20 de ago. de 2014

Abro alas


Abro alas, deixo a Dor passar.
Ela desfila, soberana, pomposa, uma majestade.
Eu, como se fosse sua fiel súdita,
atiro pétalas de rosas amarelas ao vento que lhe oscila os cabelos;
me curvo solene.
A Dor passa fingindo compaixão, humildade,
Enquanto finjo que acredito em suas qualidades.

Abro alas, deixo a Esperança passar.
Tão bonitinha, a esperança!
Se acha muito útil, a boba.
Cheia de sorrisinhos e acenos.
Não ligo, aceno de volta, sorrio também.
Suas intenções são as melhores...
Se ela vier dizer algo, saio é correndo!

Abro alas, deixo o Sonho passar.
Grande e forte! 
Reflete as luzes solares e lunares.
É corajoso e belo com uma harpia. Feito para os ares acimas dos ares.
Só quando ele atravessa, eu vejo: tudo fantasia.
Quem conduz tamanho espetáculo é um pequeno e delicado menino.
Sinto compaixão. 
Finjo que não vejo sua fragilidade e presto honrarias.
Ele faz seu melhor.

Abro alas, deixo o Medo passar.
Anda espalhafatoso, caminha incertamente, contamina o ar com seu cheiro pútrido.
Suja o sagrado tapete em que pisa com seus restos lamacentos.
Sussurra mentiras e verdades misturadas, confunde tudo!
Observo com cenho fechado, ele não foi convidado.

Abro alas, deixo a Vergonha passar.
Outra intrometida, penetra.
Em tudo se mete, a maldita!
Nem escondo meu desgosto e desprezo por ela.
Só não a insulto por educação.
Ela passa, lenta e rastejante... sempre foi dramática.

Abro alas, deixo a Saudade passar.
Coisa das mais imprevisíveis, a Saudade;
Ora faz rir, ora faz um pranto dos infernos rolar.
É uma dama de ferro. Dura e meiga.
Ela estende a mão... vou cumprimentá-la,
a Razão me segura.
Pois é, a Razão, quem diria, veio também.

Então chega o ilustre dos ilustres, o mais esperado...
Abro alas, deixo o Amor passar!
Caminha trôpego e em farrapos; ele, o verdadeiro e único nobre.
Parece sempre se cobrir com trapos,
Embora não negue as vezes que se vestiu de perfume e flores.
Vou até ele e ofereço abraço afetuoso, choramos um pouco, só um pouco.
Nada mais precisa ser dito.
Eu vi o imenso castelo que ele e o Sonho construíram com as próprias mãos.
É persistente, o Amor. Obstinado; verdadeiro, mas ingênuo, pobrezinho.
Seu castelo desabou, e ele ainda residia lá dentro, pensando estar em seguro abrigo.
Feriu-se, sofreu, clamou socorro... quem acudiu? Quem compreendeu?
Uma mãe, apenas. Uma outra generosa mãe...
Acolheu-lhe nos braços, disse-lhe palavrinhas de conforto,
até que ele tivesse forças de voltar.

Todos entram.
Recolho o tapete estendido com esmero aos meus sentimentos.
Tapete vermelho escarlate: meu coração.
Todos voltam aos seus lugares aqui dentro.
Eu, Alma, recebo a todos, mais uma vez.
Uns com mais prazer, outros com bem menos...
São todos meus frutos...