13 de dez. de 2024

Ainda sinto




Pelas ruas em que quase nem descia,

Mas flutuava,

Cismava... 

E se a emoção partiu? 

E se a beleza foi embora?

Como embora as luzes de natal irão 

Quando janeiro chegar...

E eu chorei um pouco ao pensar 

No medo de não mais chorar.

Quando a manhã é silenciosa e calma,

Quando os jasmineiros voltam à vida,

Quando as criancinhas andam de mãos dadas pelas calçadas...

Então,

A doce senhora marejava os olhos ao falar dos seus "e se's"...

E se tivesse partido? 

E se outra coisa tivesse sido? 

E se o amor tivesse chegado,

Ao invés de partido? 

E sofremos juntos fingindo não saber 

Que os trovões que estouram os céus aqui 

São os mesmos do outro lado do mundo;

Sofremos fingindo não saber 

Que nada é ou seria mais fantástico 

Do que o que se vive,

Do que se alcança,

Do que se tem.

E eu sorri,

Com esse sorriso imperfeito e sincero, 

Ao sentir que ainda sentia,

Ao saber que as luzes que partiram ,

Um dia retornarão;

Que o amor não é encontrado,

Porque ele nunca se perdeu.

23 de nov. de 2024

Um pouco mais bonita



Talvez tenhamos sido o melhor que poderíamos ser 

Naqueles momentos confusos e doloridos 

Talvez 

Daí de tão longe tudo faça mais sentido agora

E eu sei 

Nunca fomos grandes exemplos 

Mas havia uma admiração sutil e secreta 

Uma vontade de ser algo mais 

Que nunca conseguimos ser


Por aqui as coisas mudaram um pouco 

Ou muito 

De perto não sei dizer 

Eu tentei escolher estradas mais seguras 

Menos esburacadas 

Tentei redimir meus pecados 

Mas tem umas tardes em que ainda sou um menino perdido chamando pelo pai 

Aquele menino que se encantava com a pureza e a beleza de tudo 

Enquanto as perdia sem ninguém saber 


E hoje eu vi muitos botões no jasmineiro que eu achei que ia morrer 

Ele vai florescer ainda antes do natal 

Para perfumar a memória da vinda no nosso Senhor

E eu chorei um pouco pensando em tudo isso

Tudo o que foi perdido e tudo o que foi encontrado 

Chorei um pouco 

Por medo, por gratidão, por esperança 

Pelo esforço que tenho feito em tornar minha alma um pouco mais bonita.

27 de out. de 2024

Tentando

 


Da mente 

Esse campo de guerra onde não há trégua 

Paira o assovio frio que precede a queda explosiva 

Ouvem-se estrondos e súplicas 


O solo treme abaixo dos pés 

O espírito enpalidece 

Outro ataque 

E mais outro 


Aos poucos então o tempo engrossa o véu 

Que existe diante dos nossos olhos 

E oculta lentamente e cada vez mais 

A aura milagrosa que há em todas as coisas 


Então eu me lembro de uma velha mulher 

Plantando flores nas cicatrizes da terra

E do jovem homem 

Pedindo orações 


E é assim que algo me diz

Que o céu cinza é o prelúdio do aguaceiro 

Que trará o fim da estiagem 

Que trará vida ao sertão das almas


São épocas duras

Como as que se foram e as que virão 

E as mãos endurecidas sofrem para colher a esperança 

De lugares cada vez mais raros e delicados 


Mas ainda ontem eu disse

Enquanto a estrada era longa e calma 

"Ao menos estamos tentando,

E isso é bem mais do que nada."



22 de out. de 2024

Apascenta

 


Pediste, Senhor

Àquele a quem questionara 

Se verdadeiramente O amava 

Dizendo:

"Se me amas, apascenta minhas ovelhas."


Lá fora urram guerras insanas 

Irmãos levantando-se contra irmãos 

Tornando esperanças em pesados escombros 

Subindo a poeira tóxica 

Que oculta a santificada Luz do Evangelho


Mas não distante 

As batalhas também se fazem 

Pelo egoísmo, pelo orgulho 

Armas mais silenciosas, igualmente perigosas 

A destruírem lares e corações 


São tantas as Tuas ovelhas desgarradas, Senhor 

Filhos perdidos 

Na imensidão das próprias ilusões 

Vasos vazios 

Que o vento tomba e quebra 


Guia-nos de volta à Tua paz, Mestre

Ainda que trilhemos caminhos tortuosos 

Relembra-nos do Verdadeiro Propósito 

Que nunca irá nos faltar

Pois que é o próprio Deus. 


@jardim__espirita

Mãe do Amor



Das mais Altas Esferas desceste 

Com a sublime missão de ser o santo lar

Do mais puro espírito que caminhou sobre a Terra.


Mãe de misericórdia e bondade 

Mãe de doçura e compaixão 

Mãe do próprio Amor encarnado


Ante a ti até os anjos se curvaram 

"Maria, alegra-te, ó cheia de graça!

O Senhor é contigo!"


E Vós, Mãezinha, curvara-se ante ao Criador 

"Eis aqui a serva do Senhor. 

Faça-se em mim segundo a tua palavra."


E assim se fez do santo e imaculado ventre

A morada do Nosso Senhor 

E de vós, a Mãe da Humanidade 


Mãe, dá teu colo a essas crianças espirituais

Que todos nós ainda somos

Dá Tua luz aos que jazem na escuridão. 


Rogai por teus filhos, Santíssima 

Teus filhos em carne e em espírito 

Que ainda não possuem a imensidão da vossa fé.


 

@jardim__espirita

Água salobra



Singelas orações sussurradas por corações aflitos 

Vozes em fios dissolvendo-se ao vento

Pés descalços, cansados 

Caminhando no solo agreste da vida


"Cristo Jesus, ainda mais uma vez, 

O Senhor velaria por nós?"

E os olhos marejam dor e sal

A lágrima escorre sutilmente na face ferida


Reverbera então pelo âmago do espírito 

Forte como trovão e delicada como flor

A palavra santificada e eterna 

Advinda do Divino Caminho 


"Não se turbe o vosso coração; 

Credes em Deus, crede também em mim.

Se vós me conhecêsseis a mim, 

Também conheceríeis a meu Pai..."


Abrandam-se assim as ferozes turbulências 

Sob a autoridade sublime do Redentor 

E a água salobra dos olhos cessa

Ante ao sorriso que se faz pelo abraço Consolador.


@jardim__espirita

2 de out. de 2024

Manhã

 


A cidade ainda quase adormecida 

Como que imersa em um Hálito Celeste de paz 

Com ruas calmas e silenciosas 

Envolvida por uma esperança sutil 

De que a estiagem cruel 

Nos campos e corações 

Não tarda a chegar ao fim 


Pelas esquinas, pátios e construções 

Portas e janelas vão se abrindo 

Homens e mulheres 

Com o suor de seus rostos 

Começam a angariar o santificado pão 

Mãos firmes, faces serenas 

Talvez, o espírito em oração 


Começa a ser perceptível na atmosfera 

Uma aura luminosa, bendita 

Lentamente se aproxima o dia em que rememora-se

A vinda do Salvador 

Imaginam-se halos de luz e esperança 

Descendo novamente sobre a Terra tão castigada 

Pelos equívocos humanos 


Ainda assim

"Vós sois Deuses."

Disse o Divino Caminho 

"Podereis fazer o que faço, 

E ainda mais, 

Se credes em mim."

Completou 


Cremos, Senhor

E pelas nossas obras verificamos o tamanho da nossa fé 

Que é ainda pequena, às vezes até frágil 

Mas que brilha sem cessar 

Como a chama humilde da vela

Que não extingue toda a escuridão 

Mas previne o passo que levaria à queda.


@jardim__espirita

29 de set. de 2024




Ocultam-se as palavras capazes de milagres

Agora como em outrora 

Por conta dos sentimentos adormecidos 

Cansados

Que naufragam silenciosos em águas turvas

Junto à claridade dourada que ali mergulha


Quando nada se sente

Procura-se algum resquício de saudade 

Procura-se uma canção

Um perfume pelas estradas

Que nunca mais percorreremos 

Procura-se uma dor graciosa


Porque às vezes a dor é tudo o que parece restar

E a seguramos forte como uma amada inimiga 

E não a deixamos que se vá 

Mas o sol volta a se pôr e a nascer 

E o tempo que desbota todas as coisas 

Também pede que tudo se renove


Então eu estava sozinho diante daquelas águas 

Onde eu dizia não ser possível ver Deus 

Estava sozinho com minhas luzes e sombras 

Que ao menos por um instante deixavam de lutar

E apenas contemplavam comigo 

Um breve fragmento do infinito.

Faz chover

 

Houve o dia, Nosso Senhor,

Em que, amedrontados, 

Teus seguidores te pediram:

"Acalma a tempestade, Divino Mestre!

Abranda o vento!

Salva-nos das águas impiedosas!"


E levantando-te, 

Repreendeste o vento e disseste ao mar: “Aquieta-te!”

O vento então parou e fez-se grande calmaria.  

E disse-lhes: 

“Por que estavam com tanto medo? 

Ainda não têm fé?”


Hoje, Senhor, rogamos-te para que se faça,

Do céu à terra,

O aguaceiro santo; 

Para reviver campos e corações.

Transformando os desertos incinerados,

Em redivivos jardins de milagres.


Somos ainda os homens de pouca fé 

No vulnerável barco da vida,

Incomodando-te com nossos clamores,

Evidenciando a fragilidade da nossa esperança pequenina.

Mas a quem recorrer, 

Senão ao Senhor de todas as coisas? 


Faz chover, Senhor! 

Sobre a terra ferida, sobre o fogo inclemente; 

E, principalmente, sobre o espírito devastador 

Do homem ainda tão primitivo;

Do homem ainda tão mais próximo do átomo, 

Que do Arcanjo.


@jardim__espirita




É como se houvesse restado um eco de todos os sentimentos que se foram 

Uma espécie de epitáfio 

Mas ao mesmo tempo 

Um prelúdio 

De algo que se viveu na superfície 

E que lá adiante 

Na borda oculta do tempo 

Irá ser vivido profundamente.


Este agora em que buscamos alguma beleza no caos 

Não é tão diferente de outros agoras que já vencemos 

Só que agosto se debruçou sobre um setembro marrom 

E venta, e queima, e sufoca... E dói 

Doem saudades do que nem foi tão grande e valioso assim 

Em outroras seria até pouco 

Quem sabe

Menos que nada. 


E eu com meus velhos mapas sobre a mesa da realidade 

De cenho fechado 

Traçando novos rumos até que interessantíssimos

Sobre os mesmos antigos caminhos já percorridos

Contudo, não deixa de ser louvável 

O imenso e quase tolo esforço 

De lutar contra essa estiagem sem fim 

Que aos poucos se apodera também do coração.




 São 14:18 e eu senti necessidade de dizer que o mundo não está acabando 

Nem vai acabar 

Nem acabou 

Mas um poema me fez chorar 

Porque poemas são como orações 

São puros como uma criança 

Que oferece uma flor 

Ao Criador do Universo 

E de todas as suas coisas.


São 14:20 e eu já soube o que é o amor 

Ou talvez não 

Talvez a gente só criou uma palavra bonita 

Para algo que nunca se alcança completamente 

Mas antes de chegar aqui, eu sonhei 

E quando esteve, foi bom 

E quando partiu, doeu.


São 14:22 e o levantar dos véus só mostram outros véus além 

O que não deixa de ser interessante 

Mas desnudam-se jardins que resistem às estiagens 

Ao fogo criminoso 

Ao ódio que se esperneia por saber que logo 

Não terá mais do que se nutrir.


São 14:25 e pela milésima vez 

Eu plagio o poeta e digo 

"Nada em mim é extinto ou esquecido."

Digo para que nada se extinga ou se esqueça

Enquanto as cortinas balançam 

E o silêncio se faz

E o coração enfim 

Por um instante 

Descansa.




 Há essa velha voz que se propaga

Incessantemente 

Por todos os cantos do espírito 

Às vezes terrivelmente ensurdecedora 

Às vezes inofensivamente branda 


Em certas manhas ela se cala 

Como se o mundo fosse uma máquina bem lubrificada 

Emitindo poucos ruídos 

Existindo sem muito sentido de existir 


Em certas tardes ela é rude e áspera 

E se propaga como se quisesse ferir 

E fere

E eu sangro 


E em certas noites ela me lembra de todos os milagres enjaulados 

Das asas dobradas e pesadas que carrego nas costas 

Que me fariam alçar voos magníficos 

Por terras ainda inexploradas


Mas nos sonhos ela canta melodias adocicadas 

Canções de tempos de outrora 

Passados e vindouros 

E por um instante adormece 

Enquanto me confessa ser eu mesmo que canto.

Antes do despertar das horas

Da canção triste que nunca deixa de tocar 

Havia você

Havia a rua de cores intensas

E a chuva que voltava a cair

Como que para fazer reflorir 

Um mundo já quase sem beleza 


Sua pele brilhava 

Feito as últimas luzes do sol poente de inverno 

E de seus lábios escorriam mel e vida 

Sabores extintos 

Sabores nunca mais sentidos 


O sorriso então 

Vasto, suave e rápido 

Como o desabrochar dos ipês brancos 

E sua imagem, por fim

Derretendo às primeiras fagulhas de realidade 

Sumindo da memória, da prece

Do coração que já quase não sonha.
 




 Por um descuido a poesia das coisas se perdeu 

Foi pelo tempo longo e estranho que passou 

Pela saudade não mais sentida

Ou pela esperança que foi se aventurar por outras paragens

Bem longe daqui 

Não se sabe

Mas o mundo ainda gira

O sol nasce e se põe 

As crianças brincam alheias 

À cruel transitoriedade de tudo 

E o passado com todos seus encantos 

É esse varal de roupas esquecidas 

Por anos 

Que já desbotaram 

Que já não servem mais.

5 de abr. de 2024

Alvorada

 

O que é Vida senão um quase eterno processo de renascimento?

A flor dá lugar ao fruto, que dá lugar à semente, que dá lugar a uma nova planta.

Ciclos se iniciam e se encerram, modificando intimamente os personagens que fazem parte desses processos.

O próprio planeta passara e ainda passa por uma era de profundas transformações, algumas severas e gigantescas, outras delicadas e até belas.

A poesia surge em meio a toda essa dinâmica com a liberdade de levar muitas vezes sentido e consolo, uma forma sutil de reflexão para se compreender o que se vive, o que se viveu e o que é sonhado; talvez mais que compreender: encontrar o sentido sagrado que permeia todas as coisas.

Este trabalho tem então o humilde desejo de registrar os sentimentos provindos dessas tantas nuances experienciadas, mas acima de tudo, é um registro de um momento de esperança, da Luz tomando lugar das sombras, da claridade lentamente voltando a reinar após uma longa noite escura. 


"Alvorada", minha décima quinta aventura com a palavra, estará disponível no Clube de Autores em 16/04.



16 de mar. de 2024

Cinzas

 


Infinitas palavras desde então 

Sem começo, sem fim

Eternas 

Construindo-se metaforicamente sobre si mesmas 

Torres imensas 

Como árvores gigantescas 

Mortas 

Esparramadas em um deserto onde nada mais floresce 

E essas singulares miragens entoam canções confusas

Ora sobre o que se passou 

Ora sobre que se sonhou ser 

Ora sobre o que se perdeu para sempre 

Você então cruza o céu como uma deslumbrante ave em chamas 

Alto, muito alto 

Inalcançável, já que é apenas uma memória 

Que se apaga, e morre

E renasce das cinzas que sempre guardo 

E sempre guardarei 

Até que se perde no horizonte em que brilha uma alvorada petrificada 

Que nunca ilumina por completo 

E eu já não choro 

Eu já não clamo

Já não espero 

Pois que o vento sopra e para longe me esparrama 

Feito que memórias em cinzas me tornei também.

Há uma tempestade

 


Há uma tempestade nem sempre bela em seu coração 

E suas águas que nutrem os jasmins 

Também levam do solo as flores mais frágeis 

As promessas recém plantadas.


Há uma tempestade ainda em seu coração 

E seus vendavais destroçam os vitrais 

Assustam os anjos 

Avançam cômodos adentro.


Há uma tempestade... em seu coração 

Mas os relâmpagos insistentes clareiam pequenas joias pelo chão 

Apontam o caminho pelo escuro 

Te impelem a uma oração.


Há uma tempestade... que é seu coração 

Que como o filho pródigo olha para trás

Olha para o caminho adornado de erros 

Clamando um sorriso, um beijo de absolvição.

11 de fev. de 2024

Em Teu caminho



Em alguns dias, Mestre, correrei em Tua direção;

Feliz, confiante, de braços abertos,

Sorrindo e cantando.

Em alguns dias, Mestre, caminharei em Tua direção;

Resignado, sóbrio, firme em meus passos,

Emocionado por ver-Te em meu horizonte.

Em alguns dias, Mestre, engatinharei em Tua direção, 

Feito uma criança frágil, titubeante, temerosa;

Embora convicto, plenamente, de estar em Teu caminho.

Em alguns dias... Mestre, estarei sem forças, cansado, com mãos e pés feridos;

Então, Mestre, eu rastejarei em Tua direção, 

Lentamente, com olhar envergonhado por minha fraqueza,

E não haverá em mim nada de Belo, além da pequena Luz do meu coração apontando o caminho...

E nestes dias, principalmente neles, saberei: qualquer que seja a velocidade, jamais deixarei de ir em Tua direção,

Pois és meu Caminho, 

És minha Verdade, 

És minha Vida. 



Rogava pela luz, e a luz aos poucos se fez 

Às vozes todas, às gargalhadas 

Uma resposta silenciosa 

Os ombros em riste 

Não o medo 

Não desta vez

É passado o tempo das sombras

E a alvorada arrebentará o horizonte em luzes magnânimas 

Fará-se o novo tempo acima do velho 

Fará-se boa nova pelos abismos do espírito 

E se impossível o voo

Que haja o caminhar 

Se impossível o caminhar 

Que rasteje-se caminho afrente 

Mas seguindo, seguindo 

Sem desvios, sem atalhos, sem dúvidas 

Até que se bata na sagrada porta

E ela se abra 

Deixando transparecer o primeiro dos novos dias.

24 de jan. de 2024

Prelúdio



Quando alguma noite de janeiro consegue ser amena 

O céu canta uma melodia ancestral 

Quase um lamento repleto de saudade

E também de esperança 

O vento traz um aroma de mirra 

E as nuvens repousam calmas e tem a cor de um âmbar pálido

E é como se a noite se rendesse junto a mim

Dobrasse seus joelhos em uma oração como as da infância 

Quando tudo era repleto de uma mágica beleza 

Sei que estou retornando...

Sei que são passos simplórios em direção ao que de valioso se perdeu 

Sei que chegará a alvorada em que outra voz se unirá à minha 

E luzes e canções se farão então por todos os cômodos da alma 

Ainda não é chegado o tempo 

Muitas pedras a remover 

Muitas roseiras a plantar 

Mas há por enquanto esta noite 

Um prelúdio do que seria a vida 

Se fosse um poema.

21 de jan. de 2024

Uma após outra




Ainda a remover pedras, uma após outra 

Sempre, sem cessar 

Enquanto remove, renasce, purifica 

Com uma canção sempre a tocar 

Certas ilusões não lhe vestem mais

Refaz teu reflexo, teu caminho 

E leve, enfim, sobrevoa os pecados deixados lentamente para trás 

Do alto, verá o que cresce e refloresce 

Sozinho, simples, completo 

Teus anjos não repousam longe, mas flutuam contigo

Em teu peito, uma chama ressuscita 

Pequena, morna, bonita 

Do alto, alguém cuida de ti, sonha contigo 

Acolhe tuas orações com carinho

Sem reinícios simbólicos desta vez 

A vida caminha para seu cume 

E quando lá chegar

Que veja paisagem deslumbrante, silenciosa, iluminada

E quando de lá partir que seja outro 

Melhor

Seja verdadeiramente

Quem de fato é.

Desavisados

 


Em algum momento é irresistível desejar ser novamente criança e ter a mãe a dizer vai daqui para ali, ou faço isso ou faça aquilo

Sem que tenhamos que pensar muito pois que alguém havera pensado antes com muita precisão e sabedoria 

Para tudo se há horas e organizações

Para tudo há muita segurança 

E ainda que muito falte, nada falta

E ainda que muito doa, nada dói 

Então crescemos desavisados de que precisamos crescer

E começa-se a pensar na vida, na morte, nas consequências todas 

E há tantos números a serem calculados, tantas portas a serem trancadas, tantas janelas a serem fechadas que quase já não vemos mais o céu, não vemos mais a imensidão 

Crescemos e tudo se torna diminuto, razoável, necessário

E mesmo comentando pequeno atos de rebeldia, como manter as luzes de natal por todo o ano, deitar no chão para olhar as nuvens, escrever poemas bobos

Temos medo... 

Medo de que não sejamos mais nem uma memória para aquilo que já amamos 

Medo dos despertadores que só esperam a hora certa para nos banhar em realidade fria

Medo do tempo... 

Que não existe, e ainda assim, troca de lugar todas as coisas... algumas, para sempre.

11 de jan. de 2024

O tempo

 


Há essa voz em minha mente que sempre se repete:

'O tempo é um animal tão mutante!'

Uma hora se é menino, noutra se tem o coração partido.

E a gente passa meia existência perdendo pedaços, 

Pequenos caquinhos que vão caindo pelo caminho,

E passa outra metade voltando e recolhendo essas partes, tentando formar uma alma completa, curada.

E então a vida salta espalhafatosa, gira uma dezena de vezes e cai de pé esperando aplausos,

E o aplauso não vem. 

Alguns olhares são de soslaio, insípidos,

Todo mundo esperando aplauso também. 

Mas o tempo, sim, o tempo. 

O tempo na verdade não existe...

Tudo começou com um homem inventando um relógio 

E outros homens comprando esses relógios até a coisa sair do controle 

Mas o tempo mesmo, não existe,

É uma abstração feita para definir outras abstrações,

Como as saudades, as pessoas, os sonhos.

A gente coloca tudo dentro de um cronômetro e o quanto ela viver ali, mostra sua importância. 

E nem tudo obedece à regra...

Tem coisa que foge pelas frestas e permanece, 

Quietinha ao nosso lado,

Durando para sempre;

Tem coisa que não importa o quanto dure, dura pouco demais;

Tem coisa que ainda bem chegou,

E sempre esteve aqui. 


8 de jan. de 2024

Foi há dez anos




Foi há dez anos 

Foi ontem 

E só na memória restam provas de tais épocas 

Profundas...

Como um oceano misterioso 

Onde repousam tesouros para sempre perdidos.

Em algumas tardes o céu se pinta do mesmo azul que habitava em seu olhar 

E há então um sopro morno e mágico de saudade 

Nada foi tão puro desde então

E nada será 

Pois por vezes eu volto de longas peregrinações até esse santuário 

E ainda repousa imóvel no altar meu ex-voto

Meu coração de pedras e flores 

Inerte, mas tão cheio de vida 

E eu tiro minhas sandálias pois adentro em solo sagrado 

Tiro minhas roupas pois já não causam vergonha as cicatrizes

Tiro as máscaras que camuflam meus pecados...

E o que resta, se não é belo, 

Ao menos tem um brilho verdadeiro.

Olho com doçura para essas paredes, para meu reflexo nos espelhos, para o sentimento materializado diante de mim

Uma brisa fresca sopra pelas janelas, 

Um ipê flori lá fora, uma rosa desabrocha, uma borboleta salta pelo ar

E eu começo a enteder, década depois, porque nunca parti por completo 

Aquele sentimento que já não pode mais possuir um nome

Trouxe à tona a mais bela parte de mim.