10 de ago. de 2014

Solidão


Como as pessoas convivem com todas as coisas mais lindas
sem dividir?

Solidão acho que é isso: não dividir.
A gente suporta distância, falta de abraço, de eu te amo, de sexo, de mão dada, aliança, almoço de domingo e sorvete de fim de tarde.
Suporta até enfrentar a vida sem ajuda, sem um: vai lá, você consegue!
E falo dessa vida chata, sem graça; criada  pela burocracia, não por Deus; que nos inferniza os dias.
A gente até se suporta, veja só.

Mas não dividir o Belo, 
aquela música, aquela poesia, aquele filme, aquele pensamento bom, aquela flor, aquele pôr do sol...
Isso não, isso dói por demais.
Por isso quando você foi embora para sempre chorei tanto e tanto:
O Mundo é bonito demais só pra mim!
Eu não posso suportar!

Porque a dor e a feiura a gente já divide automaticamente,
É só ver as notícias da estúpida eternidade das guerras estúpidas,
É só cruzar com Seu Qualquer na rua...
A gente olha o olho murcho das pessoas e sabe: tem coisa errada ali dentro.
Precisa nem dizer, não. É o tal do óbvio.
O desespero é como o ar, tá todo mundo dentro dele.

Todo mundo tem mágoa, tristeza, saudade, arrependimento, culpa.
Novidade nenhuma.
Quase todo mundo é feio se olhar bem de perto,
E não é feio de carne, não; porque carne é tudo carne, 
como água é tudo água,
e como a água, a carne passa;
Quase todo mundo é feio por não dividir o Belo.

Hoje, quase matei a moça do coração.
A gente no carro, ela concentrada, eu avoado,
Daí grito: OLHA QUE LINDO O ARBUSTO!
Era um arbusto cheio de flor amarela que nasceu bem no meio de um portão, na calçada.
A gente quase morre por causa do arbusto,
e rimos depois.
Eu não poderia carregar a beleza daquele arbusto só pra mim,
precisava que ela carregasse também.
Assim, era como se o arbusto fosse mais um elo entre nossa amizade;
todo elo é bem-vindo.

Por isso chorei tanto quando a esperança partiu.
Porque a esperança é coisa das mais bonitas,
e eu não queria perder ou dar, queria dividir.
Ficar com toda ela também não podia, não.
Coisa grande demais.
Então fiquei foi sem nada, mesmo.

Amanhã, se eu encontrar outro arbusto com flor amarela vou ter que ficar em silêncio,
Ninguém se importa muito com arbustos de flor amarela.
E vai doer uma dor só minha e talvez eu chore de novo,
Seguindo a vida que me foi dada pela burocracia.

Posso dizer que meu maior medo era ser um dos Feios,
Hoje já não é um medo, é um certeza. 
Minha feiura assusta.