29 de jul. de 2014

Crescer dói


Há quanto não te falo da beleza da noite?
Diante da tamanha escuridão dos tempos
até parece que as estrelas não estão mais lá.
Mas estão, como um carinho de Deus aos olhos dos homens,
Carentes, famintos do que é belo.

Já sei que a esperança não jorra das palavras
como a água jorra de um buraco no chão no meio do agreste.
E se não basta cruzar os braços, tampouco bem-vindo é o desespero.
Vamos cavando, lentamente, até que a vida volte a florescer.

Crescer dói.
Dói porque temos de remover a casca grossa que envolve a alma.
Temos de deixar tradições, condições, filosofias, ilusões.
Tudo aquilo que foi abrigo, torna-se prisão.
Livrar-se do seguro é crescer. 

Como então não rogar pelo amor?
Como não ver nele o farol abençoado em meio a esse oceano absurdo de ilusões?
Algo precisa permanecer firme e eterno, 
algo precisa permanecer visível quando a noite e até os dias são escuros demais.

Pedem-me lógica e coerência;
todos absorvidos por um cotidiano que zomba de nós e zomba de si mesmo.
Não me peçam nada, por favor.
Ao menos meu coração deixem em paz...
Que cresça da forma que lhe convém. 

Mais dia, menos dia, a realidade nos devora a todos,
Como uma fera enjaulada que por descuido escapa.
Mas enjaulado também há o pássaro, que toda noite canta alegremente
a todos da vizinhança; ignorante, pobrezinho, de sua condição de escravo.

Também eu canto, ignorante da inutilidade do meu canto.
Canto e persisto, como a noite que volta com seu bordado de estrelas 
após tempos de céus apenas enegrecidos.
Canto e persisto, como as plantas que sugam flores da terra tão surrada, tão pobre.
Eu canto, porque crescer dói, mas ser maior é bem bonito.