11 de ago. de 2014

O poema ouve


Certo poema diz que a contagem do tempo é feita pelas batidas do coração,
não pelos giros dos ponteiros do relógio.
O poema entende que há meia eternidade falta a luz, falta o ar, falta o combustível.
O poema entende que, mesmo parado, imenso tempo se passou.
Só o poema, em sua silenciosa compreensividade.
Só o poema, generoso...

Quando a luz da tarde começa se deitar, o peito aperta.
Antes, a rotina quase morta em si mesma, cedia à lembrança:
à noite viria aquela voz. 
Única, macia, tão sua, tão minha.
Viria aquela voz e qualquer dor partiria.

No silêncio, o coração bate lento, quase para.
As dores não passam, se acumulam,
como detritos que ajudam a causar as enchentes.
Assim está o peito: alagado nessa água turva de memórias e saudades.

Não podia durar, não iria durar, tudo parecia dizer,
mas a criança boba que pulsava no peito persistia em sua fé infantil.
Eu acreditava poder abraçar o mundo para abraçar você e sua história,
Um pensamento tão coerente quanto à minha crença em magia aos sete anos.

Seguem os dias, alheios à minha devastação.
Que dor é a minha perante às todas tão grandes dores?
Parece imenso egoísmo reclamar do meu derramar de sangue,
quando tantos e tantos já jazem sem mesmo o próprio sangue para derramar.

Então clamo e reclamo e rogo apenas ao poema;
que não responde, não aquece, não envolve, não salva, mas ouve.
Apenas ouve...
Até que eu me canso de dizer e o poema se cansa de ouvir.
Até que finalmente adormecemos, juntos e frios, em nossa solidão.