16 de dez. de 2017

16/12


Talvez o amor seja simples.
Como o vento levando as flores de dente de leão
E espalhando pelo campo
E gerando novas sementes de dente de leão.

Talvez o amor seja morno, não quente.
Seja conhecer o sonho do outro.
Conhecer o sonho do outro tão bem
Que num certo ponto é meio que o próprio sonho também.

Talvez o amor não se dê para buscar, 
Mas sim o esperar bater na porta mesmo,
E a porta estar destrancada 
Enfim.

Talvez o amor não tenha morrido
Naqueles bons velhos tempos.
Talvez, talvez porque eu não poderia nunca afirmar,
O amor seja realmente eterno.


12 de dez. de 2017

Fênix


Por vezes, dentre tantas dores e descaminhos,
Restava uma nuance de esperança nos trilhos da vida.
Uma miragem bonita no horizonte,
Como aqueles pedaços de arco-íris
Que resistem alguns instantes suspensos no céu
Antes da volta permanente do sol.

Um segundo sem desespero
Nesse mar repleto de náufragos...

Dos mesmos olhos despidos de ilusão
Escorriam lágrimas quase impeceptíveis
Ao pensar numa esperança tão vaga,
Tão etérea e distante...
Mas presente, ali...
Fazendo-se existir.

Uma pequena bela angústia
Brotando dos dedos sujos e cansados de revolver o solo duro da fé.

E todas as partes arrancadas e murchando no solo quente,
Brotarão novamente, florescerão novamente.
Não poderão aprisionar nosso espírito,
Como não se aprisiona as cores de uma delicada flor.
É bem pouco esse contentamento descontente, eu sei,
Mas somos mais fortes e encantadores do que nos vemos.

Estão nos tornando cinzas;
Mas somos fênix...

2 de dez. de 2017

Tempo inverso


Se por uma vez apenas o tempo esquecesse a própria crueldade
E se dobrasse, adormecido e cansado sobre si mesmo,
Talvez não navegássemos mais nesse oceano de sonhos partidos
Onde sempre chove e trovoa,
E aportaríamos naqueles instantes em que mais do que felizes,
Éramos livres.

Todas essas estúpidas imagens e essas estúpidas vitórias
Encobriram de chumbo nosso delicado espírito.
Toda essa ânsia, essa fome, esse desejo...
Nossa angelitude agonizando nas mãos da ambição.
Nossa saudade se alimentando lentamente de cada memória.
Não seremos aqui outra vez apenas um canção...

Tudo não passa de uma convincente ilusão,
Ciscos, irrelevâncias na eternidade.
Mas pagaremos por todos nossos pecados,
Um a um,
Até não haver mais pelo que errar,
Então despertaremos.

26 de nov. de 2017

Vem não


Eles falam de regar o jardim, cuidar da floração
Que as borboletas vem.
Vem não!
Vem não que a mão já está cheia de calo,
O coração cheio de espinho,
A alma queimada do sol a pino,
E vem não.
O tanto de flor que nasce e morre nesse sertão,
E elas passam longe, as esperanças, as borboletas,
Passam longe.
Eu aceno, ajeito a roupa, ensaio um sorrio de carto de boca,
Mas nada vem, não.
Não espero mais, não,
Nem disfarço que essa minha fé é minguada
Como a força do pobre sem refeição.
Cansei.
Cansei dos demônios e dos santos com a sua salvação;
Cansei da beleza, da arte, da redenção;
Cansei do seu amor a conta gotas,
Do seu afeto racionado,
Do meu orgulho.
À merda essas flores sem perfume!
Esse silêncio falso, abafado.
Nada virá, não.
Mas ir, tudo vai que é uma beleza.
Cansei.
Não quero mais o seu perdão,
A santa remissão dos meus pecados,
A sagrada comunhão.
Cansei, quero mais não.
Como posso dizer de uma maneira educada
Vá às putas que pariram?
Assim tu aprende a ser forte, a ser honesto,
Vai que...
Porque essa vidinha branca de comercial de margarina
Também não cabe pra mim, não.
Essa hora certa pra dizer sim, pra dizer não.
Deixe ao menos a porra da minha dor ser livre do seu sistema podre!
Cansei.
Quero mais deitar sementes à terra, não.
Cultivar, regar, acariciar, esperar.
Não, posso mais não.
Porque a boca fechada esconde um grito que me estripa por dentro.
Mas ninguém vê, não.
Amanhã começa de novo, o lento rastejar das cobras;
Reis, rainhas e peões nos seus devidos lugares;
Ai! Ai de quem tentar cruzar a linha!
Ai de quem não fingir sanidade.
Cansei, não semeio mais.
Cansei, posso mais não.



25 de nov. de 2017

Lindas aberrações


Volto às palavras como um cachorro vadio
Volta ao chão sujo do boteco
Onde mesmo pisado e enxotado
Tantas e tantas vezes
Se sente realmente em casa.

Também sou uma dessas criaturas renegadas,
Que se arrastam pelas margens úmidas, sem alarde.
Que muitas vezes conseguem ver a beleza no caos.
E preciso que saiba que o meu e o seu perdão já são sem valor,
Só precisamos de um pouco de atenção para nossos sentimentos agora.

Eles falam dos fim dos tempos mais uma vez...
Como falavam antes desses tempos de agora.
O mundo nunca teve jeito mesmo...
Mas Deus não vai dizimar esse canto nada especial
Repleto de lindas aberrações. Durma em paz.

E todas essas nossas tentativas, tantas tentativas,
Devem contar para alguma coisa
Quando o Manto de Maria finalmente nos cobrir com o sono da morte.
Em toda minha asquerosidade e insignificância eu aprendi:
O melhor caminho, o único caminho que nos resta, ainda é o amor.

23 de nov. de 2017

27/11


"Toda destruição gera a criação",
Ela dizia.
E meu esforço era encontrar sentido
Em mais uma crueldade que a vida oferecia
Com ares de lição.
Há esses dias em que o peito cansado não entoa seus cânticos,
Suas súplicas;
E a memória exausta repousa como uma menina dócil
Após uma tarde toda de travessuras.

Ainda sinto saudade...
Mais que isso: ainda sinto amor.

Feito fosse um Neruda,
Nada em mim é extinto ou apagado.
O absoluto e quase impenetrável silêncio do peito
Não é sua sepultura como de fato parece ser.
Ainda estamos tão vivos!
O espírito, o sonho, a palavra.
Os sentimentos são livres,
E livres vão para tão além de mim.
Mas certo dia voltam,
E o peito os recebe aberto e em festa,
Nem se importando com o vazio que tanto o feriu
E que logo voltará a ferir.

4 de nov. de 2017

Eppure sentire


Ainda são aqueles mesmos céus de cobalto.
Ainda buscamos o alto esperando que as cores chovam,
Esperando que as saudades se dissolvam,
Que o pranto sorria de lábios amargos no final.

Mas é longa e silenciosa a inquebrável distância.
Do velho lar, ruínas jazen
Como miragens só tocadas na memória.
Tanto tempo... e ainda un senso di te.

Se ao menos a chuva caísse poderosa mais uma vez
E devolvesse o secular brilho das estrelas calmas
E a canção fosse esquecida finalmente,
Adormecendo a vontade, adornando a claridade...

São apenas pequenos e gentis sonhos,
Pontiagudas e reluzentes esperanças,
Nunca mais revividas outras vez, nunca mais.
E mesmo com tudo... mi sento ancora.

31 de out. de 2017

Terra rica


A palavra é esse par de asas frágil, fraco.
E esses centímetros que me coloca acima do solo,
Nem é um voo,
Mas só uma pequena rebeldia, uma inconformidade.

E tem horas que a alma é essa terra rica, fértil,
Em que se semeada, tudo floresce;
Mas tem horas que é chão tão agreste, tão quente,
Onde a vida só com muita teimosia e dificuldade vai pra cima.

O pequeno poeta disse pra que eu não confundisse
Saudade com vontade,
Mas não explicou a diferença.
E eu ainda penso que vontade é só uma saudade do futuro...

Eu sinto muito, sinto tanto, por agora e por depois,
Mas acho que está ficando tarde pros poemas de amor.
Mesmo o céu estando tão bonito como naqueles tempos
Mesmo o coração permanecendo aberto, como sempre esteve.

28 de out. de 2017

28/10


Todos aqueles momentos que pareciam um sonho, 
Eram mesmo.
Na manhã seguinte havia a algazarra dos pássaros 
E uma luz forte demais entrando pela janela.
Vivemos feito ilusionistas,
Fazendo pequenos truques com a vida
Para que ela se pareça mágica. 
Mas a sobriedade me assusta.
As pontuações perfeitas, os olhares firmes demais, as certezas.
Não houve em mim nada além de uma esperança gentil que sabia a hora de me dar trégua. 
Lá vai ela de novo, a esperança. 
Faz um drama... como se nunca fosse voltar.
Mas eu sei porque chora. 
Não são mesmos os braços a recebê-la.
É a vida, minha querida.
Se a gente aguentasse, sorriria outra vez como a primeira vez.
Mas tudo já é outro...
Até o silêncio.
Você ouve?

27 de out. de 2017

28/10



Mais dia, menos dia,
Vamos cansar dessa necessidade
De sermos manequins vazios por dentro,
Reluzentes por fora,
Tentando acertar a posição perfeita
Para chamar atenção,
Para convencer e vender nossa imagem.

De que serve esse caminho tão longo
Com pequenas paradas em espeluncas sujas,
Habitadas por palhaços malignos
E varridas por ventos quentes do norte?
Estamos em um círculo,
Não consegue ver?
Correndo loucamente para o nada outra vez...

Mas não longe daqui eu flutuava entre orações fervorosas
E perfumes de cinquentenárias árvores à beira da estrada.
A velha esperança muda de forma a cada estação.
Já não aponta qualquer caminho,
Apenas diz: vá. E eu vou.
Pois já é claro não haver o destino,
Apenas o infinito caminho.


18 de out. de 2017

18/10


As palavras que restavam jorrando de uma fonte quase seca e já esquecida não traçam um caminho de encontro, mas de fuga.
Poemas rasos e belezas pueris nutrem as raízes dos dias apenas o suficiente para que não desmoronem.
Passamos a ocultar de nós mesmos nossas singelas esperanças, quase envergonhados de desejar uma interrupção, uma trégua no pastoso funcionamento dessa máquina ruidosa e fétida que nos devora aos poucos.
Veja lá fora todas essas peças pré-fabricadas, semi-idênticas, estéreis, passivas, insossas. Todos nós. Fiéis para com a sina de não causar alarde, não falar muito alto, criar desconforto, estourar uma revolução definitiva.
Novos tempos antiquíssimos esses nossos.
Entendo que você não acredite que o homem foi à lua, mas acredite em uma Nova Ordem Mundial prestes a dominar o planeta. Entendo até os puros que tentam nos dobrar através do medo, adoçando o caos com raquíticas boas promessas de tempos menos crepusculares. Eu também durmo às vezes na minha cama de contradições. O que não entendo são essas batalhas explicitamente inúteis, obscenas, que nunca terão um vencedor. A fome e a sede. A saudade e a ignorância. Até Deus penso que entendo certo tanto. O que não entendo é o homem.

17 de out. de 2017

17/10


Desses farelos de beleza e esperança vamos nos nutrindo.
Vamos cuidando da manutenção dos músculos e da sanidade para dar cabo de cada dia após dia.
Os poemas sem destinatário vão para as gavetas da memória, até sumirem, dissolverem;
Os sonhos meninos de outrora parecem precocemente enrugados, com sorriso esguio de quem não quer assumir o cansaço. 
Hoje mesmo eu ainda disse: a gente é tanto pra só isso aqui!
E eu realmente acho a gente muito. Acho a gente grande demais. Mas temos que nos podar para os galhos não florescerem muito fora da caixa. Temos?
Elas sempre cantam que é sempre mais escuro antes da luz chegar.
Até gosto do escuro... aprendi a desviar dos possíveis monstros na sombra. A luz tem assustado. Cumprido seu papel de reveladora. Sei que não é ela o perigo, mas o que está por baixo dos véus que ela queima.
Eu fui à pique com aquele navio. Eu não me rendi. E o mundo abaixo da água era calmo e solitário. Você não estava lá e eu parei de ter alguns tipos de fé. Mas tudo bem nada estar completamente bem.
Porque eu insisto em dizer o que não faria falta em não ser dito é que ainda é um mistério. Todo resto me parece bem claro e óbvio.
Depois de vinte e seis anos o rio que separava o passado do futuro não parecia mais mágico. Parecia só água, água e nada mais. Sem os medos e expectativas, porque em algum momento a vida só vai indo com a gente sabe-se lá pra onde. Confesso que senti saudade do que não fui. Uma saudade que agora que começou parece que nunca mais vai acabar.

16 de out. de 2017

Belo


Estamos nos construindo e reconstruindo
Com pequenos passos além da linha proibida
Com versos rasos e delicados
Com esperanças que quase nunca
Duram após o nascer do sol

Mas nesses corações danificados
Brilham bilhões de galáxias
E se não somos Deuses
Não sei o que mais podemos ser

Nem sempre eles vão entender o rio em seus olhos
Nem sempre estarão ali para atender sua ligação
Mas ainda podemos sonhar que um dia
Estaremos totalmente seguros contemplando as estrelas

Uma vez mais iremos mergulhar as sementes na terra
Esperando o milagre do Belo surgir e nos aquecer
Porque nossos corações são constituídos de amor
E ele se regenera mesmo enquanto sangra...

11 de out. de 2017

Bons velhos tempos


Ninguém virá nos dizer que estes são nossos melhores dias.
Sempre jogam a esperança adiante demais,
Adiante onde nunca podemos de fato alcançar.
Ninguém veio nos dizer que aqueles eram nossos melhores dias.
O céu já pareceu brilhar com mais estrelas, eu sei
E você sabe, você estava lá.
Talvez depois que cruzarmos aquela grande ponte,
Alguma claridade refaça sua morada no meu cansado coração.
Eu quero ser bem sincero agora
Porque ainda somos aqueles meninos que corriam atrás de nuvens,
Ainda buscamos nossa Terra do Nunca,
Onde os sonhos não envelhecem,
Onde nós não curvamos nossos ombros de medo e cansaço.
Os anos passaram a conta gotas,
Mas já foram tantos anos...
Você diz não sentir nenhuma saudade,
Você diz que encontrou seu lugar no mundo,
Você diz que chegou ao topo,
E eu adotei um gato preguiçoso
E continuo uma folha amarelada flutuando no vento da tarde.
Deus, eu queria que os véus caísses, todos eles.
Que você, que eu, pudéssemos ver todas as cores desse espírito.
O que repousa tão quieto e tão fundo na carne?
Ninguém se importa, mas ainda há emoção o bastante,
Beleza o bastante,
Amor o bastante...
Por isso eu digo
Que hoje estamos vivendo nossos velhos bons tempos.

10 de out. de 2017

Retirante


Toda poesia virou retirante desse sertão.
Partiu sedenta e maltrapilha pelas veredas da vida em distopia,
Cambaleante, sôfrega,
Já sem força e vontade de olhar para trás.
O azul reluzente do céu, as cantigas que faziam sorrir;
Já nem sabe se tudo foi miragem ou se o correr faminto do dias
Tirou foi a verdade de tudo.

Da boca dos noticiantes escorre sangue e esgoto.
Chorume tóxico da liberdade, da beleza e do amor em decomposição.
E se a poesia segue rumo ao litoral, rumo ao mar sem fim,
Te asseguro que nem é por fé,
É pelo sonho duro de morrer, a maldição que corre no seu sangre.
Há sempre um "e se" que a faz colocar um passo diante do outro...
Depois mais outro.

Os tolos é que são felizes, bem sabemos.
De olhos vendados parecem nem sentir sua carne
Sendo fatiada e devorada por vampiros e facínoras.
Com a chegada da luz, os demônios tem ensandecido,
Bradam vorazes, decretam, aniquilam,
Destroem tudo o que suas mãos pestilentas alcançam.
E nós, nós estamos fartos, cansados; já não podemos mais.

O caminho adiante é agreste e de se perder de vista.
Alguns vão meio acompanhados nessa sina,
A sina severina de todo homem,
Outros vão meio sozinhos, rezando baixinho por clemência,
Clemência que parece que se perdeu nessas lonjuras,
Por onde só um fio de esperança ainda ousa passar.

1 de out. de 2017

01/10


Aos poucos, também a saudade, até ela, vai se dissolvendo e se perdendo por entre os dedos.
A aridez dos dias torna quase impossível a conservação daquelas delicadas relíquias.
A poesia sempre foi a responsável por documentar a passagem dos dias, das estações, dos sentimentos, o que sempre cumpriu com boa vontade e pouca destreza.
São tempos estranhos, já o disse.
A chegada das Luzes antes de ser pacífica e delicada, tem sido severa; o que adormece nas sombras desperta a todo momento violentamente.
Mas aqueles velhos dias não eram mais valiosos que estes, não.
É que com olhos mais jovens é mais fácil ser tolo, e os tolos é que são felizes.
A gente aqui já não sabe se teme a própria fraqueza ou a própria capacidade, se teme viver numa atmosfera de sonho ou aceitar que já não se enxerga mais nada além do estritamente real.
O coração ainda pulsa forte, a alma reponde aos reflexos, mas algo me diz que esse excesso de lucidez ainda vai nos levar à loucura...

18 de set. de 2017

18/09


Em algumas tardes eu ainda enviava mensagens ao universo na vaga esperança de que, viajando por um fluído cósmico que conecta todas as coisas, aqueles velhos e bons sentimentos adentrassem no seu morno coração.
Naqueles dias o paraíso era um lugar na Terra. E estivessem nossos pés sobre as areias humildes do meu lugar onde nada nunca acontece ou sobre as suntuosas passarelas sobre a sua arrogante cidade, havia a mesma fé e a mesma esperança em um tolo e tão frágil amor.
Você me deixaria acreditar que aqueles nossos jovens eus ainda dançam e cantam nossas queridas canções em um lugar que o tempo não irá levar; que lá para sempre poderei encontrar o anjo de olhos celestes e sorriso meigo pensando em formas de tornar o mundo mais belo?
Eu sei que não...
Tudo o que havia para ser deixado, já o foi.
O que resta é o mesmo adeus e a mesma derrota girando em um vórtice inquebrável.
Ainda ecoam as últimas palavras e a primeira oração junto daquela mesma sensação de queda livre sem nunca atingir o chão.
Ainda não desistiu da vida aquele sentimento único e falho... prostrado aos pés de um anjo frio que nunca mais olhou para baixo.

8 de set. de 2017

Suave desespero


Ainda tínhamos o espírito jovem o suficiente para pequenas esperanças infundadas.
Ainda havia algum otimismo escondido nas entrelinhas dos nossos versos e sorrisos entristecidos.
Em um instante éramos tão pouco, perto de nada, e no outro estávamos tocando a face de Deus e éramos aquele próprio Deus também.
Vê?
Em algum momento precisaríamos mesmo fingir que nada fazia muita falta, que todas as memórias mais cintilantes foram para algum canto escuro da prateleira, mesmo quando tudo estava tão vivo, tão aqui.
Espero poder levar outras vezes alguma mão ao meu coração quando ele estiver em chamas.
Você me relembrava minha divindade...
Havia algo de santo, não de mau, naquele suave desespero. Mas em se tratando de nós, a Terra parecia plana e infinita, poderia haver sempre mais distância a acrescentar às distâncias.
Aos poucos todas as preciosas ilusões vão perdendo seu valor.
Tudo é tão relativo...
No fundo havia algo mais valioso e imperecível.
No fundo, nunca foi sobre encontrar você,
Foi sobre me encontrar.

31 de ago. de 2017

Assombrações de Agosto



Os últimos ventos da última tarde de agosto varreram as ruas sonolentas, empoeiradas. Levaram pro horizonte uma plúmbea cortina morna, deixando a cidade brilhante à luz do sol prestes a ser poente.
Era dessas cada vez mais raras tardes que se fazem saudade e poesia. Uma saudade às avessas, do futuro, inconstante demais para ser esperança. E a poesia é órfã, sem colo e destino, jorrando poucas palavras feito chamas peito acima, que logo mergulham eternamente num frio mar de esquecimento...

30 de ago. de 2017

30/08



Abríamos nossas almas e corações ávidos e ansiosos, como se fossem bonitas caixas de presentes, e o que encontrávamos, oferecíamos... Que tempos aqueles em que éramos jovens o bastante para acreditar que o amor não adoece com os mais variados tipos de distância.
Um dia as memórias também serão levadas? Levadas como o aroma sutil demais das adoecidas orquídeas, lavadas como os telhados velhos cobertos da fuligem de sonhos aos poucos incinerados... 
Em alguns dias as ruas voltam a ser desertas, o mundo volta a não dar voltas e eu tento lembrar das palavras daquela canção proibida. Em alguns dias há uma certa batalha para não sentir o gosto daquele amor pelo que restou, porque o que restou foi a dor.
Parece não haver mais a quem abrir as caixas de presentes... Faz muito calor para aquele sueter levemente perfumado, para o cachecol branco, para sorrir aos ipês amarelos.
Faz muito silêncio para continuar atuando no teatro da esperança.
Já faz tanto... tanto tempo.

27 de ago. de 2017

Fim de agosto


São as florações brancas dos ipês que anunciam o fim de agosto.
Todas essas pequenas tragédias que vamos superando, todas essas pequenas alegrias que vamos vivendo e esquecendo, todas as palavras que continuam jorrando de uma fonte imaculada... Há um propósito.
Ninguém se aproxima e nós não iremos mais nos cansar tentando fazer sentindo, tentando não nos chocarmos com as paredes do molde.
De alguma forma nós estamos amando, em silêncio, solitários.
Insistindo, insistindo, caindo, se ferindo, resistindo.
Eles dirão que nosso melhor é o que não podemos alcançar, eu digo que já estamos prontos para voar. Nada nos segura além da paixão dos nossos pés pelo chão, como raízes e solo.
Não é preciso que me diga como os cortes doem, como é triste extirpar os galhos ainda repletos de flor numa manhã de domingo, mas é preciso, é preciso.
Ainda que um tanto atrapalhada, aquela velha voz interna é uma das poucas verdadeiras amigas, aquela que nunca irá partir.
Tudo bem gastarmos nosso tempo com memórias e com sonhos...
Eu sinto que para alguém o mundo é mais bonito porque nós existimos.

26 de ago. de 2017

Incompletude

Talvez você ainda se lembre de quando éramos crianças capazes de fazer coisas mágicas. A cidade já teve outra cor, outros sabores e luzes opacas. O coração ainda é o mesmo. Ele para sempre será.
Eu sei que somos ainda tão puros quanto quando despertamos pela primeira vez nas mãos de Deus.
Nós já achamos o caminho e acho que essas tantas hesitações não são um pecado tão grande.
São tempos fodidos. É muita gente perdida pra pouca esperança. Então a gente tem que se unir. Tomar um café no jardim. Contar as vitórias que vieram após as derrotas. Saber onde encontrar um abraço sincero.
Alguma coisa sempre vai estar por fazer, sempre estará em falta. Algum ponto a ser ajustado. Alguma frase a ser aperfeiçoada. Alguma fresta a ser preenchida.
Nós somos incompletude.
Buscamos calor em belos olhos que nunca nos verão da mesma forma, buscamos formas que nunca serão reais. Uma ininterrupta corrida em círculo para nenhum lugar... Mas já vemos o confuso sentido oculto em tudo isso.
Agora, o que precisa partir e o que precisa permanecer?
O que o tempo já está transportando para as Ilhas das Memórias?
Que palavras tocarão algum coração e que silêncios serão necessários?
Apesar disso, eu estarei aqui. Nós estaremos aqui.
Há tanto para saber...
Mas às vezes acho que de todos aqueles anjos, ainda somos os mais bonitos.

25 de ago. de 2017

Anjos e tempestades



Há uma grande chance de que para sempre os sonhos sejam repletos de anjos e tempestades. Algo do que nos é ancestral, algo que flui pelos átomos do espírito, é inalterável.
Jazem pacíficas em certas madrugadas as memórias dos tempos santos e dos tempos profanos. Não éramos nós. Era nossa carne, a epiderme, a fome e a ânsia. Porque como uma jóia indestrutível, o âmago reluz e é inabalado.
Somos luzes. E a esperança em meio a esse caos triste e desenfreado que nos consome prova isso. Amamos, regamos jardins, dizemos "isso também vai passar".
Às vezes acho que entendo o amor de Deus por nós, um pouco.
A vida é tão bonita!
E quando os véus da ignorância e do ódio se rasgam, é fácil lembrar que também somos Deuses.
O silêncio lá fora abençoa o sono dos santos e dos demônios. Algo de sagrado reside nesse solo repleto de sonhos em escombros e em construção.
Amanhã é dia de música e luzes na pracinha, e juntando esses pequenos milagres a gente vai vendo que timidamente pelas festas de alegria a verdadeira vida vai emergindo.
A poesia das almas resiste emanando amor em todas as direções.
Basta um peito aberto o jardim há de ora ou outra florescer.
Onde quem quer esteja, quem quer que seja, estou te emitindo um pouco do que guardo de amor nesta noite.

21 de ago. de 2017

Ancestral


As manhãs ainda são plenas de ventos frios. Mas depois, depois daquela manhã de agosto em que com duas palavras você extinguiu a claridade, essas manhãs se tornaram um tanto disformes, míticas, preenchidas por sussurros mudos de saudade.
De alguma forma o que restou de você sempre será a memória antepassada a vagar calma pelos largos salões vazios da alma. Mas não vá embora... Fique para ver pelas janelas o fim de inverno levando as folhas dos ipês que um dia nos apadrinharam. 
Aquele galho partido que em um fevereiro floriu já não existe mais...
Você via alguma beleza na quase infantil forma que eu tinha de ser assustado e corajoso simultaneamente. Via alguma graça nas minhas esperanças meio desesperadas.
Depois daquele dias quietos, há sempre uma nova despedida. Poemas e prosas começam com um adeus, adeuses, ah Deus...
Mas fagulhas daqueles tempos mais dourados ainda espocam logo abaixo das nuvens. Em certas tardes pode-se ver meus olhos irradiando parca claridade.
Nos intervalos dessa ópera infausta da existência, quando mentes e tímpanos são agraciados com uma trégua, doces e quase nocivas utopias bailam no horizonte onde se perdem as vistas.
Eu sei que é uma heresia com a razão praticar rituais em louvor àqueles atemporais dias felizes. Peço perdão, mas com pouca convicção do meu pecado. Talvez não finde o tempo em que eu precise roubar um pouco de calor daquelas belezas ancestrais.
Algo do que fomos se protege da boca faminta do tempo.
Vez ou outra lembraremos em silêncio do amável descuido do destino em entrelaçar tão amavelmente nossos corações tão distantes. Novamente, para sempre apartados.

19 de ago. de 2017

Primeiro passo


Uma rachadura, uma fresta, uma janela, uma porta, depois nenhuma parede;
Uma faísca, uma fagulha, um lume, uma claridade, depois a luz do sol;
Um sorriso, uma lágrima de olhos emocionados, um suspiro mais profundo;
Uma memória, um aroma, um reencontro, e depois um morno abraço...
Me desculpe por ter esquecido do que a doce moça disse: o amor é paciente, o amor é gentil.
Quase me enganei buscando no além-mar o que não existe do além-mim.
Aceita o lugar vazio ao meu lado para que eu diga como o mundo ainda tem um sorriso encantador às vezes, mesmo que tímido.
Nós estamos crescendo, então é normal que sintamos medo.
Lembra naqueles dias jovens? Éramos tão seguros e fortes, protegidos por nossa pureza, sonhos e imaginação.
Nossos antigos heróis já se despediram carinhosamente há tanto...
Mas ainda podemos mostrar que somos livres. Que não precisamos do quarto escuro onde a luz não entra.
O próprio universo reside dentro de nós porque nós somos uma partícula do amor, uma partícula de incalculável valor.
Quando quer que você possa vir, meus braços estarão abertos e meus olhos exalarão esperanças.
Para isso somos feitos, para dar o primeiro passo...
E o primeiro passo já é chegar.

13 de ago. de 2017

13/08


O que os anos fazem às vezes é nos levar embora os milagres.
Tragados pelas guerras, por seus números, pelas marchas dos insanos, pela ignorância e pelo silêncio, a gente se esquece dos pequenos clarões gloriosos que adornam os dias...
No fundo do quintal se pode colher jabuticabas das mais doces e nem agosto levou todas as flores da primavera;
No fim da tarde, o vento seco cobriu a cidade de poeira e poesia e havia uma rua vazia de onde se via o sol se pondo rente às árvores;
A jovem noite morna derramou águas brandas e perfumadas na terra cansada.
Todos os dons ainda pulsam, ainda vibram, ainda brilham como ferramentas novas, e não é tristeza o que se achega ao fundo do peito, é vontade, é contrário da saudade, é a espera.
Todos aquele dias belos e mornos são enfim inofensivos, cristalizados como relíquias sagradas, residentes eternas da alma para que esta se lembre do puro e imaculado sabor da vida.
Nada é extinto ou esquecido,
Mas há mais caminho adiante do que o atravessado,
Sempre haverá.


12 de ago. de 2017

Before sunset


Faltariam palavras tão doces quando o aroma da noite que nascia.
Faltariam imagens tão belas quanto o crepúsculo lilás adornado de pássaros negros.
Preciso que saiba que o coração ainda está repleto daquele sagrado combustível, e talvez ainda uma única faísca possa ser a ignição para toda aquela claridade que achamos ter perdido lá atrás.
Todas essas almas tão bonitas em suas essências ainda irão se encontrar. A ausência plena é momentânea. Há de ser.
Alguma força deve estar regendo essa apaixonante e insana orquestra.
A memória não irá trazer souvenirs desagradáveis às nossas mãos nesta noite. Não inundará nossos lábios do fel da saudade desta vez.
Aquela antiga canção é um delicado presente aos nossos sentidos cansados, não um insulto.
Tudo irá ficar bem. Tudo irá ficar bem...

8 de ago. de 2017

É sempre agosto


Ao retornar o eterno agosto, já não havia mais saudades.
Mesmo que breve, o tempo agiu rígido e preciso em seus golpes.
Não soou necessária a repetição de mais nenhum adeus.
As expectativas despencaram todas, como as folhas vermelhas e cansadas no fim do inverno.
Aquele verde sereno e esperançoso, docilmente fugiu dos campos e dos olhos.
As águas não caem...
E o azul seco do céu já não conserva nada do reflexo daquele inesquecido olhar.
Aquele que você acreditou amar na temporada chuvosa, ainda sobrevive em algum lugar, por algum motivo. Mas não parece tardar a vinda do dia em que o coração não ouvirá mais a melodia meiga da tarde cinza e morna.
Queria que estivesse aqui...
Que não ao meu lado, ao menos dentro de mim.
Há alguns meses, após um solene pedido, a dor, tudo o que restava de tempos gloriosos, saiu do palco principal; jaz como uma humilde e quieta figurante num espetáculo confuso.
Eram menos complexos e menos pálidos os tempos em que o amor banido redigia os roteiros.
Agora as mãos e a pele fervem, mas a alma geme de frio, invisível.
É essa a percepção de não mais existir em nenhuma memória, em nenhum álbum de recordações esquecido na prateleira. De não mais possuir o encanto necessário no olhar para adornar de flores toda a aridez e obviedade que se tornou a realidade.
O que agora além do silêncio e da ausência irá preencher o que foi e o que virá a ser?
Não há um você e, aos poucos, vai-se deixando de haver um eu.
Já distante reside a opaca manhã de agosto em que a luz se despediu.
Mas agosto permanece.
De novo e ainda...
Sempre é agosto.

30 de jul. de 2017

Água sob a ponte



É nítida a impressão ou a certeza de que nenhuma nova fotografia substituirá aquelas apagadas, que congelavam no aroma do tempo um tempo mais doce que este.
Para onde foram seus sonhos? Em que areias, em que mares, em que amanheceres você abre seu sorriso agora?
Em braços mais macios repousa sua paz, eu sei. Éramos tão jovens e tolos... Desconfio que sempre seremos.
Você deve se lembrar que agosto sempre me deixa menos carne e mais espírito. Eu me torno a pequena e velha cidade vazia, por onde os ventos e a poeira arrastam folhas secas e as flores amarelas dos ipês.
Nesses anos não imagina quantas novas teorias e certezas inúteis eu aprendi. Quantos olhares que se apagaram junto do por do sol. Quantos sentimentos extintos por si mesmos.
Sei que é ingratidão minha, mas me deixe ser também sentimental.
Alguns nascem para ser ponte, outras para as águas que rolam por baixo dela. Sempre próximos, nunca juntos.
Não seria gentil seu olhar condescendente, mas sinto falta da sua delicadeza. Essa saudade me faz levemente sorrir.
Naquelas tardes em que eu parava o olhar no horizonte, como se meu coração fosse um grande e solitário vale, eu conseguia ver as luzes do mundo que cintilavam além dele.
Meus olhos abraçavam o presente e o futuro.
Talvez algo de mim ainda está como era, lá atrás, olhando com esperança para o que pode existir.

17 de jul. de 2017

Teia


Existe uma teia sagrada e inquebrável conectando todos os corações semelhantes. Quando um coração se acende, a claridade viaja pelos fios alcançando seus pares, indiferente ao tempo e ao espaço.
Nossa missão aqui talvez seja mais simples, menos pesada do que se apresenta: tecer mais fios.
Eu só preciso que você saiba que enquanto existem almas de gelo e dedos em chamas, tem uma moçada aí correndo pelo que é certo e o certo é tão grande, tão maior, tão delicado e tão perto.
Fazendo música com o olhar, perfumando a vida com palavras de amor.
O Messias disse: vocês são as porras de uns Deuses, cara!
Também quero a parte que me cabe nesse reino.
Por que chorar se não for de emoção?
Por que tanto medo de um reflexo que desaparecerá junto da última luz do sol?
É tolice não cair. É tolice ser uma fortaleza.
Num peito fechado as flores não brotam.
Sem calor, nada vinga.
A gente ainda está nas beiradas, jogando com versos sem rima e ritmo.
O coração ainda é o mesmo amador lá de trás.
Coração que não é profissional.
Coração que ama, ama mesmo sem saber amar.
A gente ainda está mordendo as bordas, a gente tem medo e timidez, mas olhe, a moça disse que a luz ainda está conosco e eu digo que a canção também está e o sangue e o suor e a lágrima e o sorriso.
Tudo se trata de estar aberto.
Vai ser preciso mergulhar dentro da própria carne e matar seus demônios com as próprias unhas e matar os demônios que dormem dentro desses demônios.
Porque existe um fio ligando todos os corações que são semelhantes e a coisa mais corajosa que você pode fazer, a coisa mais corajosa que você pode ser agora, é ser você.

14 de jul. de 2017

Ao reflexo


Ao revés do nada que se era e do nada que se tinha, o espírito costumava inflar com o vento brando e pacífico de julho. Todas as grandes necessidades e falsas miragens, sucumbiam perante uma grandeza intraduzível, desconhecida, que parecia residir planos acima desse andar térreo onde no máximo se pode apenas manter as narinas acima da linha do lamaçal.
Quando o espírito esbarra em seu reflexo nas copas das árvores, nas sombras movediças pelo solo, sentia-se por si mesmo um amor etéreo, quase intangível, acetinado, que logo se dissipava, mas que por sua genuinidade e pureza deixava por entre os dedos resquícios de bons aromas e boas memórias.
Preciso que você saiba que eu ainda vejo você. Que eu sei. Que eu sinto o homem e o menino, o serafim e o demônio, e a todos rendo as graças do meu amor, como a todos o vento acaricia.
Não é vergonhosa a valsa entre suas claridades e escuridões, são belas as faíscas que se desprendem do seu coração, e eu não esquecerei disso.
O que veem, se veem, o que sentem ou supõem, jã não deve ter peso.
Entenda eu, eu sim, verdadeiramente, amo você.

6 de jul. de 2017

Ainda faz bastante frio


É muito cedo para o charme das coisas em decadência. Para aquele ar de admiração e piedade que exalamos diante do que tentou muito ser, mas já não pode mais.
Mas é fato que algumas coisas precisam repousar no rol das desistências.
"Se a gente se repete, as coisas, mesmo as que pertencem à nossa própria fé, ou à nossa própria esperança, essas coisas começam a morrer... e como."
Ardente, intensa e estranhamente sóbria a dona desses sentimentos.
"Por isso não é possível dizer sempre as mesmas coisas, ainda que elas sejam tão importantes."
Ainda faz bastante frio... Dá um certo calor ouvir isso. Porque em uma atmosfera estupidamente complexa, sobrevive o poético na epiderme do que é plenamente banal.
Ainda faz bastante frio. O sol morno passando pelas copas das árvores desenha figuras abstratas e preguiçosas pelo pátio empoeirado. Alguém não distante queima as folhas deixadas na varanda pelo vento solitário da última noite. Isso é importante porque lá fora a vida é faminta, selvagem, mas aqui ela entoa cânticos mais simples. Esse cenário frágil cria uma ponte delicada para a já distante infância, quando ainda era possível rabiscar qualquer sonho na página branca que era a alma.
Não há como não guardar você, doce e incoerente deus dos olhos albinos. Será de você o epílogo belo de uma história ruim que já consumiu páginas demais.
"E continuaram..." Nem felizes, nem juntos, nem para sempre...
Mas continuaram, como todas as coisas são concebidas para continuar.
Não que o destino virá a passos largos trazendo milagres por entre os dedos, mas por um tempo seria de tom agradável dançar com ele sem tantos tropeços. Dois pra lá, dois pra cá. Calmamente.
Sobre a constante e aflitiva necessidade de fazer parte, isso será menos incômodo com o seguir da valsa, acredito.
Tolice dizer que tudo o que foi já não é mais. É. Mas já não será exatamente o mesmo, é o que o silêncio e a luminosidade das ruas me dizem. E junto a isso, também nós não seremos.

3 de jul. de 2017

...


Olhe, você está tentando de novo escrever um novo conto de fadas nas costas da lápide onde foi enterrado o último final feliz.
É tão difícil entender que uma corrente não se parte adicionando mais elos a ela?
O mundo não está tremendamente esquisito, ou tremendamente insano, ou tremendamente perdido. Ele é. Então apenas pare de seguir o fluxo.
Não tente matar sua sede e sua fome com areia e veneno.
Não cairão sobre sua cabeça rosas brancas de luz. Deus, era só uma alegoria!
A teoria é sempre mais bonita, e mais insossa.
Mas alguma coisa ficou de tudo isso, não ficou?
 É inverno. Os ipês explodem mais cores neste ano do que em qualquer outro; e já se foram três anos... Eu sei que você não parou de contar.
É um bom tempo já, certo? É tempo suficiente.
Sem mais passagens de ida e volta compradas com antecedência. A beleza dos seus olhos está na verdade que eles começam a ver desnublados.
Algumas coisas são perenes: as lágrimas ao ser entoada a Ave Maria, a pequena e morna afeição que fica suspensa no ar por mais alguns instantes ao partir a mais recente ilusão.
O coração não é assim um animal tão mutante. Ainda bem.
Qual o próximo passo, não faço ideia. Apenas tente não quebrar as promessas ou a cara por um tempo, deve bastar.
Foi bonitinha, mas um tanto ingênua, a fantasia em que tentou esconder a esperança. "As mãos sempre entregam." Lembra?
É tarde, preciso desligar. Eu sei, eu sei. Você não entendeu nada.
Não era para entender.
Não faria diferença.
Boa noite.

29 de jun. de 2017

Janelas quebradas




Estes olhos de agora,
Insones, desalumiados,
Mostram pouco ou menos que nada
Da verdadeira alma
Da qual são as cansadas janelas.

Por trás destas vidraças sujas,
Embaçadas, quebradas,
Há um céu tão limpo,
Tão profundamente azul,
Onde podemos flutuar sem medo, sem direção.

Além da superfície,
Multiversos inatingidos, intocados.
Sonhos mágicos, leves e belos,
Onde somos jovens e livres.

Memórias e esquecimentos
Adornam um labirinto infinito,
Onde dançamos com os limites do tempo,

Livres de sombras e escuridões movediças.

28 de jun. de 2017

"Sleep on the floor"


Que tamanho de amor
Mereceria mais um aglomerado
Daqueles tolos versos cansados?

Que dores, que prazeres
Merecem um espaço
Nas esquecidas prateleiras da memória?

A beleza é tão fugaz, meu bem.
O peito ardente, os olhos de brilhos e chamas.
Tão breves...
Nada dura, nada persiste.

As ilusões são uma chuva pesada
Escorrendo pelos telhados, levando as flores dos ipês.
Sempre escorrendo embora...
Sempre sucumbindo ao sol nascente.



26 de jun. de 2017

Faça uma reverência


As palavras padecem
Como a luz cansada do sol
Todos os dias perece
Na linha tênue do horizonte
Sem deixar resquícios
Sem deixar saudade.

Talvez virão amanhã novas luzes
Novas palavras
Então não é tido por valioso
O sentimento que aos poucos parte
A voz que aos poucos se cala.

Anuncia-se um adeus sem espetáculo
Sem platéia ou palco
Já desce a grossa cortina
De puro silêncio.

Nenhum último bater de palmas
Apenas uma reverência solene
A adormecidos fantasmas.

Faz noite branda
A alma flutua calma.

A poesia sai de cena.

18 de jun. de 2017

Salvation


Algo diz que ainda não é tarde demais,
Mas as vozes nunca passam de vozes;
Fantasmas inofensivos
Em um corredor escuro e vazio,
Fazendo barulhos pela noite
Quando deixam velhas memórias caírem e se partirem.

É a esperança algo além
Dessa bela estátua,
Uma deusa mitológica,
Aos pés da qual deixamos nossas oferendas,
Nossas súplicas e angústias,
Nunca respondidas?

E se chegar a hora de partir,
A hora em que a chuva cair suave
E não mais se poder ouvir o canto amargo da ingratidão,
As malas estarão prontas,
O coração estará aberto,
Ou a chave estará passada na porta?

Para onde quer que a fé tenha ido dessa vez,
Espero que não seja para longe demais.
É passado o tempo da renovação
E o tempo das flores ainda tardará.
Se não partirmos agora,
Podemos nunca mais conseguir.

17 de jun. de 2017

Novo inverno


Sinto o vento forte passando por entre os galhos
Da adoecida árvore de memórias.
E embora seja belo o espetáculo
Das folhas sendo levadas ao céu e ao chão
Na tarde fria e cheia de silêncio do novo inverno,
Há essa tristeza impermutável
Em ver os pequenos pedaços desprendidos,
Entoando pequenas e ligeiras lamúrias
Por ninguém mais ouvidas.

Se há ainda alguma semente
Repousando com vida no solo gélido,
Não sabemos;
Se a primavera virá branda e bondosa,
Com aromas, amores e cores,
Tampouco.
Todas as verdades têm aspecto tão frágil,
Nós vemos como elas se decompõem
Acima das antigas certezas.

A quem podemos ainda enganar
Com esses assaltos de nostalgia
Que tentam refletir no espírito
Uma pureza nunca de fato possuída?
Inocência não é santidade.
Mas saiba que as mãos estarão abertas e mornas,
Ainda e sempre prontas.
Ao contrário dos olhos,
Elas não mentem.

6 de jun. de 2017

Instalação


Os fios desencapados
Em consonância com a tinta descascada
Mostrando o passado mal pintado
Na parede onde o reboco ruía:

Que confusa instalação é a alma.

Veja bem que corpo e o espírito
Divergem em suas utopias,
Distopias,
Epifanias.

Há essa batalha ancestral.

Sem heróis, sem vilões;
Mocinhos ou bandidos.
Sem cores gritantes,
Mas agora, tons pasteis.

Cores fundidas por frio e fogo.

O santo e o herege
Com a mesma mão levantam mesmo pão
E o levam à mesma boca;
Ora pura, ora profana.

As minhas e as suas verdades são relativas, sabe disso.

Adormecido o ego,
O reflexo do ser se torna mais nítido.
E toda fome que havia, ressurge,
Agora, sempre, cada vez mais.




25 de mai. de 2017

Caravaneiro


Ficou tarde demais para algum remorso.
As estrelas se escondem esta noite.
Não faz frio, não há saudade.
A canção precisa continuar sendo entoada
E nós dançaremos nas ruas vazias pela madrugada
Antes da vinda do sol, antes que o encanto se dissipe com o orvalho.

Você era um menino bonito,
Tinha olhos com brilho e poesia,
Eles dizem.
Tantas armaduras escondem aquela criatura dócil
Que agora caminha sozinha pelas velhas trilhas
Deixadas por caravanas de sonhos
Que nunca chegam a lugar algum.

Caravanas que nunca cessaram a luminosa busca
Pelo elixir da vida, pelo oásis que se desmancha às vistas.
Acima, o fogo do sol; abaixo, o fogo da terra.
Mas passam derramando sementes, mesmo com pouca fé,
Passam derramando sementes.
Talvez quando o caminho terminar, na volta, haja flores a regar.

14 de mai. de 2017

Último poema de amor


Farei para ti um oceano de palavras doces
Para que mergulhe fundo, de olhos abertos,
Sem medo.

Farei um caminho de palavras macias;
Pétalas da primavera que chegará;
Para que teus pés caminhem lentamente.

Farei das palavras teu fruto suculento,
Para te saciar, para te curar
De todo adeus, de toda ausência.

Farei das memórias palavras mornas,
Soltas à beira do fogo da noite;
Serão enfim as derrotas, vitórias.

Farei das últimas palavras de esperança,
O orvalho prestes a sucumbir ao sol nascente,
Um poema de amor.

9 de mai. de 2017

Leitor


Também gosto de ler.
Tudo diz alguma coisa e gosto de ouvir isso.
Às vezes passo tempos olhando o jardim
E alguém brinca se estou esperando que as flores cresçam.
Mas eu estou lendo, lendo a beleza dali.
Como leio a beleza dos corpos e das almas.
Não precisa de palavra pra se ter poesia,
Deus sabia disso. Ainda sabe, suponho.
E quando percebi,
Seguia a vida da mesma forma como lia
Aquele livro de poemas que parecia tão bom,
Mas nem era.
Eu corria ávido os olhos pelas linhas,
Vendo o resto do mundo embaçado, de esgueio,
Esperando alcançar um poema que eu sabia não estar ali,
(Normalmente os livros vêm com índices),
Mas a esperança age desde as coisas imensas até as ínfimas,
Quem sabe não estava com outro nome?
Não, não estará,
Mas continuo o livro meio bom, meio ruim,
Com fé.
Assim vai também a vida, repito,
Esperando a leitura de um poema, de um corpo, de uma alma, de um lugar
Que sei que não estará lá por mim,
Mas vou porque a fome pelo caminho é maior que o cansaço dos pés,
E de alguma forma eu já conheço
O poema, o corpo, a alma e o lugar
Tão desejados:
Estão em mim.

7 de mai. de 2017

Lar


Por onde seguia naquele momento,
O que era escombro e o que era construção?
Nas ruas ou na alma,
O que era esperança e o que era derrota?

Um sorriso só veio ao ver as crianças dançando.
Há uma realidade paralela entre futuro, passado e presente,
E por um tempo, enquanto puros, lá vivemos.
Quando se cresce, sabe-se que a canção uma hora termina.

Pelos cantos eu sentia a observação das memórias,
Com seus olhos vermelhos, hálito ainda quente.
E doeria esse cruzamento de olhar;
Mais certo seguir flutuando inconsciente pela noite vazia.

Nos sonhos, persiste, persiste
A busca infindável pelo saudoso e desconhecido lar;
Isso porque ainda não entendo, não sinto ou vejo:
Sou eu meu único e verdadeiro lar.

4 de mai. de 2017

04/05


Todos os dias a alma sangra em silêncio;
Por Samir, por Alex, por Dandara.
Se somos mesmo Deuses,
Onde está nossa Luz Divina?

Frágeis criaturas patéticas.
Debulhando-se em lágrimas
Frente às frias telas de vidro,
Mas estáticas, inúteis.

O Amor do qual inflamos canções e poemas,
Vale de algo diante da fome, da solidão, do desprezo?
Esses templos abarrotados de hipócritas,
Esperando recompensas mundanas e perecíveis...

Que fazemos de fato da nossa fé?
Palavras ao vento, escambeiros, crianças aduláveis.
As mentiras fluem como um rio caudaloso e poluído;
Cegos, cegos e contaminados, todos nós.

Meu coração dói. Nosso coração dói.
Os raquíticos milagres não sustentam essa horda desolada.
Mais nenhum herói, nenhum Amor.
A alegorias dissolveram-se todas...

Mas eu tive a esperança de receber aquele bom dia,
De salvar a pequena borboleta, que quase sem vida, se debatia.
Trouxe mudas para o jardim.
Chegamos ao limite, mas não ao fim.


2 de mai. de 2017

Poeira ao vento


A chuva ainda era o mais próximo que se podia chegar do céu.
Tinha também aquele olhar tímido demais diante do que viria,
A vez em que não queria estar em outro lugar do mundo,
Pois era seguro;
Na tela, A Bela e a Fera;
Em algum momento todos choram;
Nos filmes, nas memórias, no silêncio do último abraço.
Matilde repete todos os dias pra minha mente:
"Olha, a luz ainda está conosco."
E por luz, ora entendo esperança, ora entendo cegueira.
Já se foram trinta anos e tudo deveria estar dourado agora,
E está. Mas por uma casca fina do metal
Mais composto de prata e bronze de que ouro de fato.
Começa a descascar...
Toda gente sabe como odeio transições,
E começa descascar...
Ainda não vejo o interior, mas sei que o que brilha não é verdade.
Toda gente sabe que odeio transições,
E Deus me coloca no mundo quando o mundo é uma.
Ainda falo e falarei do amor como se ele estivesse aqui,
Como se ele existisse;
Como se ele existisse além desse desespero pela barganha.
Esperar reciprocidade é a forma poética de fazer uma ameaça.
A coisa foi por um caminho tão difuso que nem adeuses eu ouvia mais.
Tudo assim partia, e só.
A gente cresce e cessam as explicações.
Matilde estava certa:
A esta hora uma parte do mundo cria armas,
Outra metade tira o pó das flores.
E no meio disso há alguém profundamente acordado,
Um louco, certamente.
Estou acordado, mas não profundamente ao ponto da loucura.
Quando nada mais havia, havia a espera.
Agora não há.
Sairemos às ruas amanhã em busca de luzes e olhares,
Mas voltaremos os mesmos, sem luzes, sem olhares.
É um mérito dos eleitos viver o que realmente toca?
Nunca acreditei em eleitos... puta bobagem.
Somos todos pó aqui.
Poeira ao vento, lembra da canção?
Sem pouso, sem porto, sem lar.
Viajores.
E toda gente sabe, odeio transições.

28 de abr. de 2017

30/04


Não há mais qualquer encanto
Nas ruínas deixadas
Por anjos displicentes.
Tudo se torna tão sóbrio e cristalino por fim.

E há mais mistério e beleza
Nas flores roxas da árvore atrás da parede,
Que nas amáveis e bem disfarçadas palavras.
A ausência está me deixando...

É abril, mas faz frio.
A semana teve o peso imensurável
Das lágrimas que ficaram presas nos olhos.
Por qual adeus deveria perder o sono desta vez?

Talvez fosse certo não carregar já tanto cansaço e silêncio,
E estar lá fora lutando juntos aos outros apunhalados.
Mas precisava velar por minhas flores,
Pelos meus restos sagrados.

Quando finalmente alguma lágrima escorreu,
Foi por ainda ver amor no peito surrado,
Morno e magro,
Mas, glórias, não mais por outra lunática alegoria.

Seria o princípio do fim?
Se sim, talvez o fim seja algo de generoso:
Leva embora a necessidade
De outros dedos entre os meus dedos.

Nos sonhos, quem vinha ao grito de socorro
Já não trajava grande beleza e forte armadura:
Era apenas eu mesmo, nem tão grande, ou tão pequeno.
Apenas vinha simples, sorrindo...

27 de abr. de 2017

27/04


Quando faz muito silêncio
Eu posso ouvir meu próprio coração.
Um som quente,
Que me dá alívio e certo desespero.

A vida insiste.
E o insistir pode ser uma das coisas mais bonitas.
E certamente
Nada é mais triste que o silêncio no peito.

Certa vez, me lembro,
Ele batia tão forte que outro peito o sentia.
Mesmo dali, preso por ossos e carne,
Sua dança era notada.

Quantos murros já levou, não me importa.
Quando a vida tenta dele partir,
É assim que a chamam de volta.
Por isso eu entendo o que em você dói.

O psicanalista disse que somos o produto do meio.
Ele não deve estar errado, quem sabe.
Mas talvez sejamos mais o que fazemos desse produto.
Amanhã o país irá parar, mas nós ainda falaremos do amor.

25 de abr. de 2017

Reboot


Quando a esperança me tomou o braço,
Me levando sorrindo, cantando,
Num dia de domingo cheio de sol
Não havia razão de olhar para trás,
Pensar do dia da volta e do adeus.
A vida é mesmo uma bobagem, uma irrelevância,
Para questionar a verdade
Que se apresenta a princípio
E que desaparece ao término.

A história muda os personagens,
Os efeitos especiais,
O gosto,
Os cenários,
Um reboot bem feito
Que será idêntico em sua essência
Às versões anteriores,
E anteriores,
E anteriores...

Ao abrir a porta novamente
Depois da indiferença plena e previsível,
Os móveis estavam no mesmo lugar.
Os porta-retratos,
A pequena caixa de papelão
Com a arrogante missão de ser um relicário.
Mas algo não era o mesmo.
Escondido entre os paraíso e o inferno
Em que sempre faz morado o coração,
Algo havia partido.

E era eu indo sozinho por uma estrada,
Nem mais bela nem menos bela que outras,
Mas sozinho.
Fazendo do caminho o próprio destino.
Que tolice seria sentir alguma saudade:
O que não foi uma mentira,
Foi uma trégua,
E tudo se finda.
Todas aquelas promessas e instantes,
O que além de pequenos sonhos
Que em alguma manhã fugirão para sempre da memória?

23 de abr. de 2017

24/04



O que restou é o brilho fraco de luzes perecíveis.
Em todo milagre se esconde um adeus.
Em toda mágica, um preço.

E o silêncio é o único a não partir.
Até as memórias irão,
Por mais profundas, por mais belas.

Era frio e a lua nos olhava.
Era seguro, morno, terno.
E frágil, como flores esquecidas.

Não faria sentido encerrar o ciclo.
Dizer adeus com dignidade.
Todo fim é o mesmo fim.

Traga um dia à tona
Aquela beleza que tentou vestir.
Não duvido que ela exista.

E da dor, que fique a lição,
Mais que o pesar.
O amor existe. Só não aqui.

16 de abr. de 2017

16/04


Outro perfume a ser lavado dos lençóis.
Outra imagem a ser raspada das paredes do peito.
É tarde demais para não correr mais o risco.
A canção triste já começou a tocar.

As nuvens desceram pesadas no trigésimo ano,
Mas não desaguaram, apenas observaram
Nosso desespero e despreparo
Em face das fragilidades dessa dura jornada sem fim.

Mais uma página à antologia de adeuses.
Mais uma alma a ser resgatada da névoa tóxica.
Mais uma batalha não finalizada.
É melhor não definirmos vítimas e algozes.

Dizia ser tão grande a luz,
Mas ela não clareou o bastante.
É verdade que os anjos não desistem?
Espero que sim.