29 de set. de 2024




Ocultam-se as palavras capazes de milagres

Agora como em outrora 

Por conta dos sentimentos adormecidos 

Cansados

Que naufragam silenciosos em águas turvas

Junto à claridade dourada que ali mergulha


Quando nada se sente

Procura-se algum resquício de saudade 

Procura-se uma canção

Um perfume pelas estradas

Que nunca mais percorreremos 

Procura-se uma dor graciosa


Porque às vezes a dor é tudo o que parece restar

E a seguramos forte como uma amada inimiga 

E não a deixamos que se vá 

Mas o sol volta a se pôr e a nascer 

E o tempo que desbota todas as coisas 

Também pede que tudo se renove


Então eu estava sozinho diante daquelas águas 

Onde eu dizia não ser possível ver Deus 

Estava sozinho com minhas luzes e sombras 

Que ao menos por um instante deixavam de lutar

E apenas contemplavam comigo 

Um breve fragmento do infinito.

Faz chover

 

Houve o dia, Nosso Senhor,

Em que, amedrontados, 

Teus seguidores te pediram:

"Acalma a tempestade, Divino Mestre!

Abranda o vento!

Salva-nos das águas impiedosas!"


E levantando-te, 

Repreendeste o vento e disseste ao mar: “Aquieta-te!”

O vento então parou e fez-se grande calmaria.  

E disse-lhes: 

“Por que estavam com tanto medo? 

Ainda não têm fé?”


Hoje, Senhor, rogamos-te para que se faça,

Do céu à terra,

O aguaceiro santo; 

Para reviver campos e corações.

Transformando os desertos incinerados,

Em redivivos jardins de milagres.


Somos ainda os homens de pouca fé 

No vulnerável barco da vida,

Incomodando-te com nossos clamores,

Evidenciando a fragilidade da nossa esperança pequenina.

Mas a quem recorrer, 

Senão ao Senhor de todas as coisas? 


Faz chover, Senhor! 

Sobre a terra ferida, sobre o fogo inclemente; 

E, principalmente, sobre o espírito devastador 

Do homem ainda tão primitivo;

Do homem ainda tão mais próximo do átomo, 

Que do Arcanjo.


@jardim__espirita




É como se houvesse restado um eco de todos os sentimentos que se foram 

Uma espécie de epitáfio 

Mas ao mesmo tempo 

Um prelúdio 

De algo que se viveu na superfície 

E que lá adiante 

Na borda oculta do tempo 

Irá ser vivido profundamente.


Este agora em que buscamos alguma beleza no caos 

Não é tão diferente de outros agoras que já vencemos 

Só que agosto se debruçou sobre um setembro marrom 

E venta, e queima, e sufoca... E dói 

Doem saudades do que nem foi tão grande e valioso assim 

Em outroras seria até pouco 

Quem sabe

Menos que nada. 


E eu com meus velhos mapas sobre a mesa da realidade 

De cenho fechado 

Traçando novos rumos até que interessantíssimos

Sobre os mesmos antigos caminhos já percorridos

Contudo, não deixa de ser louvável 

O imenso e quase tolo esforço 

De lutar contra essa estiagem sem fim 

Que aos poucos se apodera também do coração.




 São 14:18 e eu senti necessidade de dizer que o mundo não está acabando 

Nem vai acabar 

Nem acabou 

Mas um poema me fez chorar 

Porque poemas são como orações 

São puros como uma criança 

Que oferece uma flor 

Ao Criador do Universo 

E de todas as suas coisas.


São 14:20 e eu já soube o que é o amor 

Ou talvez não 

Talvez a gente só criou uma palavra bonita 

Para algo que nunca se alcança completamente 

Mas antes de chegar aqui, eu sonhei 

E quando esteve, foi bom 

E quando partiu, doeu.


São 14:22 e o levantar dos véus só mostram outros véus além 

O que não deixa de ser interessante 

Mas desnudam-se jardins que resistem às estiagens 

Ao fogo criminoso 

Ao ódio que se esperneia por saber que logo 

Não terá mais do que se nutrir.


São 14:25 e pela milésima vez 

Eu plagio o poeta e digo 

"Nada em mim é extinto ou esquecido."

Digo para que nada se extinga ou se esqueça

Enquanto as cortinas balançam 

E o silêncio se faz

E o coração enfim 

Por um instante 

Descansa.




 Há essa velha voz que se propaga

Incessantemente 

Por todos os cantos do espírito 

Às vezes terrivelmente ensurdecedora 

Às vezes inofensivamente branda 


Em certas manhas ela se cala 

Como se o mundo fosse uma máquina bem lubrificada 

Emitindo poucos ruídos 

Existindo sem muito sentido de existir 


Em certas tardes ela é rude e áspera 

E se propaga como se quisesse ferir 

E fere

E eu sangro 


E em certas noites ela me lembra de todos os milagres enjaulados 

Das asas dobradas e pesadas que carrego nas costas 

Que me fariam alçar voos magníficos 

Por terras ainda inexploradas


Mas nos sonhos ela canta melodias adocicadas 

Canções de tempos de outrora 

Passados e vindouros 

E por um instante adormece 

Enquanto me confessa ser eu mesmo que canto.

Antes do despertar das horas

Da canção triste que nunca deixa de tocar 

Havia você

Havia a rua de cores intensas

E a chuva que voltava a cair

Como que para fazer reflorir 

Um mundo já quase sem beleza 


Sua pele brilhava 

Feito as últimas luzes do sol poente de inverno 

E de seus lábios escorriam mel e vida 

Sabores extintos 

Sabores nunca mais sentidos 


O sorriso então 

Vasto, suave e rápido 

Como o desabrochar dos ipês brancos 

E sua imagem, por fim

Derretendo às primeiras fagulhas de realidade 

Sumindo da memória, da prece

Do coração que já quase não sonha.
 




 Por um descuido a poesia das coisas se perdeu 

Foi pelo tempo longo e estranho que passou 

Pela saudade não mais sentida

Ou pela esperança que foi se aventurar por outras paragens

Bem longe daqui 

Não se sabe

Mas o mundo ainda gira

O sol nasce e se põe 

As crianças brincam alheias 

À cruel transitoriedade de tudo 

E o passado com todos seus encantos 

É esse varal de roupas esquecidas 

Por anos 

Que já desbotaram 

Que já não servem mais.