
Diante do horror e da beleza que compões a vida.

Me pergunto como seria ser livre como as nuvens,
Como seria viver a única coisa na qual ainda acredito,
Mesmo depois de tudo...
Mesmo depois da claridade magnânima e da escuridão absoluta.
Mesmo depois das milhares de palavras despejadas ao vento.
Pergunto como seria ainda poder ver o mundo pelos olhos de menino,
E sonhar que resta uma chance, uma chance definitiva
De não ser eternamente sozinho.

22 de fev. de 2016

Logo vem o sol


Chove feito um pranto de corações partidos,
Mas a canção anuncia a vinda do sol.
E eu ando de cara para a chuva,
Como se as gotas frias e afiadas
Fossem na verdade partículas luminosas penetrando na carne.
E assim como das nuvens,
Dos meus olhos escorrem luzes,
Mas estas, mornas...
São de uma esperança delicada.

Eu não teria nada mais do que tudo a oferecer.
Minha alma rende-se nua e simples ao avistar suas mãos.
Não é um pedido de socorro, de salvação... um desespero;
É um convite: dance comigo como se o mundo não fosse acabar.
Me abrace como se houvesse um lugar seguro,
Livre do medo, livre do destino e da realidade.
Um lugar de fábulas, onde o amor brota junto da relva
E o passado é um menino inofensivo, de sono pesado,
Esquecido e seguro, bem distante.

Logo vem o sol outra vez, doce sonho.
Te levarei para passear por quimeras suaves.
E tudo o que meus olhos viram farei com que seus olhos nunca vejam.
Eu não preciso mentir sobre as minhas sombras, não mais.
Eu ainda conheço um ancestral caminho tão belo e quase esquecido...
Você caminharia um pouco ao meu lado sem temer o inverno,
Sem temer os dias que correm tão rápidos e displicentes?
Você veria os paraísos que construí além de mim mesmo,
Doce sonho?


Liberdade


Eu ainda tenho o brilho da lua por trás dos seus cabelos,
Ainda tenho o luz das velas bruxuleando,
Iluminando seus traços belos como uma manhã de chuva.
E naquele pequeno jardim em penumbra, eu estava no lugar mais belo do mundo,
Pois sentia meus sentimentos enfim puros,
Esperando o toque certo para tornarem à vida.
E, Deus, eu era tão livre;
Pois tudo era tão grande e tão simples.
E de longe eu me observava desarmado,
Tentando delicadamente alcançar sua alma ainda desconhecida.

Eu ainda tenho a memória das minhas mãos exitantes
Tentando se aproximar das suas.
Suas mãos calmas, alvas, macias...
Por um momento achando que era um passo ousado demais
Sentir sua pele com a minha pele.
E o tive junto de mim, deslumbrado como quem maneja um milagre.
E pensei que talvez as regras rudes da realidade não teriam poder,
E eu poderia sonhar que te fazia feliz.
Por um momento não havia nenhum medo.
Por um momento tudo que eu era, era livre.

21 de fev. de 2016

Pelo Sonho Maior


Eu não te deixarei ver as sombras.
Não te farei entender o porquê da vida mesquinha.
Porque do meu olhar foi extirpado o brilho,
Numa época remota, em que você ainda flutuava,
E hoje escondo com frágeis belezas cicatrizes tão profundas.

Em seus olhos há uma paz que meus monstros não irão tocar.
E eu ouço os gritos de socorro, e meu coração dói tanto!
Mas eu preciso me salvar dessa vez!
Eu preciso por um momento acreditar que posso caminhar pelas flores.

Que os anjos que ainda restam perdoem minha displicência,
Já não há mais como agir com heroísmo.
O que resta de imaculado no espírito será oferecido ao Sonho Maior.
Salvem-se, desta vez. Preciso olhar as estrelas...

19 de fev. de 2016

Senti


Eu não pensava em todas minhas derrotas
Quando o luar escorria lento pelas árvores e flores.
Não pensava em tudo o que já não pensam,
Ou em tudo aquilo que deveria ter sido até aqui.

Apenas via meus pequenos triunfos,
Meus belos e pequenos bastardos inglórios,
Nascidos de sentimentos ancestrais, irrepetíveis,
E por um rápido segundo eu quase senti orgulho.

O que fiz de toda vida que me foi dada?
Quantas vitórias reluzentes teria para por no currículo?
Em quantos lugares meu olhar pousou satisfeito?
Alguém vive o suficiente?

Mas hoje, eu que já nada sei, sorrio ao sentir que sei menos ainda.
E dos olhos escorrem algo como uma absolvição.
Hoje não espero pelo amor, pois talvez eu seja o amor.
Não sei o que deveria ter feito. Sei o que fiz:
Eu senti. E sinto muito.

18 de fev. de 2016

Caos


O que te levaria a amar meu caos?
Eu sei de toda perfeição que o ronda,
Tanta cintilante promessa,
Como um céu de inverno
Coberto de estrelas de brilho forte e magnânimo.
Que iria querer com a fragilidade das flores,
Perante a eternidade dos astros?

Não é orgulho, te juro.
A alma é simples, como simples é a matéria que a reveste.
É apenas exaustão.
Como ainda ter forças para novas súplicas,
Novos medos, novas humilhações?
Não, eu nunca previ o futuro,
O presente que é suficientemente óbvio.

Mas se agora meu coração fosse ouvido,
Sua voz ainda seria doce e bonita.
Nele insiste em residir luz e paz,
E tanto ainda sorri tentando ofertar seus pequenos milagres.
Nada sei das vitórias...
Mas ele me impede de deixar a batalha.



16 de fev. de 2016

Verborragia


Arrasto os lentos olhos pelo velho livro carcomido
por poemas e sentimentos famintos.
Faz silêncio.
Minha razão, agora que considera-se forte e fria,
tenta estancar o vazamento de ânsias e esperanças
que ainda restam no peito lúgubre e mutilado.
Nega que há nele algo de Belo,
Belo como a luz do poente que abraça o verde-esmeralda das folhas do salgueiro.
Talvez já não houvesse...
Mas aqueles gestos meigos acolhiam com carinho
minha verborragia com doçura.
E eu pensava que talvez, por descuido, não se houvesse perdido
todo encanto do mundo.
Então, na tarde, meus olhos garoam, a alma sorri.
Há beleza demais na recente memória para tremer de medo e desilusão.
Que o destino seja delicado ao lidar com o que inspirará outros versos...
É tarde: volta a ser vivo o coração.

15 de fev. de 2016

Sóbrio


Olhos limpos como telas,
Projetando abertamente sentimentos antes secretos.
De que vale esconder a luz do mundo,
Se as sombras em tudo se aconchegam?

Não se assuste com meus excessos, menino,
Com as palavras que jorram sem maiores pudores.
Parecem até um texto bem ensaiado para comover o coração desejado,
Mas saiba que não.

Que somos além de pedras valiosas,
Lapidadas a cada golpe dolorido?
Meus sentimentos já não contêm qualquer desespero,
São agora a joia rara, remanescente de grande decepção.

No peito, há o que ainda pulse, ainda belo e robusto.
No céu, há o que ainda brilhe, como sonhos sutis e eternos.
No corpo, há o desejo real e puro de conexão.
Na alma, há vida pura, que jamais se parte.

13 de fev. de 2016

Dezembro


Na rocha fumegante que se fez o peito,
A bala, a espada, o soco, o sopro,
Não penetram.
Apenas a calmaria fará morada;
É bem-vinda, respeitada,
Como a palavra doce, oferecida sem contrato,
Sem medo, sem destrato.
O afago belo, discreto, distante.

Não se finca no espírito,
Como flecha envenenada de mentira e ilusão,
A indiferença friorenta, tão abundante.
Transpassa. Fere e passa.
Parte. E no túnel de angústia deixado,
Flutuam borboletas brancas e delicadas,
Despreocupadas de sua transitoriedade.

É o fim, não é? E eu enfim agradeço.
O que poderia ser ceifado, o foi,
Sem misericórdia.
O pranto que poderia escorrer,
Brando e morno,
Desaguou,
Como cachoeira bonita de cerrado.

E como após todo fim: começo.
Cavo a terra pedregosa com mãos nuas.
O sangue dos meus dedos fertiliza o solo árido.
Lentamente aprofundo o alicerce de nova esperança.
Após as tempestades levanto as rosas encharcadas.
Após a queimada aguardo os novos brotos.

Após a morte, respiro novamente.

De "Tempos Inversos"
https://www.clubedeautores.com.br/backstage/my_books/192025

8 de fev. de 2016

Cálice



Toma teu cálice, beba.
Realidade; morna, pura, amarga,
Outra vez.
Conhece bem tal sabor,
Ele já não parte mais da tua boca,
Da tua alma.

Cala-te, coração bastardo.
Basta de doces e ridículas canções.
Ninguém te vê, ninguém te ouve, ninguém te ambiciona.
A resposta mais correta é sempre a mais chula, a mais óbvia:
Mesmo entre as criaturas de aspecto mais nobre,
Tudo se resume ao encanto ou desencanto com a imagem.

Cala-te, para o teu bem;
Ouça as sutis vozes angelicais em seus cantos tristes,
Mas verdadeiros.
Poupa o mundo de mais palavras,
De mais intenções.
A ninguém comove a tua verdade.

Abrigo


O que tinha diante de si
era o espírito de um velho contador de histórias.
Um mar infindo de palavras,
às vezes doce, quase sempre revolto.
Acostumado aos estrondos insanos vindos do céu,
acostumado à luta violenta das forças.

Um oceano que em seu fundo protege tesouros frágeis,
inalcançados.
E eu tentei manter longe das minhas profundezas
os delicados raios de luz.
Fechei os olhos para ignorar os relâmpagos de esperança
no horizonte intocável.

Mas já é tarde.
Eu já sinto...
As nuvens bailam insanas no céu
e sua dança me seduz.
O coração murmura uma canção, tímido.
Não há volta.

7 de fev. de 2016

Respirando


Aquilo que vi foi o fim de toda esperança;
Aquilo que bebi foi o fel da indiferença;
Aquilo que amei nunca existiu;
Mas continuei respirando.

Eu vi versos natimortos;
Eu bebi de uma inspiração contaminada;
Eu amei a dor até não haver mais amor;
Mas continuo respirando.

E tudo que é vivo me ensinou a ler o silencio,
A buscar respostas nos olhares.
E tudo o que é morto me conta histórias sem fim,
Eu ouço sem conseguir ouvir.

E talvez agora saiba não sofrer pelas perdas,
As perdas daquilo que nunca realmente virá me pertencer.
Ainda assim meus olhos brilham diante do inatingível...
Eu continuarei respirando.