26 de mai. de 2014

Dissecando "Le Fol"

Lembro que um dos meus maiores prazeres nas aulas de literatura era decifrar os sentimentos que os poetas escondiam em palavras lapidadas. Lembro de sempre questionar e admirar a visão que nos era passada dos sentimentos; seria mesmo aquilo que o poeta sentia? Quem poderia garantir além dele mesmo? Brincando com isso, "dissequei" o poema "Le Fol" que escrevi hoje, referindo-se a mim mesmo como se fosse um poeta.

"Que vemos à frente, caro Louco, caro Tolo?
Não foram o bastante os arranhões da Vida?
Por que mantemos a face serena, inocente demais para quem
derramou o tipo de lágrima que nós já derramamos?"

A carta "O bobo" no Tarot é simbolizada por um homem de trajes coloridos, caminhando numa estrada, com a face inocente.
O poeta questiona as incertezas do caminho, os medos diante das próprias limitações. Reconhece os próprios erros e se julga indigno de sustentar uma face inocente.
O poeta e O Bobo já são homens, mas com sentimentos ainda quase infantis.

"Deixamos tudo para trás?
Ou de tão pequeno, cabe-se nosso mundo num saco?
Atingiremos os poderes mágicos?
Sabemos onde nossos pés deixam suas marcas?"

Os versos expressam ao mesmo tempo o receio perante as mudanças e a sensação de que nada se perde ao ir encontro daquilo que é almejado. Com "poderes mágicos" o poeta se refere à felicidade.
No último verso da estrofe ele questiona a importância dos próprios atos.

"Perde-se em teus caminhos pelos campos; apenas eu te encontro.
Perde-se em teus tudos e em teus nadas; tal qual eu.
Da mesma manhã cinza e gélida e morta,
Nasce o sol e brotam as flores e a vida."

Uma referência, literal, ao momento em que o poeta encontrou a carta "Coringa" no chão de um lugar qualquer, e uma leve menção ao significado da carta para aqueles que acreditam.

"Há aquela imensa nuvem escura no horizonte,
Não há?
Mas a luz ainda penetra, permanece.
Sigamos nossas trilhas."

A "nuvem no horizonte" é literal. Enquanto o poema era escrito uma grande nuvens negra se formava no céu, anunciando forte chuva. Mas representa também a insegurança. A Luz do sol vem em contrapartida a isso, também de forma literal, e dá conforto ao poeta. Embora a nuvem assustadora, a luz resiste, assim, ele sente segurança para seguir adiante no caminho que escolheu.

"Se te encontro, é sorte?
O perfume que o ar traz é verdadeiro?
Ou entreténs meu coração infantil com ilusões,
da mesma forma que ludibria teus nobres?"

Em algumas descrições é dito que encontrar tal carta é um sinal de sorte, ou azar.
O poeta questiona a própria crença nesses sinais e, além disso, questiona a própria fé, algo comumente questionado.

"Ou sou eu que te engano, Le Fol, ao fingir-me enganado?
Seria eu o mais realista dos homens fascinados?
O único crescido da Terra do Nunca?
O único sóbrio na Cidade das Esmeraldas?"

O poeta faz uma brincadeira com a ideia da carta (cujo personagem é conhecido por traquinagens),
e põe-se em seu lugar, enganando o enganador, numa atitude de provar que está acima das ilusões e infantilidades do Bobo. Porém, nos versos finais, engana a si mesmo, acreditando ser o único lúcido residente em terras imaginárias, uma grande incoerência.


“Sai o sol e se põe, e outra vez volta ao seu lugar, onde torna a nascer...”

O poema termina com o axioma da carta, resumindo a moral da história: a continuidade ininterrupta da vida.
O Bobo segue seu caminho, o poeta, seus sonhos. No fundo, no poema, os dois são o mesmo.