17 de mai. de 2019

Invernal


Quando os primeiros ventos do inverno começavam a mover lentamente as nuvens baixas e um tristonho murmúrio ecoava pelas copas das velhas árvores, o coração, por uns instantes feliz e quase que envolto em abraço terno, precisou ser lembrado das razões de eu tê-lo revestido, há muitos invernos, de pesada e desconfortável armadura.
Os invernos mudam, mas sua sina é sempre tão semelhante.
Isso é bom. Isso é ruim.
Há nele fortes reminiscências dos sonhos primaveris de outrora, dos dias de aromas doces e acolhimento. Aquela tola e infantil espera esperançosa pelas manhãs de sol. Se o banho nas gélidas águas da realidade é para manter para sempre algo dessa sua beleza já tão surrada, ano após ano.
Essa dor quase poética me faz enxergar as cores vibrantes de todas as coisas, faz sentir com mais intensidade a luz acariciando a pele e me faz planar pelo silêncio absoluto e pacífico de uma tarde inexplicavelmente bela.
Assim nasce delicadamente alguma cura para a alma que sofre ao ver suas mais ricas sementes perderem o dom da vida por repousarem em solo ainda coberto por densas cinzas de um glorioso passado do qual só fuligem insepultas restam.
Um dia há de haver algum solo morno e pronto para germinar, então os inícios de inverno darão lugar à abundante poesia e vida de uma verdadeira Primavera.
Pois que o coração, se ainda dói, é porque bate.