21 de ago. de 2017

Ancestral


As manhãs ainda são plenas de ventos frios. Mas depois, depois daquela manhã de agosto em que com duas palavras você extinguiu a claridade, essas manhãs se tornaram um tanto disformes, míticas, preenchidas por sussurros mudos de saudade.
De alguma forma o que restou de você sempre será a memória antepassada a vagar calma pelos largos salões vazios da alma. Mas não vá embora... Fique para ver pelas janelas o fim de inverno levando as folhas dos ipês que um dia nos apadrinharam. 
Aquele galho partido que em um fevereiro floriu já não existe mais...
Você via alguma beleza na quase infantil forma que eu tinha de ser assustado e corajoso simultaneamente. Via alguma graça nas minhas esperanças meio desesperadas.
Depois daquele dias quietos, há sempre uma nova despedida. Poemas e prosas começam com um adeus, adeuses, ah Deus...
Mas fagulhas daqueles tempos mais dourados ainda espocam logo abaixo das nuvens. Em certas tardes pode-se ver meus olhos irradiando parca claridade.
Nos intervalos dessa ópera infausta da existência, quando mentes e tímpanos são agraciados com uma trégua, doces e quase nocivas utopias bailam no horizonte onde se perdem as vistas.
Eu sei que é uma heresia com a razão praticar rituais em louvor àqueles atemporais dias felizes. Peço perdão, mas com pouca convicção do meu pecado. Talvez não finde o tempo em que eu precise roubar um pouco de calor daquelas belezas ancestrais.
Algo do que fomos se protege da boca faminta do tempo.
Vez ou outra lembraremos em silêncio do amável descuido do destino em entrelaçar tão amavelmente nossos corações tão distantes. Novamente, para sempre apartados.