31 de jul. de 2014

Aos anjos


Peço aos anjos que despertem do sono que antes lhes permiti.
Rogo o vento de suas asas para atiçar o fogo frágil da minha fé.
Que ela reviva. Que ela reviva...
Pois passo pelas ruas a flutuar, quase sem vida,
mais sendo levado pelo caminho do que indo por ele.
De olhos estáticos, quase cegos,
deixando para traz clamores e esperanças para os quais sempre retorno.

Minha natureza torna-se a natureza ao redor,
minhas folhas caem e apodrecem e alimentam novas folhas.
Um ciclo doloroso de sobrevivência.

Os sentimentos, que deveriam trajar calmaria,
revolvem-se como as ondas tenebrosas dos mares que nunca conheci.
Os mares dos quais apenas imagino a imensidão;
O vazio acima, o infinito da criação abaixo.

Peço em tom mais alto que os anjos despertem!
Que ouçam a voz rouca do meu olhar sem brilho.
Que socorram corações que se liquefazem. 
Que me ajudem a calar minha voz, 
controlar as palavras que despencam em excessos, como cachoeiras.
Mas os anjos permanecem imóveis, embora eu os perceba aqui.
E duas lágrimas caem, num misto de conforto e desespero.

Reconheço que vejo apenas o que sinto,
Limitado sou, como qualquer outro vivente.
Vejo como sinto e talvez não como de fato é.
Vejo meu medo, meu desejo, minha saudade...
Vejo o que é próprio de mim,
Enquanto não vejo aquilo que não é, mas tanto amo.

Lírio da paz


Em meio às tempestades, com ventos ferozes
uivando nas árvores e cabos elétricos;
Em meio aos pesadelos em que eu, já velho,
me escondia embaixo da cama como qualquer criança;
Em meio às sementes que teimam em não germinar,
ele veio: um pequeno lírio da paz.

A coisa que pensei quando o coloquei naquele canto foi:
Quando o amor passar pela porta, será a primeira coisa que ele verá.
E talvez o coração do amor se alegre em ver aquela pequena beleza humilde.
Mas agora o observo com olhos marejados...
Talvez o amor não o veja.

Talvez apenas eu possa ver e dar importância àquelas flores.
E eu toco o lírio e cuido do lírio como se cuidasse um pouco do amor.
Ignorando as paredes sujas da minha alma,
Ignorando os estrondos que os fantasmas emitem de dentro dessas paredes,
Ignorando que a vida e o universo persistem além do sonho e do verso.

Mentimos tão bem quando dizemos não querer nada do amor.
Fingimos tão bem que não somos mais espíritos enlameados,
apenas rastejando rumo à angelitude.
Do amor queremos o amor.
Queremos que ele nos absorva em seu âmago,
Nos envolva como a terra envolve a semente.

Mas não mentimos quando dizemos que o amor é forte.
Forte como o Jardim que persiste vivo após a tempestade.
Forte como meu apreço pelo pequeno e doce lírio, que ali,
imóvel e silencioso, me obriga a entender como a esperança
e a vida
trabalham em seu tempo, e não no do meu coração.

30 de jul. de 2014


Peço abraço à lágrima que não cai dos olhos,
como uma angústia sem remédio descoberto.
Peço abraço à bondosa velha cabocla, 
doutora da vida e dos ventos.
Peço abraço à poesia, que, como mãe,
acolhe seu filho repleto de medos e deformidades.

Peço colo ao sol, que veleja calmo na tarde morna,
que acolhe a alma frígida, dolorida.
Peço colo ao silêncio, que fere, mas também alivia.
Peço calma à memória, minha menina que chora.

Há tantos dias sendo poeira,
repousando sem escolha sobre diamantes e esperanças apodrecidas.
Um pó fino, suave manto sobre os telhados e laranjeiras.
Se não houvesse em mim o que sobrevivesse à carne eu não sentiria tanto;
nem a dor, nem o desejo, nem tanta saudade.

Mas calo o sofrer da minha alma diante de maiores sofreres.
Ainda há o sonho, em que os anjos, doces amigos, destroem medos e quilômetros.
Como antes e sempre, não sei onde pousar meus passos.
Meus pés, pouco usados, acostumados a levitarem ao bater das asas, 
sangram aos pedregulhos do chão.
E enquanto acaricio o que já são feridas, tento compreender a diferença entre nós e laços.

Seguro as lágrimas, como botões ainda despreparados para exposição de suas cores.
Seguro o peito frágil, carente do único abraço consolador.
E nesses dias de profunda escuridão, esforço-me para amar corretamente.
É assim, depois de rastejar nos pântanos e por fim conhecer a beleza dos bosques, é difícil não se acostumar aos milagres.

E nós, os sem-ambição, somos os piores ambiciosos.
Queremos a verdade, queremos a paz, queremos o amor e a luz.
Logo aqui, num mundo onde tudo parece mal colocado, desencaixado, fora do lugar.
Nós, loucos, sonhadores, marginais, poetas, amantes, deserdados, filhos-pródigos.
Nós, os ridicularizados, que acreditamos que também somos parte do paraíso. 

Você é poesia


Quando te encontrei, encontre foi a poesia.
Ali, suave e macia, de olhos azuis...
Sorria o sorriso mais belo, a poesia.
E eu te amei desde os primórdios,
pois desde os primórdios amei a poesia.
E eu te desejei desde muito antigamente,
pois desde muito antigamente desejei poder respirar o belo.

E meus olhos deslumbrados quase não viram que a poesia é viva,
e sente, e sofre.
Assim como as flores que murcham e as pedras que se tornam migalhas;
a poesia de carne sangra, e chora, e vê tristonha o céu poluído da noite sem luzes naturais.
Os sons poderosos e as palavras todas curam tão pouco...

Os ipês já iniciaram seus epitáfios:
Rosados, amarelados, branqueados.
Tento dizer a todos eles que não sofram, não.
A morte não virá.
O frio do inverno é só maldade do sol que não quer estar próximo.

Haverá primavera e estes dedos tão secos e fracos
permanecerão com as mãos na terra, como desde sempre.
E tentarei acreditar que cada semente simples germinada
é uma pequena esperança que retorna ao coração dolorido.

Que, sutilmente, essas esperanças possam serrar as correntes
que nos atam ao desespero.
Em tempos sombrios o que resta é continuar a semear.
Talvez com o desabrochar das flores a poesia volte a sorrir.

Volte a sorrir aquele sorriso que tanta falta faz à minha alma.

29 de jul. de 2014

Crescer dói


Há quanto não te falo da beleza da noite?
Diante da tamanha escuridão dos tempos
até parece que as estrelas não estão mais lá.
Mas estão, como um carinho de Deus aos olhos dos homens,
Carentes, famintos do que é belo.

Já sei que a esperança não jorra das palavras
como a água jorra de um buraco no chão no meio do agreste.
E se não basta cruzar os braços, tampouco bem-vindo é o desespero.
Vamos cavando, lentamente, até que a vida volte a florescer.

Crescer dói.
Dói porque temos de remover a casca grossa que envolve a alma.
Temos de deixar tradições, condições, filosofias, ilusões.
Tudo aquilo que foi abrigo, torna-se prisão.
Livrar-se do seguro é crescer. 

Como então não rogar pelo amor?
Como não ver nele o farol abençoado em meio a esse oceano absurdo de ilusões?
Algo precisa permanecer firme e eterno, 
algo precisa permanecer visível quando a noite e até os dias são escuros demais.

Pedem-me lógica e coerência;
todos absorvidos por um cotidiano que zomba de nós e zomba de si mesmo.
Não me peçam nada, por favor.
Ao menos meu coração deixem em paz...
Que cresça da forma que lhe convém. 

Mais dia, menos dia, a realidade nos devora a todos,
Como uma fera enjaulada que por descuido escapa.
Mas enjaulado também há o pássaro, que toda noite canta alegremente
a todos da vizinhança; ignorante, pobrezinho, de sua condição de escravo.

Também eu canto, ignorante da inutilidade do meu canto.
Canto e persisto, como a noite que volta com seu bordado de estrelas 
após tempos de céus apenas enegrecidos.
Canto e persisto, como as plantas que sugam flores da terra tão surrada, tão pobre.
Eu canto, porque crescer dói, mas ser maior é bem bonito.


28 de jul. de 2014

?


De onde virá o socorro?
Do sol que nem se mostra?
Do frio que envolve os dias num abraço apertado?
Das flores que desabrocham belas e perfumadas, mas despedaçam-se velozmente?

De onde virá o calor?
Das lembranças mágicas onde já pousa fina camada de poeira?
Da estrada vazia e não muito bela que talvez nossos pés não pisem mais?
Do anel tão bonito e eterno, como assim deveria ser o amor?

De onde virá o consolo?
Das palavras e mais palavras atiradas ao vento?
Do jardim frágil, que mera chuva levaria à lama do solo?
Da canção tão bela que já não ouvimos mais?

De onde virá a paz?
Do torpor que mergulha a mente num sono negro e sem lembranças?
Dos aplausos falsos?
Dos sonhos, em que a alma é livre e o amor não é perseguido  pela realidade faminta?

De onde virá a esperança?
Agora que o silêncio é mais bem-vindo que a presença?
De onde virá o sorriso agora que os olhos apenas fitam o chão?
De onde virá o amor, agora que apenas a tristeza parece reinar?

22 de jul. de 2014

É só Agosto...


Ecoa por algum canto meu clamor pelo que transcende a vida que se vê?
No que poderiam pousar os sentidos além desta fria ilusão?
A carne, a distância, os móveis, as casas, os jardins, as ruas, tudo parece ocultar o que de raro, verdadeiro e eterno existe.
Cascas, alegorias; áridas, espinhentas, duras.

A fantasia ainda me acena das nuvens, como nas épocas idas de menino.
A fantasia... uma pequena ponte florida aos verdadeiros mundos.
Com o passar dos segundos, das décadas, a ignóbil realidade penetra.
É injetada à força nos meus braços fracos.
Quanto mais ela me preenche, mais de mim morre, mais de mim fica vazio.

Não é gloriosa a missão de buscar o indestrutível em um mundo transitório.
Não espanta o frio e o medo buscar abrigo em um castelo de cartas.
E não parece certo repousar nos ombros do Amor o fardo pesado da minha última esperança.

Se às árvores foi dado o solo que as sustenta e aos pássaros a leveza do ar em que bailam,
Por que negar aos Homens algum sentido nesse caos de Dante ao qual somos atirados?
Diziam-me que era errado não ter qualquer fé,
Agora dizem-me que ter fé é para os tolos.

Mas pelos ventos, eu sei:
É só Agosto que se aproxima,
Lábios e ares secos anunciam.
Agosto traz esse inconformismo perante o que,
de fato,
é inconformável. 
A luz é difusa, e difusos também são as sensações e o pensamento.
Some-se à proximidade de Agosto uma distância de centenas de quilômetros...
Não há Homem são nessas condições.

Perdão


Peço perdão à palavra.
A palavra que soprei ao vento, como semente alada,
e observei, complacente, deitar sobre rochedos estéreis.
Não há culpa para a palavra,
Nem há culpa para o rochedo.
É minha a culpa.

Peço perdão ao silêncio, que grita e grita,
pedindo que eu o veja, que eu o toque.
E eu nego, firme, como se o silêncio não existisse,
Como se o silêncio não me preenchesse
e não fosse eu mesmo.

Peço perdão às flores, às quais dei o duro fardo
de serem esperança.
E ainda sofro e me revolto ao vê-las murchar 
e abandonar meu jardim.
Que obrigação teriam elas com minha fé?

Peço perdão à realidade que recuso,
recuso com veemência,
entorpecido por sonhos infantis, quimeras, utopias, epifanias.
Como se em minhas veias não corresse sangue vermelho e quente,
mas apenas sentimentos.
Como se a ilusão ainda pudesse me salvar,
quando na verdade, é minha pena.

15 de jul. de 2014

Sob água


Lembro sorrindo dos dias de sol.
De manhãs não tão frias, em que o vento delicado trazia bailando
o perfume de flores recém-desabrochadas.

Ainda me acalenta o calor, como se ele nunca se despedisse,
E sua presença silenciosa,
Ainda nas roupas, nas paredes, nos lábios, no espírito.

Meus pés recordam-se da terra firme,
Uma terra de certezas e abrigos.
A terra que agora é mar, e o mar nos sobrepõe.

Meu coração segura memórias como fotografias inalteráveis,
Ignorando a pressão que as águas exercem,
Ignorando a imensidão delas.

Acalma-te, peço ao peito, 
enquanto as correntes marítimas o seguram no fundo.
Apascenta-te, ainda que ventos submarinos o impeçam de ser firme.
Ilumina-te, mesmo que com a luz caleidoscópica da superfície.

Após a noite de estrelas ausentes e tempestades presentes,
Poderemos voltar à superfície, mesmo feridos pelo frio das profundezas.
Poderemos repousar em terra firme e morna.
Sorveremos a calmaria e a claridade meiga de um sol recém-nascido. 

9 de jul. de 2014

Dias




Persisto em minhas palavras inservíveis.
Se não curam a mim,
A quem curariam?

Mas persisto,
Como se torcer o coração arrancasse-lhe 
os litros de fel.

Não arranca. Não muda nada.
Não existe fel...
Existem os dias, um após o outro.

Existe a lentidão e a rapidez deles que,
dependendo do desejo,
faz-se o contrário.

Dias banhados em gentileza,
Dias com tantas flores a desabrochar,
Dias de perfume suave e peito quente.

E dias assim, em que o sol desaparece antes do previsto,
E junto do céu de cobalto sopra o vento frio
que derruba ao solo as flores mais frágeis.

Não me visitaram as fiéis borboletas nessa manhã,
Mas apenas o silêncio e a distância.
Que bom que amanhã será outro dia.


5 de jul. de 2014

O porquê das flores


Não que terra seja gente, 
mas penso que tudo que é criação de Deus gosta de carinho.
Por isso, antes de plantar acaricio a terra úmida e
e me emociono por lembrar que abaixo dos homens duros, 
das mulheres duras, dos prédios, ruas e calçadas duras,
existe terra macia e fofa.
Me emociono também, e principalmente, porque aquela maciez 
é quase próxima à maciez da pele de quem tanto amo.

E quando penso no amor tanto, lembro da árvore imensa, coberta de flores enormes.
Minha irmã disse que os galhos pareciam labaredas, 
assim, cobertos de tantas flores de vermelho vivo como fogo,
E por dentro o coração sorriu, porque lembrou de uma velha infância em que ambos passavam momentos e momentos embaixo de árvores, em cima de árvores, rodeados de árvores,
falando de um pouco tudo ou apenas em silêncio, que diz mais ainda.

Dizem que não existe amor grande ou pequeno,
Que não existe amar muito ou amar pouco.
Que existe só o amar.
Dizem... dizem.
Se a alguém fosse dado o poder de definir a dimensão do amor,
qual seria a serventia da poesia, do poeta, do coração mais ou menos acelerado?

O que sei da serventia, é das flores.
Elas servem para alimentar o amor.
Vê a borboleta, a abelha, o besouro?
São pedacinhos de amor, pra lá e pra cá, 
Cumprindo frágil e vital sina.

As reles, humildes flores desse meu Jardim
também são para alimentar o Amor.
São para agradar aqueles olhos cor de céu e de mar.
São para consolar
um pouco
meu coração quando o Amor aqui não está.