21 de ago. de 2014

Ex-voto


Nem fé o bastante eu tinha pra poder conjurar promessa,
então eu só disse, bem baixinho: 
"Senhor, se meu coração voltar a bater, até sorrio de novo."
Os anos já passados não me permitiriam barganhar com Deus.
Que Ele pode querer de mim, 
que não seja um pouco de felicidade nessa Terra tão confusa?

Que forma eu esculpiria para oferecer aos seus pés?
E que pés, se tudo é Deus?
E o que mais doía?
Que forma teria a saudade?
Que forma teria o amor?
Que forma teria a alma?

Mesmo sem forma, 
é tudo que doía, é tudo que sentia.
Nem parecia haver noite, 
com as mesmas estrelas cravejadas no céu,
com o mesmo perfume de Damas da Noite,
com o mesmo manto de veludo envolvendo os sonhos,
partidos ou inteiros.
Até agosto, esse mês esquisito que só, começou pelo fim,
pelo nosso fim.
Tudo precisava de cura...

Aceita então, meu ex-voto, Senhor:
eu mesmo.
Meu espírito remendado,
sujo, triste,
e limpo e feliz,
descrente, indiferente,
e esperançoso e dedicado.

Me aceita, Senhor,
ainda que ninguém mais.
Pois ninguém mais vê o que realmente há de ser visto;
nem eu, Pai, nem eu me vejo.

Não modelei parte doente enfim curada;
o coração não morreu, só acelerou, só quase parou.
Foi ao céu e voltou.
É forte, saudável. 
Agora não dói, não grita, não lamenta.
Só há o vazio, o velho amigo.
Amigo daqueles que sabe dizer e sabe silenciar.
Sabe os limites.

E todo esse vazio permite a entrada da noite,
da canção, do olhar, do sabor, das flores do ipê.
Voltará a ser de todas as coisas um coração que era de apenas uma.
Voltará a querer todas as coisas um coração que só queria uma.

Já não há pranto, nem palavra.
Há de volta a poesia.
A poesia que ofereço em poema.
O poema... também meu ex-voto.

O Senhor atendeu todos meus rogatórios, Pai.
Fez luz e fez sombra quando precisou fazer.
Há cansaço em trilar tão rudes veredas, 
mas há também gratidão.

Obrigado, Pai.
O maior (ou único) sonho foi realizado.
Perfeito como no pedido.
Só acabou... não choro mais.
Repito,
Obrigado, Pai.