14 de set. de 2014

Respirar novamente


Que saudade dos dias em que as ilusões não iam tão longe.
Saudade daquelas tardes em que o mundo ao redor, simplesinho que só,
abrigava reinos encantados e criaturas mágicas.
A infância dava invisibilidade, dava poderes.
O medo, se havia, se dissipava tão rápido.
E a vida, ainda que desmoronasse dia sim, dia não,
era tão viva! Exalava esperança.

Os dias mais adornados de trevas já estão esquecidos
num passado coberto por poeira e lençóis amarelados.
Todos aqueles fantasmas se foram, 
também todos os arrependimentos.

Se olho para trás é por sentir falta de um tempo em que haviam tréguas.
O sonho - palavra agora proibida - não era projetado sobre algo ou alguém.
O coração era preenchido pelos pequenos milagres:
flor, sol, chuva, cheiro, gosto, canção, poema, amigo.

Depois de tudo, 
sei que soa como ingratidão querer esquecer o que há pouco era vivo.
Mas entre tanta coisa torpe que estes olhos viram,
apenas a lembrança do paraíso fere. Fere inacreditavelmente. 
Não assusta qualquer demônio, enfrento-os.
Assusta lembrar as cores do céu, agora que tudo volta a ser noite negra.
Assusta lembrar do anjo que um dia me emprestou suas asas,
mas as levou junto de si para sempre novamente.

Em cada esquina repousa um caco de coração.
Já não os recolho mais... para que quereria-o batendo outra vez?
Apenas observo complacente, e sigo adiante,
como se houvesse um 'adiante'.
Meu único desejo é sentir sabor no ar outra vez.
Meu único desejo é respirar novamente.