26 de nov. de 2017

Vem não


Eles falam de regar o jardim, cuidar da floração
Que as borboletas vem.
Vem não!
Vem não que a mão já está cheia de calo,
O coração cheio de espinho,
A alma queimada do sol a pino,
E vem não.
O tanto de flor que nasce e morre nesse sertão,
E elas passam longe, as esperanças, as borboletas,
Passam longe.
Eu aceno, ajeito a roupa, ensaio um sorrio de carto de boca,
Mas nada vem, não.
Não espero mais, não,
Nem disfarço que essa minha fé é minguada
Como a força do pobre sem refeição.
Cansei.
Cansei dos demônios e dos santos com a sua salvação;
Cansei da beleza, da arte, da redenção;
Cansei do seu amor a conta gotas,
Do seu afeto racionado,
Do meu orgulho.
À merda essas flores sem perfume!
Esse silêncio falso, abafado.
Nada virá, não.
Mas ir, tudo vai que é uma beleza.
Cansei.
Não quero mais o seu perdão,
A santa remissão dos meus pecados,
A sagrada comunhão.
Cansei, quero mais não.
Como posso dizer de uma maneira educada
Vá às putas que pariram?
Assim tu aprende a ser forte, a ser honesto,
Vai que...
Porque essa vidinha branca de comercial de margarina
Também não cabe pra mim, não.
Essa hora certa pra dizer sim, pra dizer não.
Deixe ao menos a porra da minha dor ser livre do seu sistema podre!
Cansei.
Quero mais deitar sementes à terra, não.
Cultivar, regar, acariciar, esperar.
Não, posso mais não.
Porque a boca fechada esconde um grito que me estripa por dentro.
Mas ninguém vê, não.
Amanhã começa de novo, o lento rastejar das cobras;
Reis, rainhas e peões nos seus devidos lugares;
Ai! Ai de quem tentar cruzar a linha!
Ai de quem não fingir sanidade.
Cansei, não semeio mais.
Cansei, posso mais não.