18 de mar. de 2016

M eu menino


Dentro ainda sobrevive aquele velho menino.
Aquele menino, de cabelos caídos sobre os olhos castanhos como a terra.
Olhos de menino... sempre tão vivos e famintos das delicadas e imperceptíveis belezas:
Uma pedra mais colorida que as demais, tão cinzentas;
Um passarinho mais bonito e colorido que a infinidade de pardais;
O sabor morno da pitanga vermelha colhida do pé;
A luz dourada do poente nas flores do canavial que parecia não ter fim;
O aroma encantado da noite, que tudo cobria com um lençol negro de medos e mistérios;
A inocência que permita possuir asas nos sonhos, e ir para longe, tão longe, tão alto.

Hoje, uma ou outra coisa ainda reluz, eu colho com carinho e entrego ao meu menino.
Seu olhar brilha junto das cores do pequeno pedaço de vidro parecido com cristal, da melodia suave, do córrego cristalino.
E fico feliz com essa doce capacidade dele de ainda achar encanto no ordinário da vida.

Agora a noite não assusta, tanto.
O levo para contemplar o céu do jardim cheio de vultos de plantas adormecidas.
Ele se maravilha com o espetáculo celeste.
Eu, adulto, arisco: aquele deve ser Marte. Aquele, Vênus. Veja o Cruzeiro apontando para o Sul. Que retinhas as Três Marias! São o Cinturão de Órion.
Mas nem eu nem ele sabemos ao certo de nada, só observamos em contemplação e louvor.

Ele se emociona. A beleza o atinge como uma chuva de final de verão.
Deixo que chore. Choro junto, e ele sorri.
Em alguns tempos, penso que partiu. Fica tão quieto.
Ou que caiu em sono profundo, para tão longinquamente despertar.
Mas logo uma rosa desabrocha, ou um sorriso tímido e tão bonito se mostra, e sinto sua presença feliz de volta.

Com ele não falo das extensões amargas da insossa e ignóbil realidade dos Homens.
Tudo é tão feio e escuro aqui fora.
Ele não precisa saber o que me assusta.
Só quero que fique assim, inocente e puro, como um sentimento puro;
Achando que pode alcançar o céu do topo das árvores.
Achando que pode tocar corações com seus poderes mágicos.