29 de mar. de 2016

Outrora: coisa ruim


            Coisa bonita é que deve ter nome: borboleta, passarinho, flor, lagoa, suspiro, sorriso, abraço, abrigo.
Coisa ruim não!
De coisa ruim a gente lembra como lembra de espinho no pé, que faz a gente mancar; aquele incômodo!
A coisa ruim que me escureceu a vida apareceu eu tinha sete anos. Menino de sítio, frágil e bobo, mas de mesmo coração, mais de vinte anos depois.
Aquela era uma coisa ruim bem disfarçada. Parecia palhaço de circo que faz graça, mas no fundo mete medo danado na gente, sabe? Era uma coisa tão bem fingida que nem eu via que era uma coisa ruim, dessas que roubam a pureza da gente, aquela relíquia mais bonita e mais sagrada.
Mas antes da coisa roubar toda claridade da alma, eu escondi um bocadinho de claridade. Fiz bem, fiz mal? Não sei. Mas algo bom passou camuflado e bem vivo, anos e anos... Escondi esse tesouro dentro de um baú mágico, que leva todo tipo de golpe, o coitado, mas não se quebra ou se parte. O Coração guardou um sonho, bonito e calmo como a noite de lua cheia na roça.
E essa coisa deixou seu estrago,  mesmo com o sonho firme dentro do coração, ela traz certos pesadelos em noites muito silenciosas. Então eu preciso nos perdoar novamente.
Não sei quão fundo ela atingiu, que quantidade exata de coisa ela contaminou.
Os anos passam, mas cicatriz, uma vez feita, é pra sempre. Eu até tento explicar às vezes, pra mim, pros outros, tudo isso que se houve, continuo pedindo um socorro mudo. Mas ninguém entende, não. Ninguém sentiu o mesmo.

Mas eu sei de uma coisa: coisas ruins como essa às vezes possuem nosso corpo, mas nunca nossa alma.