29 de mar. de 2016

Outrora: Doçuras e amarguras


Sonho era uma coisa assim, não ia muito longe não. Terminava ali adiante, depois do canavial com as flores douradas pelo sol poente. O mundo era tão menor, cabia nas vistas, no coração.
Aquele era um tempo de doçura e amargura. Lembro do pai trabalhando no tacho borbulhando, cozendo a garapa pra fazer rapadura e vender na cidade, oficio antigo do vô. Em alguns dias ele assoviava e chamava a gente pra comer o melado que sobrava, e a vida toda ganhava aquele sabor tão doce. Nesses dias ele não parecia frio e duro como aço. Pena serem raros...
Lembro da vó Landa e seu sorvete de abóbora. Ninguém no mundo fazia melhor que ela, tenho certeza. Tinha muito amor misturado ali, um amor de que ainda me lembro do gosto.
E a mãe... lembro dela naquele tempo sempre sorrindo, mesmo sabendo hoje que tudo era tão duro pra ela. Acordar cedo, trabalhar tão longe, indo de carroça na geada pela estrada esburacada. A mãe não fazia muitos doces, mas ela tinha os gestos mais doces de todos. Era como uma guardiã, uma águia protegendo suas pequenas crias. E eu que esqueço de quase tudo, lembro tão bem de cada pedacinho daquele amor.
Bem sei também das amarguras daquele tempo... mas de que servem agora? Que fiquem no fundo da mente, inertes, como toda amargura deve ficar. Não sei, mas não quero diante dos olhos de novo as cenas que me causaram repulsa.
Quero lembrar do cheiro do cafezinho à noite, forrando o chão com suas florezinhas brancas. Da mente tão leve que quase levantava os pés do chão também. Lembrar que à revelia de tudo, era feliz, ainda que sem saber.